A "ameaça iraniana" é principalmente uma obsessão ocidental
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Atta Kenare/AFP
O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, participa de coletiva de imprensa em Teerã, no Irã
O jornal “The Wall Street Journal”, em sua reportagem sobre o último debate da campanha presidencial sobre política externa, observou que “o único país mais mencionado (que Israel) foi o Irã, considerado a maior ameaça à segurança da região pela maior parte das nações no Oriente Médio”.
Os dois candidatos concordaram que o Irã com armas nucleares é a maior ameaça à região, se não ao mundo, como alegou Romney explicitamente, reiterando uma opinião convencional.
Quanto a Israel, os candidatos competiram em suas declarações de devoção ao país, mas as autoridades israelenses ainda assim não ficaram satisfeitas. Elas “esperavam um linguajar mais ‘agressivo’ por parte de Romney”, de acordo com os repórteres. Não foi suficiente Romney exigir que o Irã não tivesse permissão para “alcançar o ponto de capacidade nuclear”.
Os árabes também ficaram insatisfeitos, porque os temores árabes sobre o Irã foram “debatidos pelas lentes de segurança israelense em vez da segurança da região”, enquanto as preocupações árabes foram amplamente ignoradas – novamente, o tratamento convencional.
O artigo do jornal, como inúmeros outros sobre Irã, deixa perguntas críticas sem resposta, entre elas: quem exatamente vê o Irã como a mais grave ameaça de segurança? E o que os árabes (e a maior parte do mundo) acha que pode ser feito sobre a ameaça, se assim for?
A primeira pergunta é facilmente respondida. A “ameaça iraniana” é principalmente uma obsessão ocidental, partilhada por ditadores árabes, mas não pelas populações árabes.
Como inúmeras pesquisas mostraram, apesar de cidadãos dos países árabes em geral não gostarem do Irã, eles não o veem o como uma ameaça muito séria. Em vez disso, percebem como ameaça Israel e os Estados Unidos; e muitos, até maiorias consideráveis, veem nas armas nucleares iranianas uma forma de combater essas ameaças.
Em altos escalões nos EUA, há quem concorde com a percepção das populações árabes, entre eles o general Lee Butler, ex-diretor do Comando Estratégico. Em 1998, ele disse: “É perigoso ao extremo que, no caldeirão de animosidades que chamamos de Oriente Médio”, uma nação, Israel, tenha um poderoso arsenal de armas nucleares que “inspira outras nações a fazerem igual”.
Ainda mais perigosa é a estratégia de dissuasão nuclear da qual Butler foi importante formulador por muitos anos. Tal estratégia, ele escreveu em 2002, é “uma fórmula para uma catástrofe absoluta”, e ele exortou os EUA e outras potências nucleares a abraçarem seu compromisso sob o NPT (Tratado de Não Proliferação Nuclear) de fazer “esforços de boa fé” para eliminar a praga das armas nucleares.
As nações têm uma obrigação legal de desempenhar seriamente tais esforços, determinou a Corte Mundial em 1996: “Existe uma obrigação de buscar de boa fé concluir as negociações que levem ao desarmamento nuclear em todos seus aspectos, sob controle internacional estrito e efetivo”. Em 2002, o governo de George W. Bush declarou que os Estados Unidos não estavam submetidos à obrigação.
Uma grande maioria do mundo parece compartilhar as opiniões árabes sobre a ameaça iraniana. O NAM (Movimento Não Alinhado) apoiou fortemente o direito do Irã de enriquecer o urânio, mais recentemente em sua reunião de cúpula em Teerã em agosto.
A Índia, o membro mais populoso do NAM, encontrou formas de evadir as onerosas sanções financeiras dos EUA ao Irã. Os planos continuam para ligar o porto iraniano de Chabahar, reformado com a assistência indiana, à Ásia Central pelo Afeganistão. As relações comerciais também parecem estar aumentando. Se não fosse pelas fortes pressões norte-americanas, essas relações naturais provavelmente melhorariam substancialmente.
