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Alberto Bombig

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Autoabraço sintetiza momento político de Doria

O ex-governador Joao Doria durante anúncio de sua desistência a pré-candidatura a presidente - Eduardo Knapp/Folhapress
O ex-governador Joao Doria durante anúncio de sua desistência a pré-candidatura a presidente Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Colunista do UOL

23/05/2022 15h03Atualizada em 23/05/2022 15h08

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Foi repleto de simbologia o ato de desistência de João Doria da pré-campanha para a Presidência da República, como quase tudo que envolve a vida pública do empresário até aqui, conhecido pelo gosto por ações de marketing e o arrojo na comunicação pública. Uma das imagens captadas pelos fotógrafos, no luxuoso comitê da pré-campanha de Doria, na zona oeste da capital paulista, exprime à perfeição a situação do ex-governador de São Paulo: o momento de seu autoabraço.

Seja porque essa foto sintetiza o isolamento dele dentro do PSDB e da chamada terceira via, seja porque, mesmo no ato final de sua pré-candidatura, Doria continuou sendo Doria, ou seja, um personagem autocentrado, focado demais em si mesmo e um tanto desatento ao jogo da política que se desenrola em sua volta.

Para além das articulações, traições e demais ardis da política miúda, é possível dizer que foram essas duas características, o autocentrismo (com traços ególatras, segundo alguns de seus aliados e adversários) e a desatenção para com a política (menosprezo, segundo alguns de seus aliados e adversários) as grandes responsáveis pelo fim da pré-candidatura Doria.

Quem conhece bem o ex-governador, entende que foi justamente sobre essas duas peculiaridades que ele pediu desculpas em seu pronunciamento desta segunda-feira (23). "Peço desculpas pelos meus erros. Se me excedi, foi por vontade de acertar. Se exagerei, foi pela pressa em fazer com perfeição. Se acelerei foi pela urgência que as ações públicas exigem", disse ele.

Doria começou a acelerar o processo de escolha da pré-candidatura tucana a presidente quando, ainda em 2021, antecipou as discussões sobre quem comandaria o PSDB neste ano eleitoral e colocou sobre a mesa a expulsão de Aécio Neves (MG) do partido. O momento era outro, com o Brasil ainda envolto por uma névoa macabra na pandemia da covid-19. Não era a hora.

Naquele mesmo início de 2021, Doria demorou para perceber que deveria ter colocado todo o peso político do Estado de São Paulo para eleger o deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) presidente da Câmara dos Deputados, o que imporia uma derrota a Arthur Lira (Progressistas-AL) e, consequentemente, a Jair Bolsonaro (PL) e criaria as condições ideais para a construção de uma terceira via consistente em torno do então governador de São Paulo.

Para muita gente graúda do chamada "centro político", foi na eleição da presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2021, que a possibilidade real da construção da terceira via em torno de Doria começou a morrer. Desde então, o ex-governador foi minguando de tamanho dentro do PSDB e do grupo de dirigentes partidários simpáticos aos tucanos.

No final de 2021, porém, Doria e seu grupo decidiram dobrar a aposta e exigir a realização das prévias do partido para a escolha do pré-candidato a presidente. Com a ajuda de Rodrigo Garcia (PSDB), seu vice à época, o então governador venceu a disputa, mas se transformou, automaticamente, no presidenciável de um partido desunido, fraturado, sem ideais claros e propostas concretas.

Não foram poucos os políticos, inclusive do PT, que disseram a Doria ao longo desse processo que a pré-candidatura dele a presidente estava se tornando inviável. Ainda assim, ele entrou neste eleitoral disposto a mantê-la a qualquer custo e chegou ao extremo de ameaçar permanecer no cargo de governador de São Paulo para forçar algum apoio explícito da direção nacional do PSDB.

O gesto extremo resultou em uma carta favorável a Doria, assinada por Bruno Araújo, o atual presidente do PSDB. Mas provocou um estresse enorme com Garcia e o grupo de dirigentes partidários formado em torno do atual governador, que inclui MDB, União Brasil e Cidadania, entre outros.

Naquele momento, ficou claro que a prioridade dessa aliança de centro era, na verdade, a pré-candidatura de Garcia à reeleição. Para isso, Doria deveria entregar a chave do Palácio dos Bandeirantes a seu vice, como acabou ocorrendo. Para muitos, o destino do ex-governador foi selado naquele 31 de março de 2022. De lá para cá, o que se viu foi um triste episódio de constrangimentos e uma longa agonia política daquele que, em 2016, conseguiu um dos mais expressivos resultados da história tucana: a vitória na eleição para Prefeitura de São Paulo, ainda em primeiro turno.

Entre outros, estava no palanque da comemoração (lotado) daquela vitória, em 2016, o então governador Geraldo Alckmin (ex-tucano, hoje no PSB), padrinho de Doria naquela campanha. Em 2018, durante uma reunião partidária, os dois discutiram seriamente, e Alckmin insinuou que Doria o havia traído na campanha presidencial daquele ano.
Colocadas lado a lado, as fotos da comemoração e a do autoabraço de Doria no ato de desistência desta segunda-feira podem ensinar muitas coisas sobre a política.