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Crise na Venezuela: o que há de verdadeiro ou falso em 8 declarações de Maduro à BBC

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro - Palácio de Miraflores/via Reuters
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro Imagem: Palácio de Miraflores/via Reuters

Daniel García Marco - Enviado da BBC News Mundo a Caracas

13/02/2019 14h38

Quantos países reconhecem Juan Guaidó como presidente? Quanto custa 1 kg de queijo na Venezuela? Quantos venezuelanos deixaram o país desde o início da crise? Analisamos 8 frases de Nicolás Maduro ditas em entrevista exclusiva.

Na entrevista exclusiva que concedeu à BBC News, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, deu várias declarações controversas.

Ele pôs em dúvida algumas afirmações da jornalista Orla Guerin e acusou os principais meios de comunicação de estarem por trás de uma campanha liderada pelos Estados Unidos contra o seu governo.

Analisamos abaixo oito frases de Maduro, para checar se correspondem ou não à realidade.

1. "Temos problemas? Claro, mas a Venezuela não é um país de fome. Tem altos níveis de nutrientes e acesso à alimentação"

A crise econômica da Venezuela tem provocado dificuldade de acesso a produtos básicos, inclusive a alimentos. Ainda que seja possível encontrar ovos, frango e presunto, por causa da inflação, os altos preços e a perda do poder aquisitivo dos venezuelanos fazem com que muitos tenham dificuldade para comprar esses produtos.

Parte da população, portanto, passa fome atualmente. Segundo dados da última Pesquisa sobre Condições de Vida, realizada por várias universidades da Venezuela, em 2017, 64% dos venezuelanos haviam perdido aproximadamente 11 kg de peso em um ano.

Além disso, 8,2 milhões de venezuelanos - cerca de 30% da população - ingeriram em 2017 duas ou menos porções de comida por dia, e de baixa qualidade nutricional.

O governo assegura que tem protegido seis milhões de famílias com a venda mensal, a preço subsidiado, de uma caixa com produtos básicos, como farinha, azeite, massa e arroz.

Mas, afinal de contas, há ou não fome sistêmica na Venezuela?

Existem três parâmetros para falar de fome: que ao menos 20% dos lares sofram com escassez severa; que a desnutrição alcance mais de 30% da população; ou que, por dia, morram duas pessoas a cada 10 mil em decorrência de falta de alimentação.

De acordo com Susana Raffalli, nutricionista especializada em gestão de segurança alimentar em emergências humanitárias e desastres naturais, a Venezuela está numa situação grave, mas ainda não se encontra em estado de fome.

2. "Nós temos números oficiais e não passam de 800 mil os venezuelanos que saíram nos últimos anos buscando alternativas"

Uma das frases mais controversas de Maduro na entrevista foi a referência à cifra de venezuelanos que deixaram o país devido à crise.

Enquanto ele fala em 800 mil, organismos internacionais, como as Nações Unidas, mencionam números muito superiores.

Segundo a Agência de Migração da ONU, cerca de 2,3 milhões de venezuelanos abandonaram o país nos últimos anos, o que equivale a 7% da população.

A maioria elegeu como destino os Estados Unidos e países da América Latina que falam espanhol, sobretudo a Colômbia.

Ainda que alguns venezuelanos tenham voltado à Venezuela por não encontrar oportunidades ou por sofrer discriminação em outras nações, a grande maioria continua no exterior. Alguns, inclusive, contam histórias de sucesso e de abertura de negócios nos países de acolhida.

3."É preciso levar em conta a guerra econômica e a perseguição financeira a que estamos sendo submetidos. Perseguiram cada conta que tínhamos e isso impactou a realidade econômica"

Maduro e seu governo sempre atribuíram a crise da Venezuela a uma "guerra econômica" liderada pelos Estados Unidos contra o país.

As sanções econômicas impostas pelos EUA à Venezuela passaram do congelamento de bens de pessoas ligadas ao governo venezuelano a medidas que, de fato, impactaram as finanças do país latino-americano, que é altamente dependente da exportação de petróleo.

Mas a crise na Venezuela começou muito antes dessas sanções. Em 2013, o preço internacional do petróleo caiu, reduzindo as receitas do país. Mas problemas de gestão também ficaram evidentes já que o próprio volume de produção do petróleo venezuelano vinha diminuindo.

O dinheiro que a Venezuela obtinha com a venda de petróleo ao exterior era usado para importação de produtos básicos em quantidade suficiente para abastecer o mercado interno.

Com a queda na receita, as importações se reduziram. As recentes sanções dos Estados Unidos à indústria petrolífera venezuelana são um golpe adicional às finanças do governo.

"Agora, o chavismo pode dizer, com mais razão, que a crise econômica é produto da pressão dos Estados Unidos", disse à BBC Mundo Geoff Ramsey, analista do Centro de Estudos de Washington sobre América Latina.

O chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, afirmou que o impacto das sanções americanas é de US$ 30 milhões.

4. "Nenhum país do mundo aguentaria uma inflação de 1.000.000%"

Maduro rebate a estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que a inflação da Venezuela alcançou 1.000.000% em um ano. Para o presidente venezuelano, o FMI está sempre ao lado de políticas neoliberais que "favorecem o capital em detrimento do social".