A China, que tem status de observadora no NAM, está fazendo o mesmo. Ela está expandindo os projetos de desenvolvimento para o Oeste, incluindo iniciativas para reconstituir a antiga Rota da Seda da China para a Europa. Uma linha de trem de alta velocidade conecta a China ao Cazaquistão e além. A linha presumivelmente chegará ao Turcomenistão, com seus ricos recursos de energia, e provavelmente vai se ligar ao Irã e estender-se para a Turquia e Europa.
A China também assumiu o importante porto de Gwadar, no Paquistão, permitindo que obtenha petróleo do Oriente Médio enquanto evita os estreitos de Hormuz e Malaca, que estão atravancados pelo tráfego e são controlados pelos EUA.
A imprensa paquistanesa informa que “as importações de petróleo cru do Irã, Estados do Golfo Árabe e da África podem ser transportadas por terra para o noroeste da China pelo porto”.
Em sua reunião de cúpula em Teerã em agosto, o NAM reiterou a proposta antiga de mitigar ou pôr fim à ameaça de armas nucleares no Oriente Médio estabelecendo uma zona livre de armas de destruição em massa. Medidas nessa direção claramente são a mais direta e menos onerosa forma de superar as ameaças. Elas têm o apoio de quase todo o mundo.
Uma bela oportunidade para avançar tais medidas surgiu no mês passado, quando foi planejada uma conferência internacional sobre a questão em Helsinki.
A conferência ocorreu, mas não da forma planejada. Somente organizações não governamentais participaram da conferência alternativa, sediada pela União de Paz da Finlândia. A conferência internacional foi cancelada por Washington em novembro, pouco depois que o Irã concordou em participar.
A razão oficial do governo Obama foi “conflitos políticos na região e a postura desafiadora do Irã em relação a não proliferação”, segundo a Associated Press, além de uma falta de consenso “sobre como abordar a conferência”. Essa razão é uma referência ao fato que a única potência nuclear da região, Israel, recusou-se a participar, chamando o convite de “coerção”.
Aparentemente, o governo Obama está se atendo à sua posição anterior que dizia que “as condições não são boas a não ser que todos os membros da região participem”. Os Estados Unidos não vão permitir medidas para submeter as instalações nucleares de Israel à inspeção internacional. Nem vão divulgar informações sobre “a natureza e a magnitude das instalações e das atividades nucleares israelenses”.
A agência de notícias do Kuwait informou que “o grupo de Estados árabes e de membros do Movimento Não Alinhado concordaram em continuar a fazer lobby por uma conferência para estabelecer uma zona livre de armas nucleares e de todas as outras armas de destruição em massa no Oriente Médio”.
No mês passado, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução que exorta Israel a ingressar no NPT por 174 votos a seis. Votaram contra os de sempre: Israel, EUA, Canadá, Ilhas Marshall, Micronésia e Palau. Poucos dias depois, os EUA executaram um teste de armas nucleares, novamente banindo inspetores internacionais do local do teste em Nevada. O Irã protestou, como o prefeito de Hiroshima e alguns grupos pacifistas do Japão.
Estabelecer uma zona livre de armas nucleares exige, é claro, a cooperação das potências nucleares: no Oriente Médio, isso incluiria os EUA e Israel, que se recusam. O mesmo é verdade em toda parte. Tais zonas na África e no Pacífico esperam implementação porque os EUA insistem em manter e atualizar suas bases de armas nucleares nas ilhas que controlam.
Enquanto ocorria a reunião da ONGs em Helsinki, houve um jantar em Nova York sob os auspícios do Instituto de Washington para Política do Oriente Próximo, um braço do lobby israelense.
De acordo com um informe entusiasmado sobre a noite de “gala” na imprensa israelense, Dennis Ross, Elliott Abrams e outros “altos assessores de Obama e Bush garantiram ao público que “o presidente vai atacar (o Irã) se a diplomacia não der certo”- um presente de férias muito simpático.
Os americanos mal têm consciência de que a diplomacia fracassou novamente, por uma simples razão: quase nada é informado nos EUA sobre o destino da forma mais evidente de lidar com “a mais grave ameaça”, ou seja, estabelecer uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio.
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Veja Álbum de fotosNoam Chomsky
Noam Chomsky é um dos mais importantes linguistas do século 20 e escreve sobre questões internacionais.