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Amaury Ribeiro Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Opinião: Santa Catarina, uma tragédia anunciada

29.11.2020 -- Pessoas lotam praias de Balneário Camboriú, sem máscara, durante a pandemia do novo coronavírus - Lucio Rila/Estadão Conteúdo
29.11.2020 -- Pessoas lotam praias de Balneário Camboriú, sem máscara, durante a pandemia do novo coronavírus Imagem: Lucio Rila/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

06/03/2021 04h00

O colapso da saúde em Santa Catarina, que obriga os pacientes com covid-19 a serem transferidos para outros estados, foi uma tragédia anunciada no último verão. Pressionado pelo meio empresarial e conservador, o governador Carlos Moisés (PSL), eleito como bolsonarista convicto, deu uma canetada que liberou o funcionamento de hotéis e praticamente todos os estabelecimentos comerciais. O Ministério Público tentou barrar a medida, mas acabou esbarrando na Justiça.

Seguindo a cartilha de seu mentor, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de que o povo deve sair às ruas mesmo com a falta de médico e enfermeiros, Moisés resolveu inclusive liberar as aulas presenciais nas escolas, medida que levou alunos, professores e funcionários a contrair a doença.

No fim de dezembro, este colunista presenciou a tragédia anunciada ao visitar Santa Catarina para conversar com uma fonte jornalística, após visitar familiares no Paraná. Na região litorânea, a cena era inacreditável no contexto de uma pandemia. As praias, as ruas, os bares e os restaurantes estavam abarrotados e as máscaras e o distanciamento social eram práticas totalmente em desuso.

Em uma das cidades, não tive coragem de sair do carro ao ver que não havia nenhum morador ou turista usando máscara. A proteção contra a covid-19 não era adotada nem mesmo em frente ao posto de saúde. "Pelo jeito, a pandemia não chegou a Santa Catarina", brincou comigo uma moradora. Na ocasião, o estado tinha um dos menores índices de contaminação do país.

As consequências chegaram logo depois do carnaval, quando os moradores passaram madrugadas em bares e praias. Segundo as estatísticas oficiais do governo do estado, de fevereiro até a última quarta-feira (3) 51 pessoas morreram devido à falta de leitos de UTI, elevando para quase 8 mil o número de mortes desde março do ano passado.

Imagens da tragédia de Santa Catarina, que mostram familiares das vítimas internadas orando em frente aos hospitais, viralizaram na internet, chocando o mundo. Para diminuir o impacto, o governo decretou uma medida que finge acreditar ser revolucionária: o lockdown de fim de semana. Até domingo (7), os estabelecimentos comerciais terão que fechar suas portas.

Só que os comerciantes e empresários do estado, os mesmos que pressionaram o governo a flexibilizar o combate à pandemia durante o verão, arrumaram um jeito de diminuir seus prejuízos ao estender o funcionamento do comércio até a meia-noite.

"Só se colocarmos o Exército na rua", disse o secretário de Saúde de Santa Catarina, André Motta Ribeiro, à imprensa ao tentar justificar a dificuldade de controlar o fluxo de pessoas. Em outras palavras, o secretário tenta isentar o governo de todo o colapso da saúde.

Em qualquer Parlamento sério do mundo, o governador já seria alvo de um processo de impeachment. Mas há um detalhe em Santa Catarina: a Assembleia Legislativa foi parceira do governo no processo que liberou o comércio no verão. Vale lembrar que a mesma Alesc livrou Carlos Moisés, que chegou a ficar um mês afastado do cargo, de um processo de impeachment em que ele foi acusado de conceder aumentos abusivos a servidores do estado.

Moisés conta ainda com a maioria absoluta dos eleitores, que garantiram a Bolsonaro uma vitória esmagadora no estado nas últimas eleições.

Para a grande maioria dos eleitores, parece que o dinheiro vale mais do que a vida humana. Na semana passada, enquanto em várias cidades houve um panelaço contra o presidente, em cidades como Balneário Camboriú, moradores gritavam "mito" nas sacadas de seus luxuosos apartamentos, em referência ao presidente.