Faz anos que o governo deixou de publicar dados oficiais sobre inflação, calcanhar de Aquiles histórico da economia venezuelana que disparou com a chegada de Maduro ao poder, em 2013.

A Venezuela vive um processo hiperinflacionário (termo usado quando o aumento mensal de preços alcança 50%) que alguns consideram como um dos piores do mundo desde a Segunda Guerra Mundial.

Às vezes, um mesmo produto sofre aumento de preço de um dia para o outro. O governo assegura que é uma inflação induzida por um ataque estrangeiro à moeda nacional, o bolívar. Em agosto do ano passado, Maduro respondeu cortando cinco zeros do bolívar.

Segundo a Assembleia Nacional (o congresso nacional venezuelano), controlada pela oposição, em janeiro, a inflação na Venezuela foi de 191%.

5. "Ganhamos 23 eleições de 25. É preciso se perguntar por que os esquemas mentais que vocês trazem do norte não funcionam na Venezuela"

Maduro tem razão. Desde que Hugo Chávez se alçou ao poder em 1999, dando início à chamada revolução bolivariana na Venezuela, o chavismo venceu 23 das 25 eleições ocorridas no país.

Muitos desses triunfos ocorreram em meio ao boom do petróleo (alta no preço das commodities, inclusive petróleo e gás), que Chávez soube usar a seu favor na política.

As únicas derrotas do chavismo foram no referendo por reformas à Constituição de 2007 e nas eleições legislativas de 2015, que deram à oposição maioria na Assembleia Nacional.

No entanto, a oposição contestou muitas dessas vitórias eleitorais, sobretudo as últimas.

Chegou, inclusive, a boicotar a eleição presidencial de maio de 2018 por entender que as condições não eram justas, já que os principais líderes de oposição com chance de vitória foram presos ou impedidos de concorrer por decisão judicial.

Maduro venceu a eleição, mas não foi reconhecido pela Assembleia Nacional, o que impulsionou a atual crise institucional e política.

6. "Não são 50 (países que reconhecem a presidência de Juan Guaidó). É uma dezena de governos, não de países, que estão alinhados com a política de Donald Trump"

A jornalista da BBC Orla Guerin perguntou a Maduro sobre os 50 países que reconheceram o líder da oposição, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. Maduro replicou dizendo que não são 50, mas sim uma "dezena".

Mas a realidade é que o número total de países que reconheceram Guaidó se aproxima mais da cifra mencionada por Guerin. De acordo com o último levantamento da BBC, mais de 40 nações, entre as quais o Brasil, declararam apoio ao líder da oposição.

7. "Jamais houve nem haverá repressão"

Maduro negou que o Exército vá disparar contra voluntários que eventualmente tentem entrar no país com a ajuda humanitária que a oposição e os Estados Unidos deixaram nas fronteiras da Venezuela com Colômbia e Brasil.

Guerin perguntou também sobre a denúncia das Nações Unidas de que ao menos 40 pessoas morreram em protestos recentes, sendo pelo menos 26 vítimas das forças de segurança venezuelanas.

"Só um grupo pequeno de delinquentes que saíram às ruas e foram flagrados em seus atos de violência", respondeu o presidente venezuelano.

A cifra de 26 mortos foi apresentada pelas Nações Unidas em 29 de janeiro. "Pelo menos 26 pessoas morreram supostamente após serem atingidas por disparos das forças de segurança ou de membros de grupos armados pró-governo durante as manifestações que ocorreram entre 22 e 25 de janeiro", disse Rupert Colville, porta-voz do escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

A ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, alta-comissária da ONU, pediu uma investigação independente para apurar se houve uso excessivo da força.

Várias famílias, principalmente de áreas pobres, também denunciam assassinatos extrajudiciais por parte das forças de segurança do Estado. Essas acusações não são novas. Nos quatro meses de protestos de 2017, estima-se que morreram cerca de 120 pessoas, a maioria nas mãos da Guarda Nacional Bolivariana.

Alguns desses casos foram registrados em fotografias e filmagens veiculadas na televisão. O governo garante que abriu investigações.

Em fevereiro do ano passado, a corregedora da Corte Penal Internacional, Fatou Bensouda, decidiu abrir um "exame preliminar" sobre a situação na Venezuela para avaliar "se os presentes crimes estão no âmbito de competência da Corte Penal Internacional".

8. "Pode me dizer quanto custa 1 kg de queijo na Venezuela?"

Orla Guerin encerrou sua entrevista com Maduro com uma pergunta sobre a vida cotidiana: "Qual o preço de um 1 kg de queijo?".

O presidente venezuelano disse que havia vários preços. Guerin retrucou que custa um salário mínimo - atualmente 18 mil bolívares.

De fato, na Venezuela, os preços variam conforme a região e de acordo com os diferentes tipos de queijo do país, uma das principais riquezas gastronômicas de lá.

Mas, como disse Guerin, efetivamente 1 kg de queijo do tipo mais comum custa em torno de 18 mil bolívares em Caracas, capital da Venezuela.

Perguntamos a colaboradores da BBC Mundo qual o preço em outras partes do país. Em Puerto Ordaz, no leste, o preço varia entre 17.000 e 23.000 bolívares. Em Valencia, no centro-oeste, pode ser comprado a 11.500 bolívares. Em Maracaibo, no oeste, custa entre 12.000 e 18.000.