André Santana

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Opinião

Mulheres concorrem a vices na eleição da capital mais feminina do Brasil

Na eleição deste domingo (6), as mulheres, que representam a maioria da população de Salvador (BA), estarão representadas nas três principais chapas que concorrem ao Executivo da cidade. Porém, apenas nos cargos de vice-prefeita - tanto nas chapas formadas por partidos de direita, centro ou mesmo da esquerda.

Salvador é uma das 11 capitais brasileiras que não têm mulheres concorrendo ao cargo de prefeitas. O cargo de vice tem sido o máximo de espaço que os partidos destinam às mulheres, mesmo após avanços importantes da presença feminina na política. A exceção na capital baiana é a candidatura de Eslane Paixão do Unidade Popular (UP), cujo alcance nas pesquisas pré eleição tem sido ínfimo.

De acordo com o Censo 2022 (IBGE), com 54,4% de moradores do gênero feminino, Salvador é a capital com maior proporção de mulheres do Brasil e o segundo município mais feminino do país, atrás apenas de Santos, no litoral paulista. Somado a isso está o fato de que as pessoas autodeclaradas pretas e pardas são 80% dos soteropolitanos.

As mulheres negras, portanto, estão no centro da vida cultural, econômica e social da capital baiana. No entanto, essa proporcionalidade massiva na sociedade não se reflete na política, particularmente nas eleições municipais de 2024, onde elas ocupam apenas a posição de vice nas principais chapas.

As candidatas à vice, além de atenderem à obrigatoriedade da legislação, funcionam como pontes para discussão de debates centrais para cidade como geração de emprego e renda - Salvador é recordista de mulheres chefes de família - e educação, já que a pauta sobre creches e escolas públicas municipais é fundamental para a inserção feminina no mercado de trabalho. Assim, os partidos políticos em Salvador foram buscar mulheres com perfis de ativismo e reconhecidos trabalhos sociais, tentando se valer da identificação das eleitoras.

Perfis das vices candidatas

A educadora popular e coordenadora do MSTB (Movimento Sem Teto na Bahia), Miralva Alves Nascimento, a Dona Mira, concorre com Kleber Rosa, em uma chapa negra e genuína do PSOL. Doutora em ciências sociais e militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), Fabya Reis (PT) integra a chapa com Geraldo Júnior (MDB), com apoio do atual governador da Bahia, Jeronimo Rodrigues (PT), do qual era secretária estadual de Assistência e Desenvolvimento Social. Já Ana Paula Matos (PDT), que disputa a reeleição ao lado de Bruno Reis (União Brasil), atual prefeito, exerceu diversos cargos na gestão municipal, incluindo a Secretaria Municipal da Saúde. Ela também foi vice na candidatura de Ciro Gomes à presidência da República em 2022.

As três candidatas, autodeclaradas negras, possuem qualificações suficientes para encabeçar chapas ao Executivo, porém são limitadas pelo poder patriarcal que impera nos partidos políticos brasileiros. A escolha de mulheres negras para esses cargos é um gesto calculado de tentativa de atração do eleitorado feminino sem, de fato, romper com uma estrutura machista e racista que mantém homens, na maioria brancos, em posições centrais de comando.

Avanço limitado de candidaturas de mulheres

Dados do TSE mostram que a proporção de candidatas mulheres cresceu muito pouco neste ano na comparação com 2020. Mesmo representando 51% da população brasileira, nas eleições municipais deste ano, as mulheres são 15% das candidaturas à prefeitura em todo o país, 23% das candidaturas a vice e 35% das candidaturas à vereança.

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A obrigatoriedade de os partidos destinarem 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres elevou pouco o número de candidatas e menos ainda a porcentagem de mulheres eleitas. Tanto é que, em 2020, as mulheres foram apenas 16,1% do total de vereadores eleitos no Brasil e 12,1% do total de prefeitos eleitos.

Essa desproporcionalidade reflete um problema estrutural que atravessa não só Salvador, mas o Brasil como um todo: a exclusão de mulheres, sobretudo negras, dos espaços de poder e decisão. Embora tenham protagonismo em diversos setores, especialmente em demandas sociais que atingem diretamente a população mais pobre e mais necessitada de políticas púbicas, são sistematicamente marginalizadas na política institucional.

Salvador teve uma única mulher e nenhuma pessoa negra eleita para Prefeitura

Apesar de serem a maioria da população de Salvador e estarem profundamente envolvidas em movimentos comunitários, sociais, culturais e de base, as mulheres negras foram relegadas, mais uma vez, a posições secundárias no jogo político. Historicamente, o cargo de vice é mais simbólico do que efetivo, ocupando um papel coadjuvante na formulação de políticas e na tomada de decisões.

A própria cidade já teve a experiência de ter uma mulher negra, a advogada Célia Sacramento (então PV), vice do prefeito ACM Neto (União Brasil) entre 2013 e 2016 que, preterida no projeto à reeleição, rompeu com a gestão e lançou-se, sem sucesso, em uma chapa concorrente.

Vale sempre fazer a triste lembrança de que Salvador, conhecida como a cidade mais negra fora do continente africano, nunca teve uma pessoa negra eleita democraticamente para exercer o cargo de prefeito. O único negro a governar a cidade foi o prefeito Edvaldo Brito, entre 1978 e 1979, escolhido pela Assembleia Legislativa da Bahia, em plena ditadura militar. Já entre 1993 e 1997, a cidade foi governada, em uma única vez, por uma dupla feminina: Lídice da Mata (atual PSB, na época PSDB) e Beth Wagner (então PPS).

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A sub-representação das mulheres, especialmente as negras, em cargos majoritários faz com que as diretrizes urgentes da população negra e feminina — como o combate ao racismo estrutural, a violência contra a mulher, o acesso à educação, ao emprego e à saúde de qualidade, e o direito à cidade — não sejam priorizadas ou tratados com a devida profundidade.

Lei da Violência Política de Gênero completou 3 anos

As candidatas mulheres sofrem também com a ausência de apoio e financiamento para que essas candidaturas sejam viáveis. Para participar do pleito de maneira competitiva, é necessário muito mais do que visibilidade; é preciso estrutura, recursos e alianças políticas, itens que, muitas vezes, estão fora do alcance de mulheres que enfrentam barreiras interseccionais de raça, gênero e classe.

O tratamento sofrido pelas mulheres que assumem o desafio de enfrentar as barreiras da política, além da exigência de cotas e igualdade de investimentos dos partidos, gerou também a Lei nº 14.192 de 2021, que tornou crime a violência política de gênero. A lei visa proteger que as mulheres, em exercício dos seus direitos políticos, não sofram ofensas, impedimentos, discriminações e desigualdades de tratamento no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas. Nesses três anos de implantação da lei, o Ministério Público Federal já recebeu 215 denuncias e houve quatro condenações pelo crime.

É necessário um esforço coletivo para promover mudanças estruturais e incluir as mulheres nas esferas de decisão, começando pelo fortalecimento de suas candidaturas e uma mudança real na forma como as alianças políticas são feitas. Isso inclui o compromisso dos partidos em investir nelas e de toda a sociedade em entender que representatividade é uma questão de poder.

As eleições de 2024 em Salvador são mais uma oportunidade perdida de romper com a tradição de manter as mulheres negras nos bastidores do poder. Se queremos uma cidade mais justa, diversa e democrática, a inclusão de mulheres negras no comando precisa deixar de ser uma ausência tão evidente.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Texto atualizado para a inclusão de informação. Na capital baiana, Eslane Paixão, do Unidade Popular (UP), também é candidata à Prefeitura.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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