Crime no Carrefour colocou o racismo nos debates das eleições de São Paulo
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Praticamente ausente dos debates entre os candidatos à prefeitura de São Paulo no primeiro turno dessas eleições, o tema racismo ganhou destaque neste curtíssimo segundo turno entre Bruno Covas, do PSDB, e Guilherme Boulos, do PSOL.
A repercussão das imagens do brutal assassinato de João Alberto Silveira Freitas na loja Carrefour de Porto Alegre causou, mais uma vez, um temporário espanto na sociedade brasileira, inclusive na imprensa.
O suficiente para que o tema da violência contra pessoas negras, cotidianamente denunciado pelos movimentos negros do país, fosse pautado em entrevistas e debates entre os prefeituráveis.
Diferente do presidente da República, do seu vice e do presidente da Fundação Palmares, responsável por políticas de valorização da cultura negra, que negaram o racismo no crime ocorrido no Carrefour, os candidatos paulistanos lamentaram o ocorrido e apontaram políticas públicas capazes de combater a repetição destes casos.
O atual prefeito e candidato à reeleição Bruno Covas prometeu, caso tenha um novo mandato, aumentar a presença de negros no alto escalão da gestão municipal.
Covas admitiu, inclusive, a existência de apenas uma pessoa negra em seu atual time de auxiliares diretos: a superintendente da Guarda Civil Metropolitana (GCM), inspetora Elza Paulina de Souza.
O candidato do PSOL destacou a necessidade de ter, na escola de formação dos guardas municipais, aulas de enfrentamento ao racismo dentro de um curso geral de direitos humanos.
Boulos promete fazer de São Paulo uma cidade antirracista. Entre as propostas estão ações na Educação e a recriação da Secretaria de Promoção da Igualdade, extinta na gestão do ex-prefeito Dória.
Nesta semana em que o combate ao racismo esteve em evidência, Bruno Covas associou o decreto municipal, de setembro deste ano, que proibiu o uso pelos agentes da GCM de técnicas de estrangulamento e o chamado "mata-leão", como uma medida antirracista da sua gestão.
Percepção do racismo cresce na população
O racismo e a violência contra pessoas negras são preocupações que crescem entre os paulistanos. Cresce também o entendimento da responsabilidade dos políticos e gestores públicos nesta questão.
A pesquisa Viver em São Paulo: Relações Raciais 2020, da Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, revela que 83% da população paulistana avalia que o preconceito e a discriminação contra a população negra aumentaram na cidade nos últimos dez anos.
Este mesmo levantamento mostra que 74%, ou seja, mais de sete em cada dez paulistanos acreditam que pessoas negras têm menos oportunidades no mercado de trabalho.
Para 82% dos entrevistados, declarações, comentários ou piadas com conteúdo racista ou preconceituoso feitos por políticos estimulam o racismo.
Cotas para negros em cargos públicos
Em vídeo que circula nas redes sociais, o coordenador executivo do Educafro, Frei David, acusa a gestão do PSDB de alterar, por decreto, a Lei 15.939/2013 da Câmara Municipal de São Paulo, que estabelecia cota de 20% para negros no serviço público, por meio de concursos, e também nos cargos de confiança, que são de livre nomeação do gestor.
De acordo com Frei David, o decreto 57.986 de 2017, do então prefeito Dória restringiu as vagas apenas aos concursos, retirando a exigência para os cargos de confiança, o que considerou uma prática de "racismo institucional" e "falta de confiança no povo negro".
Em entrevista ao Valor Econômico, Bruno Covas anunciou que é favorável às cotas para negros no serviço público e que a prefeitura já cumpre a legislação municipal de quantidade mínima de pessoas negras contratadas, inclusive em cargos de confiança, mas que ainda sente falta no primeiro escalão.
"Assumi esse compromisso não agora por conta do que ocorreu em Porto Alegre, mas no primeiro debate realizado pela Band", disse o prefeito.
Movimento Negro apoia Boulos
Dezenas de entidades do movimento negro, incluindo o Educafro, assinaram esta semana um documento intitulado: "SP Antirracista com Boulos 50", manifestando apoio à candidatura de Guilherme Boulos e sua vice Luiza Erundina.
No documento são relembrados casos de assassinatos de pessoas negras nas gestões tucanas, como a chacina de 12 jovens em um baile Funk em Paraisópolis, em 2019.
Também são considerados práticas que vitimam principalmente negros o enfrentamento à epidemia do coronavírus, o trato da prefeitura com pessoas em situação de rua e trabalhadores ambulantes, as políticas de assistência social, a precarização e terceirização de serviços públicos, entre outras políticas públicas.
"Um caminho sem volta foi aberto e futuros governos terão que diversificar racialmente secretariados e ministérios, reconhecer a competência política e profissional de lideranças negras e femininas para atuação em diversos níveis", cobra o manifesto assinado por entidades como: Uneafro Brasil, União de Negros pela Igualdade (Unegro), Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs), entre outras.
Para além da comoção momentânea
A mesma pesquisa da Rede Nossa São Paulo revelou que 85% dos paulistanos entrevistados disseram concordar que o racismo prejudica o desenvolvimento da cidade de São Paulo.
O aumento de candidaturas comprometidas com esta causa eleitas para a Câmara Municipal em 2020 revela a aposta do eleitor em alterar esse quadro de desigualdade e de violências raciais.
Além de levar essa consciência para a urna no próximo domingo, 29, é dever de todas as pessoas cobrar para que essa preocupação não seja apenas uma comoção momentânea causada pelas brutais imagens da tortura e assassinato de João Alberto.
Sem políticas públicas antirracistas não será possível impedir que outras vidas negras tenham o mesmo destino.
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