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Como será a vida no Afeganistão sob controle do Talebã?

Diante do avanço do Taleban no Afeganistão, famílias se refugiaram em outras cidades - WAKIL KOHSAR / AFP
Diante do avanço do Taleban no Afeganistão, famílias se refugiaram em outras cidades Imagem: WAKIL KOHSAR / AFP

John Simpson - Editor de Notícias Internacionais da BBC

15/08/2021 16h42

Que tipo de nação será o Afeganistão depois de 2021?, John Simpson, ex-correspondente no país e editor de notícias internacionais da BBC, analisa a questão.

"Graças a Deus vocês vieram", gritou um homem idoso quando eu e meus colegas jornalistas entramos em Cabul em 14 de novembro de 2001, lutando para abrir caminho na multidão alegre.

As forças anti-Talebã da Aliança do Norte do Afeganistão, que tinham o apoio dos Estados Unidos e de outros países ocidentais, haviam cercado a cidade e o Talebã havia fugido.

Cinco anos da mais extrema ditadura religiosa dos últimos tempos tinham acabado.

Sob o Talebã, o Afeganistão havia se tornado um buraco negro no qual todos os tipos de extremismo podiam prosperar.

Apenas dois meses antes, Osama Bin Laden e seu grupo extremista Al-Qaeda havia orquestrado os ataques de 11 de setembro em Nova York e Washington.

Na época não me passava pela cabeça que o Talebã pudesse voltar a dominar o país.

Agora que o grupo extremista reconquistou praticamente o país todo, todo mundo está tentando entender os motivos disso ter acontecido. Não é difícil.

Os governos dos dois presidentes pós-Talebã, Hamid Karzai e Ashraf Ghani, foram eleitos democraticamente, mas nunca foram fortes, e a corrupção era o sistema que funcionava melhor.

No entanto, o presidente Ghani ainda estaria em seu palácio e o exército estaria circulando em seus caros veículos ocidentais, se Donald Trump não tivesse decidido que precisava de um sucesso de política externa antes das eleições de 2020.

A estratégia foi começar o encerramento de uma guerra de longa duração, da qual os americanos já estavam cansados.

Vários políticos e jornalistas afegãos que conheço ficaram horrorizados com a conclusão das negociações dos EUA com a liderança política do Talebã em Doha em fevereiro de 2020. E ainda mais quando o novo presidente democrata, Joe Biden, deixou claro que iria cumprir o acordo.

Me disseram que, por mais moderados e pacíficos que os líderes em Doha pudessem prometer ser, os combatentes do Talebã não sentiriam nenhuma obrigação de seguir o que foi acordado.

Logo depois das tropas americanas, britânicas e ocidentais começarem a se retirar, os combatentes do Talebã em todo o Afeganistão começaram a atuar. Relatos de prisioneiros sendo executados geraram uma atmosfera de pânico cego em uma cidade após a outra, até que a própria Cabul sucumbiu e oficiais e soldados lutavam para deixar o país através do aeroporto.

Talvez o Talebã cumpra os termos do acordo e siga as promessas que tem feito para acalmar os ânimos, prometendo não se vingar de ninguém e apelando à polícia, aos militares e aos servidores públicos para que permaneçam no cargo.

Eles podem achar que é mais seguro não provocar o Ocidente e levar a uma segunda intervenção.

Mas que tipo de país será o Afeganistão controlado pelo Talebã desta vez?

A única referência que temos é o período de cinco anos a partir de 1996, quando (em questão de poucos dias - é assim que essas coisas acontecem no Afeganistão) o Talibã expulsou o governo mujahidin moderado controlado por Ahmad Shah Massoud.

Passei muito tempo no Afeganistão durante o período em que o Talebã estava no poder e foi uma experiência profundamente assustadora.

A Sharia (lei religiosa) em suas formas mais violentas estava em vigor no país todo. Execuções públicas, apedrejamentos e chicotadas eram comuns.

Gangues paramilitares circulavam nas ruas, atacando homens que mostravam os tornozelos ou usavam qualquer tipo de roupa ocidental.

As mulheres só se aventuravam a sair se tivessem permissão por escrito dos homens e, é claro, tinham que usar a burca, que as cobria completamente.

O ministro da saúde do Talebã, Mullah Balouch, reclamou para mim que a Cruz Vermelha Internacional recusou seu pedido de fornecer cirurgiões para cortar mãos e pés de ladrões condenados, então ele teve que fazer o trabalho pessoalmente; embora ele parecesse gostar bastante.

Trabalhar para a televisão era um pesadelo, porque registrar a imagem de qualquer ser vivo era expressamente proibido por motivos religiosos.

As livrarias eram regularmente revistadas em busca de ilustrações e qualquer livreiro culpado era açoitado.

Quando o regime começou, a maioria das pessoas fugiu da cidade e a maioria das lojas foram fechadas.

O Talebã não podia pagar para importar petróleo, então as luzes mais fortes à noite eram as velas que as pessoas colocavam em suas janelas, e o barulho mais alto eram os latidos de matilhas de cães abandonados por seus donos nas ruas.

Depois do Talebã ter sido tirado do poder, no início dos anos 2000, a vida comercial floresceu em Cabul e em outras cidades, apesar de todos os fracassos dos sucessivos governos afegãos e de seus apoiadores ocidentais.

O padrão de vida melhorou, carros lotavam as ruas antes vazias. As escolas floresceram, especialmente para as meninas. Sob o Talebã, a educação de meninas era expressamente proibida. A música, também banida pelo Talebã, explodiu em todos os lugares.

Hoje existem novos edifícios em todos os lugares e não se sabe o que vai acontecer com eles.

A última vez que estive no país não consegui nem encontrar o lugar por onde eu e meus colegas da BBC entramos na cidade em 2001; toda a área foi reconstruída.

A maioria dos afegãos deve considerar a recente vitória do Talebã uma catástrofe para eles e para seu país.

A principal questão agora é se o Talebã seguirá seus instintos e levará o Afeganistão de volta ao passado tão radicalmente quanto antes da libertação, há 20 anos? Ou será que eles aprenderam uma lição?

Em pronunciamentos após a tomada de Cabul, o Talebã disse que "não haverá vingança" contra os cidadãos e que as propriedades não serão confiscadas.

Os extremistas também afirmaram que as mulheres poderão estudar, mas terão que usar a burca.


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