Topo

O que aconteceu com os refugiados que viraram símbolo da crise?

18/12/2015 10h10

Entre várias das imagens mais impactantes do ano estão fotos ou vídeos mostrando o drama de refugiados e imigrantes arriscando a vida em jornadas pela Europa.

Mas o que aconteceu com essas pessoa quando as câmeras foram embora?

A repórter Katie Razzall, da BBC, seguiu os rastros de três delas.

Laith Majid: fotografado em 15 de agosto de 2015



"Queria voltar a ver essa foto", diz o iraquiano Laith Majid. A imagem foi tirada quando Laith chegou com sua família à ilha grega de Kos e se converteu em um símbolo da agonia que muitos refugiados enfrentam no trajeto rumo à Europa.

Quando ele vê a imagem, começa a chorar. "Me lembra a angústia e o sofrimento que passei com minha mulher e filhos, quando estivemos a ponto de morrer."

Quando ele descreve o que ocorreu no bote inflável em que estava, há quatro meses, fica fácil entender as lágrimas.

"A gente sentia o cheiro da morte inevitável. Foi indescritível. Foi assustador. As pessoas começaram a morrer, começamos a nos afogar, estávamos frágeis. Pensamos que morreríamos com nossos filhos."

A dor, o alívio e o terror profundo aparecem em seu rosto na fotografia. Sua mulher, Neda, diz que ele é reconhecido nas ruas da cidade alemã em que a família vive atualmente.

"Em todo lugar que vamos, as pessoas dizem 'Lembramos de vocês, estava na foto. Esperamos que esteja seguro e feliz'."

A atenção surpreendeu Laith: "Nunca havia acreditado que uma foto pudesse atrair toda essa compaixão dos alemães e amigos de todo o mundo. Fico feliz por ter feito amigos no mundo todo mas também profundamente triste ao ver esta fotografia".

Os Majid têm quatro filhos. O menor, dizem eles, ainda está traumatizado pelo que passaram na travessia e a violência que viveram em seu país.

Quando a foto foi divulgada, a mídia informou que a família vinha da Síria, porque outras pessoas no barco vinham do país. Mas, na verdade, eles são muçulmanos sunitas do Iraque. Laith era mecânico e Neda, professora. Eles tiveram que deixar Bagdá após serem ameaçados por membros de uma gangue.

Eles contam que pagaram o equivalente a US$ 3.615 (cerca de R$ 14 mil) para fugir do país.

"Aqui na Alemanha me sinto seguro e as pessoas me tratam muito bem", diz Laith.

Eles moram em um antigo quartel do Exército com centenas de outros refugiados e imigrantes. Cada família tem um quarto.

Mas seus documentos ainda não foram analisados. A família se preocupa muito com a possibilidade de que o refúgio seja negado e que tenham que voltar ao Iraque, onde, segundo Neda, serão assassinados.

"Não temos alternativa. Se a Alemanha disser 'não', temos de voltar para casa."

Ossama Abdul Mohsen: filmado em 8 de setembro de 2015



"Esqueci esse incidente e olho para o futuro da minha família e do meu filho, principalmente porque, no início, estava muito irritado", diz Ossama Abdul Mohsen.

O técnico de futebol sírio tinha nos braços sua filho Zaid e fugia da polícia na fronteira da Hungria quando uma cinegrafista colocou o pé em seu caminho, fazendo com que tropeçasse e caísse no chão.

Pareceu uma ação deliberada da mulher, que depois se desculpou dizendo que agiu em legítima defesa. A imagem, gravada por um jornalista alemão, se tornou viral.

Naquela época, Ossama disse que nunca perdoaria a mulher, mas agora diz que mudou de ideia. A cinegrafista perdeu seu emprego e ele recebeu a oferta de trabalho em um clube de futebol espanhol com um apartamento incluído.

O Real Madrid chegou a convidar Ossama e seu filho para uma partida, e Zaid entrou em campo com Cristiano Ronaldo.

"Foi como um sonho que virou realidade", diz. "Meu filho perguntou: 'É possível conhecer Ronaldo em carne e osso?' Depois do jogo, Ronaldo deu uma camiseta a ele e Zaid não quis receber o autógrafo dos outros jogadores antes de pegar o de Ronaldo."

Mas sua mulher os outros dois filhos ainda estão na Turquia. Ossama espera que as autoridades espanholas ofereçam refúgio a eles também.

Para ele, o que mais surpreende na Europa é a liberdade. "Liberdade de pensamento, liberdade de expressão total. Se um homem livre é uma sensação muito boa. Também me surpreendeu a acolhida calorosa na Espanha. Todos querem oferecer ajuda e conselhos. Isso fez muito diferença para mim".

Mohammad Zatareyh: filmado em 4 de setembro de 2015

Em setembro, Mohammad Zatareyh e outros milhares foram encurralados na estação de trens de Keleti, em Budapeste, depois que a Hungria endureceu o controle nas fronteiras e do fluxo de imigrantes no país.

"Depois de sofrer quatro dias ali, pensei que teria que começar a caminhar", disse.

O jovem sírio de 26 anos convenceu cerca de mil pessoas a sair da estação e caminhar com ele os 180 km de distância até a Áustria.

"Disse a eles: Não tenham medo. Podemos caminhar hoje por 8 horas e o segundo dia outras 8 horas, e podemos parar sempre que nos sentirmos cansados."

Ele convidou três cinegrafistas a se juntar ao grupo. "Achei que a polícia o e governo não poderiam fazer nada contra a gente se estivéssemos na TV".

Imagens da caminhada desse grupo de milhares de pessoas pelas estradas húngaras correram o mundo e acabaram, de certa forma, definindo a crise. Eventualmente os húngaros cederam e enviaram ônibus para transportar as pessoas até a fronteira para que eles seguissem a viagem até o norte.

Mohammad agora mora na Alemanha e espera os documentos que precisa para trabalhar e começar sua nova vida.

Apesar de parte da população estar começando a mudar de atitude e opinião sobre a chegada de imigrantes, ele não acha que a Alemanha mudará sua política. "Eles precisam de gente para trabalhar. Eu quero construir um futuro aqui, trabalhar, ter uma casa, me casar... Acho que é um bom lugar para construir meu futuro e este é um bom país".

Ele diz que sempre sonhou em viajar para a Alemanha. "Quando era criança, queria vir aqui porque era viciado em carros e gostava muito dos da BMW e Mercedes. Queria vir e visitar fábricas."

Mohammad pensa no papel que teve na marcha. "Me sinto orgulhoso", diz. "Talvez algum dia mostrarei esta fotografia a meus filhos. Vou mostrar a ele o que o pai deles fez e acho que eles vão ficar orgulhosos de mim."