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Mulheres que sobreviveram como escravas sexuais do EI pedem para voltar para casa

AFP
Imagem: AFP

04/02/2019 19h14

"Eu nunca vou esquecer". No leste da Síria, entre as milhares de pessoas que fugiram dos últimos remanescentes do "califado" do grupo extremista Estado Islâmico (EI), há vítimas de suas piores atrocidades: mulheres da minoria yazidi reduzidas a meras escravas sexuais.

"Fazíamos tudo o que pediam", diz com voz baixa Besa Hamad, uma yazidi iraquiana que conseguiu fugir do último reduto extremista na província de Deir Ezzor. "Não podíamos dizer não", acrescenta.

"Comprada e revendida" em seis ocasiões pelos homens do EI, durante cinco anos foi levada de uma região para outra seguindo a retirada dos extremistas, que retrocediam pela ofensiva que destruiu seu "califado".

Nos últimos dias, uma jornalista da AFP se encontrou com sete yazidis, das quais uma é adolescente, protegidas após sua fuga pelas Forças Democráticas Sírias (FDS), a aliança árabe-curda apoiada por Washington que combate o EI no leste da Síria.

Os depoimentos recolhidos lembram os tormentos sofridos por milhares de mulheres e crianças desta comunidade, implantada principalmente no Iraque e que professa uma religião esotérica monoteísta.

Hamad tem 40 anos, mas parece mais velha, pois em seu rosto e suas mãos têm rugas e seus dentes estão lascados.

"Deitavam conosco à força (...) Nunca vou esquecer o que aconteceu", confidencia.

Enumera nomes e nacionalidades em árabe com um leve sotaque. Entre eles estão sírios, três sauditas e "um que dizia ser sueco".

Por causa dos maus-tratos sofridos, as yazidis recebem atenção especial em um centro das FDS em Deir Ezzor, perto do campo de petróleo de Al-Omar.

- 'Roupas coloridas' -A minoria yazidi, estabelecida principalmente no norte do Iraque, foi perseguida durante séculos por suas crenças religiosas.

Em agosto de 2014, quando o EI conquistou territórios importantes na Síria e no Iraque, os extremistas tomaram a zona histórica desta comunidade nos montes iraquianos de Sinjar.

Os homens foram assassinados e os mais jovens foram recrutados como soldados infantis. Milhares de mulheres foram submetidas a trabalhos forçados e transformadas em escravas sexuais.

Neste centro das FDS, Nadin Farhat diz que foi trocada seis vezes pelos extremistas, entre os quais havia sauditas e um tunisiano.

Foi sequestrada em Sinjar aos 13 anos. Agora tem 17.

A mais nova foi transferida para Raqa, "capital" dos extremistas no norte da Síria, e terminou no leste do país. Por duas vezes tentou fugir, mas não conseguiu.

"Me bateram com um tubo de plástico. Eu tinha marcas nas costas, não conseguia dormir", conta. "Na segunda vez, me privaram de comida por dois dias", acrescenta.

Coberta com um niqab preto, apenas seus olhos são visíveis. Não consegue acreditar que pode tirar o véu, que os extremistas impunham às mulheres.

"Me acostumei", justifica. "Mas farei isso quando encontrar minha mãe", diz. "Realmente gosto de roupas coloridas", acrescenta.

- 'Salvar meus filhos' -Nos últimos focos do Estado Islâmico ainda existem mulheres dessa minoria, entre elas primas de Nadin, casadas à força com combatentes do EI e que hoje são mães.

"Nas diferentes batalhas de Deir Ezzor, várias yazidis foram libertadas", indicou à AFP Nisrin Abdallah, porta-voz das Unidades de Proteção da Mulher (YPJ), uma milícia curda exclusivamente feminina.

Nisrin Abdallah explica que as YPJ recolheram 129 yazidis após os combates entre 2015 e 2018.

Para Sabha Hasan, escapar do inferno escravagista foi como um milagre.

Mãe de cinco filhos de um primeiro casamento com um homem executado pelo EI na ofensiva de Sinjar, teve uma menina, agora com um ano e meio, nascida de uma união forçada com um extremista iraquiano.

Espancada por este homem, seu único objetivo era salvar seus filhos. "Só pensava em fugir (...) tinha medo de morrer sem poder ver minha mãe e meu irmão", conta.

"Ameaçava me matar e matar meus filhos. Eu queria que ele morresse para poder fugir", lembra.

O homem finalmente morreu em um bombardeio. Duas semanas depois, a mulher de 30 anos conseguiu fugir para setores controlados pelas FDS.

"Quero voltar para os meus pais", diz. "Mas o que mais me alegra é ter salvado meus filhos", conclui.