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Argentina anuncia volta ao 'lockdown' para conter avanço da pandemia

Mulher caminha em uma Plaza de Mayo vazia durante quarentena em Buenos Aires, na Argentina, por causa do coronavírus - Mariano Gabriel Sanchez/Anadolu Agency via Getty Images
Mulher caminha em uma Plaza de Mayo vazia durante quarentena em Buenos Aires, na Argentina, por causa do coronavírus Imagem: Mariano Gabriel Sanchez/Anadolu Agency via Getty Images

De Márcio Resende

Em Buenos Aires (Argentina)

26/06/2020 08h20

Mesmo com uma quantidade relativamente baixa de mortes (1.150 em 44 milhões), o governo argentino vai anunciar hoje um endurecimento da sua quarentena, mas pairam dúvidas sobre qual será a reação de uma sociedade com esgotamento social depois de 100 dias do confinamento mais rígido da região.

O anúncio estava previsto para a noite de ontem mas para fazer os últimos ajustes, o governo decidiu adiar para o começo da tarde de hoje.

Por observar o que acontece nos países vizinhos e a relação de contágios com o número de leitos disponíveis, o governo argentino resolveu endurecer as restrições, antes que o sistema de saúde entre em colapso. Atualmente, o nível de ocupação das UTIs é de 54% na região metropolitana de Buenos Aires, onde se concentram 90% dos contágios diários. Embora seja um nível de ocupação relativamente baixo, as autoridades sanitárias calculam que, com a atual multiplicação dos casos (duas mil pessoas por dia), o sistema não possa absorver a demanda em quatro semanas.

As novas medidas, que significam voltar à primeira fase, devem ter vigência entre os dias 1 e 17 de julho, completando 120 dias de confinamento. Ao lado do Peru e da Colômbia, é a quarentena mais prolongada do mundo, mas a mais rígida na prática.

Último esforço

O governo deve intitular a nova extensão de "o último esforço" para convencer uma sociedade já esgotada, mas há dúvidas se o esforço vai mesmo terminar depois disso. Serão medidas para conter a circulação de pessoas. Cerca de 29 milhões de argentinos vivem em regiões do interior, onde há distanciamento social. Porém, 15 milhões vivem nos grandes centros urbanos, principalmente na área metropolitana de Buenos Aires, onde rege o isolamento social.

Nessa área, a mais rica do país em produção e em consumo, somente o comércio essencial, como supermercados e farmácias, ficará aberto. Haverá fortes restrições nos transportes públicos que ficarão apenas para os trabalhadores essenciais. As atividades físicas, permitidas à noite, devem ficar proibidas. E para dar algum tempo à readaptação das pessoas, as medidas devem entrar em vigor a partir de quarta-feira.

Risco de rebeldia

O grande temor do governo é que as pessoas não acatem as novas medidas, quando se esperava uma flexibilização. Para o governo, o esforço até aqui poderia ser perdido e ficaria em xeque a autoridade.

Desde o dia 20 de março, quando começou o "lockdown" argentino, o governo renova a quarentena a cada duas semanas. Enquanto isso, acumula-se uma crise econômica, maior do que em qualquer outro país da região. As lojas estão fechando para sempre e as empresas, falindo. Além disso, cresce o esgotamento e a ansiedade.

Segundo um estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, o confinamento afeta a saúde mental de 80,3% dos argentinos. Ou seja: 8 em cada 10 argentinos estão com o estado de ânimo afetado pela quarentena.

A Argentina no contexto sul-americano

Na região, a curva de contágio está subindo e deve atingir o seu auge neste mês de julho. Se a região teve a vantagem do exemplo europeu e adotou medidas de restrições logo nos primeiros casos, também teve a desvantagem de quarentenas que se estendem no horizonte.

Quer por esgotamento social, quer por necessidade de financeira, quer por falta de estrutura hospitalar, as quarentenas na vizinhança não estão sendo respeitadas. Os contágios multiplicam-se à medida que o inverno avança.

Na Bolívia, o problema é a falta de infraestrutura sanitária. O frágil sistema de saúde entrou em colapso. Vários hospitais deixaram de atender por falta de leitos ou por falta de material médico. Na Colômbia, a quarentena foi estendida até o dia 15 de julho, mas não há rigor no cumprimento e o governo promete uma flexibilização maior a partir de meados do mês.

No Chile, apenas 35% dos moradores da zona metropolitana de Santiago, onde vivem 42% da população, acatam o confinamento. O governo elevou as multas na tentativa de aumentar o nível de adesão social, mas o que aumentou foi o nível de saturação nos hospitais.

O Peru continua numa quarentena que deve ser estendida nas próximas horas, mas a necessidade social, com mais de 70% de trabalhadores informais, fez com que as restrições, que incluem toque de recolher, sejam um fracasso. O Uruguai, país de maior sucesso na região, chegou a ter vários dias sem nenhum caso e apenas 15 doentes, mas, quando o país estava perto de anunciar o fim do vírus, houve um novo surto.