Dados do BC indicam fraude com 'bets' e beneficiários do Bolsa Família
O Banco Central fez um estudo (de apenas quatro páginas) sobre o fluxo de dinheiro enviado por apostadores para empresas de jogos online, as chamadas bets. Na divulgação, ganharam destaque três informações:
1- Cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família apostaram em 56 empresas de jogos em agosto fazendo transferências via Pix;
2- Somados, esses cinco milhões de beneficiários gastaram R$ 3 bilhões em apostas durante apenas um mês;
3- A mediana das apostas foi de R$ 100. Traduzindo: metade dos apostadores jogou até R$ 100, no máximo. A outra metade apostou mais do que isso.
O Banco Central não diz isso, mas os números que seu estudo apresentou são um forte indício de fraude. Ao se dividir o valor gasto pelo número de beneficiários-jogadores, chega-se a um valor escalafobético: R$ 600 de valor médio para as apostas dos beneficiários do Bolsa Família. O valor médio pago mensalmente aos beneficiários é R$ 684. A estranheza não fica por aí.
A repórter Amanda Rossi, do UOL, notou que essa média seis vezes maior do que a mediana - R$ 600 versus R$ 100 - é sinal de que a distribuição dessas apostas não é normal. Ao contrário, é muito anormal. Não é a tradicional curva em forma de sino das distribuições normais. Está mais para a imagem de uma cobra que engasgou engolindo um elefante: um montão perto da cabeça e uma cauda muito longa e muito fina.
A diferença de seis vezes entre média e mediana implica necessariamente uma distribuição muito desigual dos valores das apostas dos beneficiários do Bolsa Família: milhões de pessoas apostando até R$ 100, e poucas apostando centenas de milhares de reais - ou seja, valores incompatíveis com a sua renda.
A repórter Amanda Rossi percebeu isso e pediu mais informações ao Banco Central. Pediu também que a instituição detalhasse a metodologia do tal estudo. A resposta foi que não haveria resposta:
"As informações disponíveis são as que estão na nota técnica: análise técnica sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores". Só isso.
Tem algo que o Banco Central não está contando: que uma porcentagem ínfima de beneficiários aposta muito mais do que teria capacidade financeira de apostar.
Como demostrar o indício de fraude? Com uma conta relativamente simples e algumas hipóteses.
Hipótese 1: Metade dos cinco milhões de apostadores que são beneficiários do Bolsa Família, ou seja, R$ 2,5 milhões de pessoas, apostou R$ 100. Ou seja, R$ 250 milhões no total.
Hipótese 2: Da outra metade, 2.499.000 apostaram R$ 680. Ou seja, R$ 1,699 bilhão no total.
Isso implica que 4.999.000 beneficiários do Bolsa Família apostaram, juntos, R$ 1,949 bilhão. Faltam, portanto, R$ 1,051 bilhão do total de R$ 3 bilhões que o Banco Central diz que cinco milhões de beneficiários apostaram. Esse valor teria que ter sido jogado pelos mil beneficiários restantes.
Logo, por essas hipóteses, mil beneficiários do Bolsa Família apostaram, em média, cada um, a bagatela de R$ 1,051 milhão em apenas um mês. Fraude.
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