Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vieses e os votos da direita: quando a amostra não representa o todo
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Uma série de fatores contribuiu para a discrepância das pesquisas no primeiro turno. O atraso na realização do censo, o que dificulta organizar os recortes sociodemográficos, e a definição cada vez mais tardia do voto, em sociedades nas quais a ligação com partidos se esvaiu, são, sem dúvida, questões que se somaram para o problema.
Mas, em geral, as pesquisas chegaram muito próximo da votação de candidatos de fora do campo bolsonarista. Os fatores listados acima, a princípio, tenderiam a afetar todos os resultados, não só os de um lado.
Tem-se dito, há algum tempo, que "as pesquisas não conseguem pegar o voto da direita". Mas como explicar essa seletividade do erro?
Quando pensamos em um erro sistemático, que sempre tende para um lado, estamos falando de um viés. No caso, o chamado viés de participação ou viés de não-resposta (non-response bias).
Qualquer pesquisa de opinião funciona com base no mesmo princípio: uma amostra, se for selecionada corretamente, pode ser extrapolada para representar o todo. Façamos uma comparação para entender.
Imaginemos uma caixa com milhares de pequenas bolinhas azuis e vermelhas, bem misturadas. Para saber qual a proporção entre elas, posso simplesmente contar todas. Essa é a eleição.
Mas posso também fechar os olhos e tirar de dentro algumas dezenas de bolinhas aleatoriamente. Se vejo que, de cinquenta bolinhas tiradas, tenho 10 vermelhas e 40 azuis, posso afirmar, com certa margem de erro e dentro de um determinado intervalo de confiança, que no resto da caixa essa proporção se mantém.
Até aí, tudo bem. É a ideia do exame de sangue. Para contar suas plaquetas, não é necessário tirar todo o sangue do corpo, já que se presume que qualquer amostra será representativa do todo.
Mas, e se as bolinhas azuis, por qualquer motivo, fugissem da minha mão quando eu tentasse pegá-las?
Esse é o viés de participação ou não-resposta.
Sempre houve uma pequena parcela das pessoas que, por pressa ou qualquer outro motivo, recusava-se a responder pesquisas de opinião. Enquanto esse percentual era baixo e, mais importante, não havia motivos para presumir que essas pessoas pensassem diferente das que respondiam às pesquisas, era possível ignorá-las e assumir que a amostra representava o todo.
Mas isso parece ter mudado nos últimos anos, especialmente com a ascensão de movimentos de direita que, sistematicamente, questionam a mídia tradicional. Nas democracias ocidentais, em geral, as empresas de pesquisas mantêm ligações com a imprensa, alimentando-as com notícias.
Se um grupo significativo de pessoas passa a demonizar esses canais, fatalmente acaba por duvidar das pesquisas por eles veiculadas e, por óbvio, recusa-se a contribuir para seus resultados. Basta lembrar que recentemente tivemos um episódio em que apoiadores de Bolsonaro hostilizaram entrevistadores do Datafolha. Alguma dúvida de que não responderam aos questionários?
Tem-se aí uma profecia autorrealizável.
Basta que um percentual razoável, mas enviesado (majoritariamente tendente a um candidato), recuse participar das pesquisas, para que sistematicamente esse candidato apareça nelas com intenção de votos menor do que a que a urna futuramente demonstrará ter.
Lembremos que, na média, Bolsonaro (e seus candidatos nos estados) cresceu entre 7% e 15% em relação ao que as últimas pesquisas mostravam.
Tirando de lado o voto útil - migrações de última hora de candidatos aparentemente sem chance -, essa diferença poderia ser explicada pelo viés de não-resposta.
O problema é que as empresas de pesquisa não produzem esse dado. Não sabemos quantas pessoas foram abordadas para que aquele entrevistador produzisse 20 questionários preenchidos. Se abordou 21 ou 22 pessoas, ótimo. Temos uma taxa pequena de não-resposta. Mas, se precisou chegar em 40 pessoas até convencer 20 a lhe responder, temos um problema sério.
Em meio às propostas mirabolantes, inconstitucionais e oportunistas que surgem, querendo criminalizar pesquisas e faturar eleitoralmente, melhor seria vermos como melhorar sua metodologia e lhes dar mais transparência. Uma sugestão seria obrigar as empresas a coletar o dado de não-resposta e publicá-lo com as demais informações.
Assim como margem de erro e intervalo de confiança são variáveis de incerteza que ajudam a posicionar aquele resultado, saber qual o percentual de pessoas que recusou responder pode trazer mais clareza aos números.
Uma coisa é dizer que o candidato A tem uma vantagem de 10% sobre o B. Outra é repetir esses números, afirmando que apenas 60% das pessoas abordadas aceitou participar da pesquisa.
Sem dúvida tomaríamos o resultado como algo mais incerto do que fazemos hoje, quando uma variável tão relevante fica ocultada, passando uma falsa sensação de precisão.
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