Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Propaganda eleitoral e liberdade de expressão no novo Código Eleitoral
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Recentemente, nessa coluna, o Professor Volgane Carvalho publicou instigante artigo, onde tratou - com densidade, apesar da brevidade - do debate acerca do controle da propaganda eleitoral e suas consequências para a democracia, sobretudo em face da iminente aprovação de um novo Código Eleitoral. Em brilhante conclusão, depois de constatar uma espécie de perversão freudiana no discurso crítico aos defensores da liberalização, encerrou seu texto perguntando se: "a liberalização total da propaganda eleitoral não serviria para excluir, ainda mais, grupos políticos invisibilizados como mulheres, indígenas, negros e membros da comunidade LGBTQIA+".
Como, faz muito tempo, sou um público defensor da máxima liberdade de propaganda eleitoral, como consequência direta de ser campo privilegiado de exercício do princípio constitucional (dotado de posição preferencial) da liberdade de expressão e da necessidade de políticas afirmativas para combater e eliminar a sub-representação dos "grupos políticos invisibilizados", me senti na obrigação de tecer algumas reflexões sobre o instigante tema. Diante do mesmo paradigma: teríamos algum tipo de perversão freudiana ou de discurso foucaultiano da inexistência de ideias vãs, sintetizado na expressão popular de que "a palavra tem poder"?
Tenho que afirmar que sim. Existe no Direito Eleitoral brasileiro, há muito tempo, uma perversão autoritária que, misturando o viés idealista do princípio da igualdade de oportunidades com a visão paternalista do eleitorado, produz um verdadeiro "fetiche" da igualdade de oportunidades, expressão feliz de Carlos Eduardo Frazão. E a expressão fetiche, aqui, é puramente freudiana, pois dota o objeto de uma importância transcendente - isto porque, "para a Psicanálise, o fetiche vai além da escolha do objeto em si, agregando uma determinada importância e significado que o sujeito atribui a este objeto".
Na visão que defendo ao lado de inúmeros outros estudiosos, no momento em que a legislação eleitoral resolveu objetivamente o problema da igualdade de oportunidades com a fixação de teto de gastos por cargo e disputa eleitoral, não há mais fundamento constitucional relevante para manter essa perversão proibitiva dos mais diversos instrumentos de propaganda eleitoral - sobretudo os que eram legais antes da infeliz Lei 11.300/2006, votada sob o impacto do escândalo do Mensalão, que proibiu outdoors, showmícios, brindes, propaganda em postes, pintura de muros, etc.
Sobretudo num mundo em que não se pode mais ignorar a força das redes sociais e da internet, onde enfrentamos propaganda dirigidas para perfis pessoais e produzidas com Inteligência Artificial e Big Data - customizadas para agradar a cada eleitor, sem compromisso com a efetiva proposta do candidato, como simbolizam os casos da Cambridge Analytica e do Brexit - mediante propagação de Fake News por bots e perfis falsos, dentre outros. Contra o monopólio do debate virtual (efetivamente perverso), propomos que a liberação das formas tradicionais de propaganda de rua, mobilizadoras fora do mundo virtual, é um importante mecanismo de pluralização e qualificação do debate. Quem vivenciou as primeiras eleições depois do fim da Ditadura Militar certamente lembra do que estou aqui a defender.
Por isso que, como instrumento de um avanço mínimo e necessário, ainda que tímido, defendemos que o novo Código Eleitoral se revela adequado e sua aprovação é essencial.
Atendida a exigência da igualdade jurídica entre os candidatos pelo teto de gastos, o avanço da democracia representativa brasileira, bem como a superação do espectro do autoritarismo iliberal que ainda paira no horizonte, exige respeito à máxima liberdade da expressão das ideias políticas por todos os instrumentos de comunicação e propaganda possíveis.
Indispensável entender, por derradeiro, que a propaganda eleitoral é mais direito do eleitor do que do candidato. Como há muito registra-se na bandeira de Minas Gerais: libertas quae sera tamen (liberdade, ainda que tardia) - sobretudo a de expressão.
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