Topo

Colega de Bolsonaro no Exército surge como outro operador das rachadinhas

O coronel da reserva do Exército Guilherme dos Santos Hudson - Arte UOL
O coronel da reserva do Exército Guilherme dos Santos Hudson Imagem: Arte UOL

Juliana Dal Piva

Colunista do UOL

10/07/2021 04h00

O coronel da reserva do Exército Guilherme dos Santos Hudson tornou-se conhecido nesta semana por ter desempenhado um papel que antes se imaginava restrito ao policial Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Ex-cunhada do presidente Jair Bolsonaro e sobrinha do militar, a fisiculturista Andrea Siqueira Valle Andrea afirmou, em gravações inéditas obtidas por esta colunista, que a maior parte do salário que recebia do gabinete do filho mais velho do presidente era recolhida pelo coronel Hudson.

O coronel Hudson foi colega do presidente na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) nos anos 1970. Ele constou como assessor de Flávio na Alerj, de junho a agosto de 2018. No entanto, pessoas ouvidas pela coluna contam que ele era conhecido há anos como funcionário da família Bolsonaro e sempre transitou junto ao clã.

Nas gravações, Andrea contou que ia com o tio ao banco sacar o dinheiro do salário dela todos os meses. "O tio Hudson também já tirou o corpo fora, porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e buscava no banco era ele", afirmou Andrea. A coluna confirmou a autenticidade dos áudios e disponibiliza trechos para proteger o sigilo da fonte.

O material está no podcast UOL Investiga: "A vida secreta de Jair".

Na mesma gravação, Andrea disse que estava sendo silenciada. "Não é pouca coisa que eu sei não. É muita coisa que eu posso ferrar a vida do Flávio, ferrar a vida do Jair, posso ferrar a vida da Cristina. Entendeu? É por isso que eles têm medo aí e manda eu ficar quietinha. Não sei o que, tal. Entendeu? É esse negócio aí", confidenciou a ex-cunhada do presidente.

família - Arte/UOL - Arte/UOL
O presidente Jair Bolsonaro e os filhos Flávio, Carlos e Eduardo
Imagem: Arte/UOL

Coronel é investigado

Por ter sido assessor de Flávio, o coronel Hudson consta do rol de investigados do caso da rachadinha no MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro). Na quebra de sigilo bancária e fiscal do militar foi possível verificar 16 saques que totalizaram R$ 260 mil. A informação foi revelada em reportagem da colunista Juliana Dal Piva e do repórter Pedro Capetti, publicada no jornal O Globo no ano passado.

Os saques foram realizados sempre em espécie e com valores superiores a R$ 10 mil na boca do caixa, em diferentes ocasiões, entre 2009 e 2016. A maioria deles, um total de 11, ocorreu de abril a outubro de 2016. A coluna apurou que o último deles foi no valor de R$ 43 mil, também em dinheiro vivo. Os bancos informaram ao MP que, em alguns casos, possuíam fitas das operações de saque feitas por Hudson.

Esses saques de valores superiores a R$ 10 mil feitos por Hudson ocorreram no mesmo período em que a mulher, um filho e duas noras dele foram assessores de Flávio ou Carlos Bolsonaro. Procurado, Hudson não quis explicar as operações.

Em toda a investigação sobre rachadinha, o alto volume de saques em dinheiro vivo é considerado suspeito por investigadores porque posteriormente os valores são "lavados" em outros negócios como, por exemplo, pagamento de despesas e compra de imóveis.

De 2013 a 2018, os documentos do Imposto de Renda da fisiculturista foram entregues para a Receita Federal informando que o endereço dela era na rua Erick Nordskog, no bairro Jardim Brasília 2, em Resende. Esse, porém, é o local onde fica a casa do coronel Hudson. Andrea nunca viveu ali.

JAIR BOLSONARO -  Marcos Corrêa/PR  -  Marcos Corrêa/PR
Jair Bolsonaro, presidente da República
Imagem: Marcos Corrêa/PR

Família Hudson nos gabinetes dos Bolsonaro

Nos dois meses que trabalhou para Flávio na Alerj, o coronel Hudson recebeu um total de R$ 20,8 mil líquidos, e sacou 74% desse montante. A data de sua exoneração, 15 de agosto de 2018, é a mesma de Andrea. Além do coronel, Ana Maria Hudson, sua mulher, constou por 13 anos como assessora de Flávio.

O coronel Hudson cursou a Academia Militar das Agulhas Negras de 1973 até 1977, mesmo período em que o presidente Jair Bolsonaro estudou no local. Em 2018, Hudson disse em entrevista ao G1 que a turma apelidou o presidente de "Cavalão", por seu vigor físico.

"O Jair Bolsonaro sempre foi um cadete de destaque. A gente até brincava um pouco com o apelido que a turma de 1977 colocou nele: 'Cavalão'. Porque realmente tinha um vigor físico absurdo e era um dos atletas de ponta da Aman, principalmente da parte referente ao pentatlo [modalidade esportiva composta por cinco provas]", afirmou Hudson, depois da eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, em 2018.

O coronel Hudson passou para a reserva do Exército em 1998. Seu último posto foi no Comando da 7ª Região Militar/7ª Divisão de Exército, no Recife (PE).

Quando o coronel Hudson se aposentou, ele e a mulher retornaram para Resende, cidade no sudoeste do estado do Rio de Janeiro. Alguns anos mais tarde, em 2005, Ana Maria Hudson, mulher do coronel e tia de Ana Cristina, foi nomeada no gabinete de Flávio na Alerj. Ela, porém, sempre foi dona de casa.

Em 2008, o então estudante de Direito Guilherme de Siqueira Hudson, filho do coronel, se tornou chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro no lugar de Ana Cristina, recém separada de Bolsonaro. O filho do coronel ficou nomeado no cargo -o posto mais alto do gabinete— até o fim de 2017.

Na maior parte do tempo que foi funcionário da Câmara Municipal do Rio, morou na cidade de Resende e nunca teve crachá funcional. Além de Guilherme Hudson, o filho, outras duas noras do coronel Hudson também constaram como assessoras de Carlos, mas viviam em Resende.

Reportagem de Caio Sartori no jornal O Estado de S. Paulo, no ano passado, mostrou que o coronel Hudson comprou, em dinheiro vivo, um terreno de Jair Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle, em 2008. Em valores atuais, a compra passa de R$ 70 mil.

Outra reportagem da colunista Juliana Dal Piva e dos repórteres Chico Otavio e João Paulo Saconi, publicada no jornal O Globo, também revelou que o coronel Hudson e seu filho Guilherme, ex-assessor de Carlos, estiveram no gabinete do vereador em outubro de 2019, dias antes de comparecer a um depoimento no MP-RJ para a investigação sobre o gabinete do 02.