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Procuradoria diz que tentativa de obter joias indica crime de Bolsonaro

Colunista do UOL

27/04/2023 13h04Atualizada em 27/04/2023 18h50

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Procuradores do Ministério Público Federal responsáveis pela investigação do caso das joias dadas pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente Jair Bolsonaro identificaram os primeiros indícios de crimes no caso e apontaram que a destinação dos bens ao patrimônio pessoal de Bolsonaro poderia configurar desvio de recursos públicos, o crime de peculato.

É a primeira manifestação do MPF a respeito dos fatos investigados. O UOL teve acesso com exclusividade à investigação sigilosa aberta na Procuradoria da República de Guarulhos, que tramita de forma complementar à apuração da Polícia Federal de São Paulo.

A Procuradoria identificou indícios dos delitos de peculato (desvios de recursos públicos), com pena prevista de prisão de 2 a 12e anos, e do patrocínio de interesse privado perante a administração fazendária, com pena de reclusão de um a quatro anos;

As joias, avaliadas em R$ 16 milhões, foram trazidas ao Brasil em outubro de 2021 após uma viagem oficial do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, mas foram retidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos.

A Receita abriu prazo para o governo federal apresentar documentação para retirar os bens, mas esse processo se encerrou em julho de 2022. Com isso, foi decretado o "perdimento", ou seja, o material seria integrado ao patrimônio da União.

Em dezembro do ano passado, pouco antes do fim do governo, o Palácio do Planalto tentou retirar os bens, mas sem sucesso. Para o MPF, essa operação configurou uma tentativa do crime de peculato porque essas joias já constituíam patrimônio público.

"Importante ressaltar que a partir da decretação de perdimento dos bens, os bens passam a ter natureza eminentemente pública, descabendo qualquer destinação particular, ainda que ao acervo pessoal do presidente da República"
Ministério Público Federal

"Urgência desproporcional"

Ao analisar os indícios já colhidos, os investigadores avaliaram que o objetivo da retirada dos bens em dezembro era desviá-los para o patrimônio pessoal de Jair Bolsonaro.

O então ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid, fez um ofício à Receita Federal e enviou um assessor no dia 29 de dezembro ao Aeroporto de Guarulhos para tentar retirar o material, mas os auditores fiscais não permitiram. Também houve pressão do então chefe da Receita Federal Júlio César Vieira Gomes sobre os auditores para a liberação dos bens.

"As circunstâncias objetivas do caso sugerem uma possível tentativa de desvio das joias retidas para o patrimônio particular do ex-presidente da República, com possível patrocínio do ex-secretário especial da Receita Federal (Julio Cesar Vieira Gomes) perante a Administração Fazendária"
Procuradores Gabriela Saraiva e Alexandre Jabur em despacho sigiloso do mês passado no qual determinaram diligências para apuração do caso

Os procuradores dizem que Mauro Cid tentou dar aparência de legalidade à retirada dos bens.

"Nos dias 28 e 29 de dezembro do ano de 2022, praticamente um ano e dois meses após a retenção das mercadorias, apurou-se uma possível tentativa de desvio das joias para o acervo pessoal do ex-presidente da República, através de uma aparente 'roupagem formal', não concluído em razão da resistência dos servidores da autarquia fiscal em descumprir a normativa fiscal e o trâmite regular, apesar das não usuais e reiteradas abordagens do ex-secretário especial da Receita Federal"

A investigação indica ainda que o açodamento adotado no episódio reforça a suspeita da existência de crimes.

"A análise prefacial sugere a conclusão de que as circunstâncias objetivas que envolvem os fatos, somadas à urgência desproporcional imposta ao procedimento, denotam a presença de indícios do cometimento, em tese, de crimes, os quais devem ser mais bem apurados"

Auditores confirmaram pressões

Em seus depoimentos à PF, os auditores da Receita relataram estranhamento com as pressões do ex-chefe do órgão para a liberação dos bens no final do ano passado, que exigiu uma análise em 24 horas do ofício produzido por Mauro Cid.

Mário de Marco Rodrigues, por exemplo, delegado da alfândega da Receita em Guarulhos, disse aos investigadores que o pedido de liberação das joias "não era usual" e que isso foi discutido com outros integrantes do órgão, como o então superintendente José Roberto Mazarin e o adjunto Fabiano Coelho.

"Chegaram a fazer uma reunião on-line entre o depoente, Fabiano e Mazarin sobre o desconforto de todos em atender aquela ordem de forma açodada, sem tempo para uma análise criteriosa das formalidades, em uma situação nebulosa e aparentemente não republicana"
Mário de Marco Rodrigues, delegado da alfândega da Receita em Guarulhos

Fabiano Coelho disse à PF que "o entendimento de todos era que, como a destinação era o patrimônio público, não seria necessário aquele açodamento". Outro auditor, André Luiz Martins, destacou a "atipicidade" do pedido.

O entendimento adotado pelos auditores, entretanto, foi que o ajudante de ordens do Planalto não tinha prerrogativa legal para determinar a liberação das joias. "Foi observado que a autoridade que havia solicitado a incorporação não tinha a competência necessária para o ato", afirmou Martins. Por isso, os bens não foram liberados.

Outro lado

A defesa de Bolsonaro afirmou que não se manifestará sobre o assunto. No inquérito, seus advogados negaram irregularidades na atuação do ex-presidente. Bolsonaro afirmou em depoimento à PF que não partiu dele a decisão de retirar as joias "com urgência" no fim do ano da Alfândega do Aeroporto de Guarulhos e disse que não cobrou ninguém para a retirada das joias.

Mauro Cid disse à PF que foi o então secretário da Receita Federal quem lhe orientou sobre o procedimento para retirada das joias e, ao contrário do que afirmou Bolsonaro, disse que a operação foi realizaa após um pedido do próprio presidente da República.

A defesa de Mauro Cid rebateu, em nota, as afirmações do Ministério Público sobre uma "roupagem formal" do processo e disse que não cabia a ele definir se as joias iriam para o patrimônio pessoal de Bolsonaro ou ao acervo público do governo federal.

"Todo o processo foi documentado oficialmente para reavaliação, caso fosse necessário. Não houve nada escuso. Toda a tramitação foi feita às claras e pela via protocolar, com base no decreto nº 10.374, de 26 de maio de 2020, o qual diz que a Ajudância de Ordens é responsável pelo recebimento de presentes destinados ao presidente da República e posterior remessa ao GADH (Gabinete Adjunto de Documentação Histórica), órgão do gabinete pessoal, este sim, responsável por decidir o que será do acervo público ou do acervo privado do presidente da República", afirmou o advogado Rodrigo Roca.

Procurada, a defesa do ex-secretário da Receita disse que "jamais houve patrocínio de interesse privado". "É descabido que se fale na ocorrência de patrocínio de interesse privado. Quanto à urgência, cumpre esclarecer que ela se limitou à fase inicial do procedimento, mas isso não interferiu, em nenhuma medida, na necessidade de houvesse análise rigorosa do pedido. Tanto que, por razões técnicas, o pedido não foi atendido. Ou seja, a legalidade foi integralmente preservada", afirmou o advogado Conrado Gontijo.