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Lava Jato do RJ vê indício de propina de multinacional francesa a almirante

O ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva - Alan Marques -28.jul.2015/Folhapress
O ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva Imagem: Alan Marques -28.jul.2015/Folhapress

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

05/05/2019 04h00

Procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro encontraram indícios de que uma multinacional francesa do ramo de energia pode ter pago propina para o almirante da reserva e ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Documentos fornecidos por autoridades suíças indicam que a propina pode ter sido intermediada pelo doleiro Jorge Luz, um conhecido operador do MDB. A defesa de Othon nega o envolvimento dele em irregularidades.

Considerado um dos "pais" do projeto nuclear brasileiro, Othon Luiz Pinheiro foi presidente da Eletronuclear entre 2005 e 2015. Em agosto de 2016, ele foi condenado a 43 anos de prisão. Segundo a sentença, ele recebeu propina paga por empreiteiras brasileiras que foram favorecidas com contratos junto à Eletronuclear, responsável pelas usinas nucleares de Angra 1, 2 e 3.

A Areva, que foi vendida no ano passado e hoje se chama Framatome, foi uma das principais fornecedoras da Eletronuclear, inclusive da obra para a construção de Angra 3, iniciada durante a ditadura militar e retomadas em 2010.

Em 2013, por exemplo, ela assinou um contrato com a Eletronuclear, ainda sob a gestão de Othon, no valor de 1,25 bilhão de euros (o equivalente a cerca de R$ 5,2 bilhões) para fornecer instrumentos digitais, equipamentos e sistemas de controle para a usina.

Relatórios enviados por autoridades suíças à Força Tarefa da Lava Jato no Rio mostram que duas contas mantidas na Suíça associadas a duas filhas de Othon foram abastecidas por depósitos feitos por Jorge Luz. As filhas que seriam beneficiárias das contas são Ana Cristina Toniolo e Ana Luiza Barbosa da Silva Bolognani.

Uma dessas contas, aberta em nome da offshore Delarosa Properties, era mantida no banco Lombard Odier. Entre 2006 e 2009, ela recebeu depósitos de uma outra offshore, a Total Tec Power, que tinha uma conta mantida no banco francês Credit Suisse.

A conta da Total Tec Power, segundo as investigações, tinha como beneficiário Jorge Antônio da Silva Luz, apontado como um dos principais operadores de pagamento de propina do MDB.

Os documentos enviados pelas autoridades suíças apontaram que, no mesmo período em que Total Tec Power fez depósitos a Delarosa no mesmo período em que recebeu depósitos da Areva.

Os investigadores da Lava Jato no Rio descobriram também que uma segunda offshore, a Waterfront Overseas S.A, cuja beneficiária seria Ana Cristina da Silva Toniolo, recebeu depósitos da Total Tec Power no mesmo período em que recebeu depósitos da Areva.

Uma fonte ligada às investigações no Brasil confirmou que os indícios apontam para uma possível intermediação de dinheiro de propina passando por Jorge Luz até chegar a Othon Pinheiro e suas filhas. Os investigadores afirmam que os indícios apontam para que essa suposta propina esteja relacionada a contratos firmados entre a Areva e a Eletronuclear.

A fonte disse ainda que as investigações sobre o possível pagamento de propina feito pela Areva ainda estão em estágio inicial.

Almirante tem US$ 20 milhões bloqueados na Suíça

Na semana passada, o blogueiro do UOL Jamil Chade mostrou que Othon trava uma batalha com a Justiça suíça para reaver quase US$ 20 milhões encontrados em contas atribuídas a ele.

O valor é superior aos US$ 3,2 milhões que, segundo a sentença que o condenou em 2016, teriam sido pagos em propina ao ex-presidente da Eletronuclear.

Delatores da OAS detalharam esquema com multinacional

Apesar de essas investigações ainda estarem em estágio inicial, delatores da construtora OAS revelaram que a empreiteira teria feito uma "parceria" com a Areva para escoar propina para o MDB.

De acordo com reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, os colaboradores da OAS disseram que em 2013, a construtora baiana montou uma empresa de logística na Áustria para ajudar a Areva a pagar propina a políticos do MDB e funcionários públicos que tinham ligação com a construção da usina de Angra 3.

À época, a Areva estaria enfrentando dificuldades para receber da Eletronuclear justamente porque não estava conseguindo gerar recursos de caixa dois para pagar propinas devidas.

Segundo os delatores da OAS, a solução encontrada foi a subsidiária da empresa na Áustria firmar um contrato superfaturado com a Areva para fazer o serviço de transporte de equipamentos da multinacional até o Brasil.

O contrato ultrapassou 116 milhões de euros e metade desse valor teria sido convertido em dinheiro de propina. Ainda segundo os delatores, esse acordo seria vantajoso à companhia porque ajudava a companhia a gerar caixa dois na Europa, que seria depois utilizado para pagar agentes públicos de países africanos em que ela atuava.

O pagamento de propina feito a agentes públicos e políticos brasileiros teria sido feito por um doleiro que, até agora, não foi identificado. Os colaboradores não nomearam os agentes públicos ou os políticos que teriam recebido propina no esquema.

Outro lado

A reportagem do UOL entrou em contato com as defesas de Othon Pinheiro e suas filhas e com a direção da Framatome no Brasil. Foram enviados emails e mensagens de texto com perguntas sobre as motivações dos depósitos feitos pela Areva (atual Framatome) às contas de Jorge Luz e sobre os depósitos feitos por Jorge Luz às contas de Othon e suas filhas.

O advogado de Othon e suas filhas, Fernando Fernandes, negou que o almirante tenha recebido propina. "Othon nunca recebeu qualquer vantagem indevida, sempre recebendo [dinheiro] fruto de seu trabalho. Suas filhas não têm relação com os fatos. Quanto ao mais, a defesa irá se pronunciar no momento oportuno", disse.

A Framatome, por sua vez, não respondeu às questões feitas pela reportagem.

A reportagem também entrou em contato com a defesa de Jorge Luz por telefone. Um dos advogados de Luz pediu que as perguntas fossem mandadas a ele por mensagem de texto. As questões foram enviadas, mas até a última atualização deste texto, nenhuma resposta havia sido enviada.

Em nota, a Eletrobras (responsável pela Eletronuclear) disse que só teve ciência sobre pagamentos indevidos feitos pela Areva por meio da imprensa.

A estatal disse ainda que vem cooperando com o MPF (Ministério Público Federal) e que sua cooperação resultou na condenação de ex-executivos da Eletronuclear, entre eles, Othon Luiz Pinheiro. "À época, foram adotadas as medidas cabíveis, tais como encerramento de contratos e afastamento de todos os executivos envolvidos, dentre os quais o senhor Othon", disse um trecho da nota enviada pela empresa à reportagem.

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