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Como é a avaliação psicológica dos pilotos de avião

Tom de Castella

BBC News Magazine

27/03/2015 08h56

Investigadores da queda do voo da Germanwings nos Alpes franceses disseram acreditar que o avião foi derrubado deliberadamente pelo copiloto Andreas Lubitz.

A Lufthansa, a empresa controladora da Germanwings, disse que não havia nenhuma indicação de que Lubitz, de 27 anos, era mentalmente instável.

Em 2009, o treinamento do piloto foi brevemente interrompido, mas retomado após Lubitz ser considerado apto novamente. O presidente-executivo da Lufthansa, Carsten Spohr, disse não estar autorizado a revelar o motivo que levou à interrupção.

Quando Lubitz retornou, "seu desempenho foi sem críticas" e "nada foi marcante" sobre seu comportamento, disse Spohr.

A imprensa alemã, no entanto, informou que Lubitz sofria de depressão e que policiais encontraram sinais de problemas mentais em buscas no apartamento dele em Düsseldorf.

A natureza inexplicável das ações do piloto lançou dúvidas sobre a forma como os pilotos são avaliados psicologicamente.

A maioria dos viajantes no mundo hoje provavelmente supõem que aqueles que comandam aviões tenham passado por avaliações mentais rigorosas, já que estes seriam responsáveis por centenas de vidas. Mas será que essa suposição corresponde à realidade?

Raio-x psicológico

O presidente-executivo da Lufthansa deu a entender que não haveria teste psicológico especial obrigatório na Europa.

Na Grã-Bretanha, por exemplo, segundo um porta-voz da Autoridade de Aviação Civil, a maioria dos pilotos começa numa escola de treinamento de voo. Mas essas escolas não filtram candidatos por motivos psicológicos e, basicamente, avaliam apenas a capacidade de alguém voar.

Uma avaliação médica é realizada assim que o piloto é empregado por uma companhia aérea. O capitão Mike Vivian, ex-chefe de operações de voo da Autoridade de Aviação Civil britânica, disse que essa avaliação é "muito intensa".

O processo envolve um elemento de triagem psicológica. Candidatos são questionados sobre sua história pessoal, incluindo interesses e relações familiares, histórico de depressão e pensamentos suicidas, disse Vivian.

Mas os processos de seleção parecem depender das respostas do candidato e o julgamento do examinador. "Há um elemento de confiança", disse.

Este exame é realizado por um médico de aviação especialmente treinado e é repetido todo ano ou a cada seis meses, dependendo da idade.

Mas a autoridade britânica disse que todos os procedimentos de triagem deverão ser revistos após o "trágico incidente" da Germanwings.

Foco fisiológico e técnico

A maior parte dos exames é focada nos aspectos fisiológicos do piloto - altura, peso, sangue e urina. O aspecto mental ocupa uma parte secundária da avaliação - apenas seis linhas num documento de três páginas e meia definem o que o questionário "psiquiátrico" deve abordar.

"Durante a avaliação do histórico do candidato, o médico deve fazer uma investigação geral sobre a saúde mental que pode incluir humor, sono e uso de álcool."

"O médico deve observar o requerente durante o processo do exame e avaliar o estado mental do candidato sob as categorias de aparência / discurso / humor / pensamento / percepção / cognição / conhecimento. O médico também deve buscar quaisquer sinais de álcool ou uso de drogas."

Tristan Loraine, ex-capitão da British Airways, aposentado desde 2006 após 20 anos de voo, disse não ter sido avaliado psicologicamente durante sua carreira. Disse que "urinou em garrafa, submeteu-se a exames de sangue", mas que a questão mental não foi avaliada.

A maior parte do teste é relacionada à capacidade técnica. Ele foi submetido a testes de simulação duas vezes por ano e a um exame no qual seu comportamento como capitão era observado durante um voo normal.

Na British Airways, ao contrário das companhias nas quais havia trabalhado anteriormente, Loraine disse ter se reunido com dois funcionários de recursos humanos. Mas, novamente, segundo ele, essas reuniões foram pouco rigorosas.

"O pessoal do RH disse: 'Nos conte sobre a sua vida'. Eles não estavam fazendo um teste neuropsicológico adequado", disse.

Ponto de fraqueza?

A associação britânica de pilotos aéreos, a Balpa, rejeita essa afirmação.

Rob Hunter, diretor de segurança de voo da Balpa, disse em comunicado: "A aplicação do certificado médico anual inclui uma exigência legal de que um piloto declare ter tido quaisquer problemas psicológicos e espera-se que o examinador avalie quaisquer sinais de problemas mentais aparentes durante o exame".

"Pilotos operam uma rigorosa cultura aberta de relatar quaisquer preocupações relacionadas a questões técnicas, de segurança ou problemas médicos ou mentais com os colegas."

Loraine, que faz campanha a favor do bem-estar dos pilotos, diz que, embora se espere que pilotos e tripulação relatem problemas pessoais, muitas vezes isso não acontece.

"Voei com pessoas que não estavam em condições de voar. Elas tinham problemas domésticos ou financeiros", disse.

O secretário-geral da Balpa, Jim McAuslan, rejeita a introdução imediata de uma triagem mais rigorosa, mas admite que, enquanto aviões e controles de tráfego aéreo se tornaram mais seguros, "o ponto de fraqueza" agora podem ser os pilotos.

Casos em que pilotos deliberadamente derrubam um avião podem ser difíceis de serem provados - a queda do avião da EgyptAir, em outubro de 2009, e de um voo entre Moçambique e Angola, em novembro de 2013, se encaixam neste cenário.

Qual seria a melhor resposta?

Incidentes nos quais pilotos tentam derrubar o avião são "absolutamente raros" e acontecem a cada cinco a dez anos. Pilotos são observados o tempo todo, especialmente por seus colegas.

"Toda vez que eles entram na cabine estão sendo analisados porque alguém está sentado ao lado deles", disse o psicólogo clínico Robert Bor.

Bor diz que mesmo testes psicotécnicos não poderão revelar detalhes sobre uma pessoa que acorda de forma diferente em um determinado dia. E é impossível evitar que 100% dos casos em que alguém queira abusar de sua posição de autoridade.

A triagem psicológica pode ajudar, diz Loraine. Mas isso não vai resolver tudo - a saúde mental das pessoas pode mudar ao longo da vida. No caso de Lubitz, não houve sinais de aviso, de acordo com a Lufthansa.

Em última análise, Vivian disse, não é óbvio como as companhias aéreas possam conseguir chegar a uma triagem perfeita. "Eu não conheço qualquer teste em que você consiga investigar o estado mental de uma pessoa de forma abrangente e objetiva."

A resposta é evitar que um piloto nunca esteja sozinho na cabine de comando, diz Loraine. Esta é a abordagem que a Autoridade Federal de Aviação dos EUA adotou. Agora, a Europa vai analisar se fará o mesmo.