Unimed Brusque envia kit com cloroquina para médicos como "profilaxia"
A unidade da Unimed, uma das maiores operadoras de planos de saúde do país, em Brusque, Santa Catarina, tem distribuído um "kit covid-19" para seus médicos e profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à pandemia do novo coronavírus.
A caixa, que teve sua imagem amplamente divulgada nas redes sociais, contém hidroxicloroquina, ivermectina, vitamina D e zinco quelado. A informação foi confirmada pela operadora e por funcionários da Unimed Brusque. A operadora diz que está dando a "oportunidade da profilaxia" (medicina preventiva) para os profissionais.
A distribuição de um "kit" com remédios sem eficácia comprovada vem na esteira de outras operadoras de saúde que adotaram expediente semelhante durante a pandemia.
No começo de julho, o UOL mostrou que a Prevent Senior também já enviou aos pacientes com suspeita de coronavírus um "kit covid" com hidroxicloroquina e azitromicina. Após conversar com um médico do plano por telefone, o paciente pode receber o kit em poucas horas em casa por meio de um motoboy contratado pela operadora. Não é necessária a confirmação da presença do vírus, o que contraria o CFM (Conselho Federal de Medicina).
No caso da Unimed Brusque, os kits têm sido distribuídos apenas para profissionais de saúde como forma de prevenção —mesmo sem evidência científica de que haja eficácia. Os funcionários contatados pela reportagem não souberam informar quantos médicos e outros profissionais receberam o kit, nem se o envio necessitaria de comprovação de que estejam com a covid-19.
Nas orientações que vêm junto ao kit, a operadora diz que a hidroxicloroquina deve ser utilizada "de 12 em 12 horas no primeiro dia e depois uma vez por semana durante 7 semanas". O documento também diz que o comprimido deve ser tomado durante a refeição ou "com um copo de leite".
Em nota, a Unimed Brusque afirmou que "oportunizou [sic] a profilaxia aos profissionais que atuam na linha de frente e também aos médicos cooperados, baseada no protocolo utilizado já há algumas semanas e amplamente divulgado em nível nacional pela Prefeitura de Porto Feliz-SP".
"A Unimed Brusque informa que a utilização não era compulsória e após compra conjunta dos insumos tão escassos no mercado na atualidade, foi optado pela distribuição aos que desejaram realizar a profilaxia sugerida. Desta forma, foi entregue o kit, assim como as orientações e assinado o termo de consentimento. Também foram realizados exames para excluir doenças que possam ser agravadas pelo uso da profilaxia", diz a nota.
Já um comentário da Unimed nacional diz que a empresa "orienta suas cooperativas a seguirem as diretrizes previstas pelas associações e sociedades de especialidades médicas brasileiras, além dos protocolos aprovados pela OMS". "Pelo princípio cooperativista, as cooperativas têm autonomia para desenvolver e executar as ações que julgarem pertinentes às suas necessidades, bem como os médicos que as compõem têm autonomia para indicar tratamentos e procedimentos de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina."
A Prefeitura de Porto Feliz nega que esteja distribuindo os "kits-covid" indiscriminadamente, e diz que existe apenas um protocolo para tratamento precoce. "Os remédios [que estão no kit] têm de ser prescritos por um médico. Nós orientamos quem está com suspeita a procurar a prefeitura logo no começo dos sintomas. O médico tem a liberdade de receitar ou não os medicamentos, e o paciente também pode decidir não tomar os remédios que foram passados", disse um assessor à reportagem.
Nas redes sociais, a prefeitura diz que as dez mortes que ocorreram na cidade são de "pacientes que não realizaram o tratamento precoce e procuraram atendimento médico já com a doença em estágio avançado".
Segundo o governo paulista, Porto Feliz está na fase 2 laranja do Plano São Paulo, de flexibilização da economia. Nesse plano, o governo estipulou cinco fases - a fase 1 (vermelha) significa a situação mais crítica e a fase 5 (azul), o cenário controlado.
Prática contraria CFM e OMS
Não há evidência científica de que os remédios compilados no "kit covid" da Unimed Brusque tenham eficácia contra a covid-19. A indicação como profilaxia contraria as orientações e recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do CFM (Conselho Federal de Medicina).
A OMS suspendeu em junho, de forma definitiva, todos os testes clínicos com a hidroxicloroquina. A organização afirma que ela não apresenta benefícios no combate ao coronavírus e não reduziu a mortalidade nas pesquisas realizadas. Já o CFM reforçou, em abril, que as prescrições devem ser estipuladas somente aos pacientes que tenham caso confirmado da doença.
Se recomendarem a substância, os médicos são obrigados, de acordo com a resolução do CFM, a "relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da covid-19, explicando os efeitos colaterais possíveis".
"Considerar o uso em pacientes com sintomas leves no início do quadro clínico, em que tenham sido descartadas outras viroses (como influenza, H1N1, dengue), e que tenham confirmado o diagnóstico de covid-19, a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo ele obrigado a relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga", diz o parecer do CFM.
Na última sexta-feira, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) disse que o país deveria retirar "imediatamente" e com urgência a hidroxicloroquina de todas as fases do tratamento do novo coronavírus. A entidade pediu que os governos federal, estaduais e municipais não gastem dinheiro público "em tratamentos são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais e que podem causar efeitos colaterais".
Uma outra substância do kit, a ivermectina, também já passou por testes clínicos e não houve, até agora, evidência científica de eficácia contra a covid-19.
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