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Reportagem

Mulher de Mourão e filha de Villas Bôas recebem de associação do Exército

A mulher do general e senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), uma filha e uma sobrinha do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, estão entre os parentes de militares na folha de pagamento de uma associação privada vinculada ao Exército, a Poupex.

A Poupex foi criada em 1982 para atuar no setor de financiamentos imobiliários para militares e é administrada pela FHE (Fundação Habitacional do Exército), órgão vinculado diretamente às Forças Armadas.

Sem transparência nem a obrigação de prestar informações públicas sobre sua lista de funcionários, a associação se tornou um cabide de emprego para parentes de militares. O UOL teve acesso, com exclusividade, a documentos internos que comprovam a contratação de parentes de militares de alta patente para trabalhar na associação.

O TCU (Tribunal de Contas da União) apontou, em um relatório de maio deste ano, "indícios contundentes" de nepotismo, com a identificação de 221 casos de parentesco entre contratados da Poupex e integrantes das Forças Armadas. O relatório foi revelado pelo jornal "Folha de S.Paulo" no último dia 21.

"Os dados analisados permitem concluir que se encontram presentes fortes indícios de que a existência de relação laboral com o Exército, com o MD (Ministério da Defesa) ou com as demais Forças ou de parentesco com membros do conselho de administração, da diretoria e com militares do Exército são fatores possivelmente relevantes para se determinar o êxito na tentativa de se conseguir emprego na Poupex. Neste contexto, aparentemente tem relevância o nível hierárquico ocupado pelo familiar nas Forças" Relatório do Tribunal de Contas da União

Procurada, a Poupex negou irregularidades, afirmou que os funcionários citados foram contratados por meio de processos seletivos e disse que, por ser uma empresa privada, não pode ser acusada de nepotismo (leia abaixo).

Esposa de senador-general

Na lista estão nomes como a esposa do general Hamilton Mourão (Republicanos-RS), atual senador e ex-vice-presidente, a filha e uma sobrinha do general Villas Bôas, ex-comandante do Exército, além de outros parentes de generais.

  • Casada com o general Hamilton Mourão, Ana Paula Leandro de Oliveira Mourão foi contratada em 2016 pela Poupex, conforme documentos internos. Ela ocupa a função de assessora especial:
  • Paula Mourão também fez carreira militar e se filiou ao Republicanos em 2022, quando Mourão decidiu concorrer ao Senado.
  • O próprio general Mourão também ocupou cargos vinculados à Poupex. Em 2016, ele foi nomeado como presidente do Conselho de Administração da FHE, órgão que administra a Poupex. Ficou no posto até fevereiro de 2018.
  • Os salários da Poupex não são públicos. Uma tabela interna da remuneração dos cargos, obtida pelo UOL, define que o posto de assessor especial tem remuneração básica de R$ 17 mil. Esse valor, entretanto, pode variar a depender de gratificações e remanejamentos.
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Cargos do ex-comandante

Ex-comandante do Exército entre 2015 e 2019, o general Eduardo Villas Bôas também tem parentes contemplados com cargos na Poupex.

  • Uma de suas filhas, Ticiana Haas Villas Bôas, foi contratada pela associação em 2017, conforme documentos internos. Na época, o general era comandante do Exército brasileiro.
  • Documentos da ficha funcional de Ticiana na Poupex identificam que ela tem o posto de analista júnior, cujo salário inicial previsto é de R$ 8 mil. Sua remuneração, entretanto, pode variar a depender de gratificações e penduricalhos.
  • A filha de Villas Bôas apareceu em relatórios da Polícia Federal sobre o telefone celular de Gabriela Cid, mulher do tenente-coronel Mauro Cid. Nos diálogos, Villas Bôas manifesta apoio a ações golpistas contra a posse do presidente Lula e faz críticas à vacina contra a covid-19.
  • Também uma sobrinha de Villas Bôas trabalha na Poupex. Marina Carvalho Villas Bôas entrou em 2016 e atua como analista júnior, de acordo com os documentos.
  • A FHE já repassou recursos para um instituto do general. De acordo com reportagem da "Folha de S.Paulo", a fundação repassou ao menos R$ 60 mil ao Instituto General Villas Bôas.
  • Villas Bôas se tornou conhecido na política nacional por causa de declarações com grande repercussão pública. Em 2018, às vésperas do julgamento de um habeas corpus no STF sobre a liberdade do presidente Lula, à época preso em Curitiba, o general fez uma publicação em rede social que foi vista como uma ameaça velada ao Supremo, citando "repúdio à impunidade". No fim do ano, o general publicou uma mensagem de apoio aos atos antidemocráticos nas unidades militares, que contestavam o resultado da eleição.
  • A folha de pessoal da Poupex inclui ainda outros parentes de militares menos famosos. Felipe e Paula Albuquerque de Miranda, por exemplo, são filhos do general Paulo César Souza de Miranda, que ocupou o posto de diretor administrativo da associação privada até abril deste ano.
  • O general Miranda chegou a comandar entre 2011 e 2014 o Centro de Controle Interno do Exército (CCIEx), órgão responsável pelos processos de governança de auditoria interna, e chefiou o Comitê de Ética da própria Poupex, apesar de ter filhos contratados pela empresa.

Empresa nega irregularidades

Procurada para comentar a contratação dos funcionários citados na reportagem, a Poupex negou irregularidades, defendeu a "capacidade técnica" dos parentes de militares e disse que não pode ser acusada de nepotismo por se tratar de uma entidade privada.

"A Associação de Poupança e Empréstimo - POUPEX, entidade supervisionada pelo Banco Central, é uma empresa privada que não recebe recursos públicos. Logo, a expressão nepotismo não se aplica. Todos os funcionários da instituição são contratados por meio de processo seletivo e têm capacidade técnica para ocupar os cargos que exercem. Os profissionais citados em seu e-mail estão na POUPEX, em média, há mais de 8 anos. A informação referente aos seus salários é protegida pela LGPD", afirmou, em nota da assessoria de comunicação.

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Questionado também sobre as contratações, o Exército não comentou e respondeu que a demanda deveria ser feita à assessoria de imprensa da Poupex.

Os argumentos da Poupex foram rebatidos pelo TCU na análise das contas da instituição. De acordo com a auditoria, a Poupex funciona como uma "intermediária da força de trabalho da FHE (Fundação Habitacional do Exército), fundação pública criada por lei e que se utiliza, em suas operações, de bens imóveis da União, e que não conta sequer com quadro de pessoal definido para o exercício de atividades operacionais".

De acordo com o TCU, a estrutura da FHE se confunde com a da Poupex com o objetivo de "evitar que a FHE tenha de realizar concursos públicos ou licitações, o que requer a adoção de medidas para evitar a continuidade dessas práticas irregulares".

A assessoria de Mourão não respondeu aos questionamentos sobre a contratação de sua mulher. Os citados também foram procurados por email e telefone, mas não retornaram aos contatos da reportagem.

Nota do editor: esta reportagem foi alterada na sexta (8/9), às 14h10, para a inclusão de trechos de mais trechos de relatório do TCU sobre o uso da Poupex para fazer a FHE evitar a realização de concurso público e licitações.

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