André Santana

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Opinião

PEC contra jornada 6x1 evidencia a necessidade de ter vida além do trabalho

Propor a redução da carga horária dos trabalhadores brasileiros é realmente algo revolucionário em um país estruturado pelas relações escravocratas que persistem por séculos.

Além das hierarquias coloniais nas relações formais de trabalho, ainda são muitos os casos de trabalhadores explorados em situações análogas à escravidão em fazendas nas profundezas do país e também nos "quartos de empregada" em residências urbanas, onde vivem as tais "famílias de bem" do Brasil.

A PEC apresentada no Congresso pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe diminuir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, é uma afronta a esse passado colonial ao qual as elites econômicas do país estão agarradas para continuar usufruindo dos seus privilégios.

A pauta teve mais projeção aqui no Brasil em 2023 através do Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), liderado por Rick Azevedo, um balconista de farmácia, de 29 anos, nascido em Dianópolis, no Tocantins.

A campanha ganhou adesão popular, viralizou nas redes sociais e fez com que a classe política fosse cobrada. O resultado é que já são quase 200 assinaturas de deputados federais favoráveis, número acima das 171 necessárias para autorizar a apresentação da PEC na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

A intersecção da resistência às opressões

Erika Hilton e Rick Azevedo são duas pessoas negras da comunidade LGBTQIA+ que estão lutando por uma proposta que trará mais dignidade e condições mínimas de vida para a classe trabalhadora. Estão provando que a resistência às opressões é interseccional.

Uma resposta eficaz para quem insiste na conversa de que os chamados "grupos identitários" lutam por pautas segmentadas, que dividem ou enfraquecem as questões sociais. Uma mentira repetida pelos identitários da direita e por pessoas que se beneficiam do poder garantido pelo machismo, racismo e homofobia.

As marcas da exploração capitalista que recaem sobre todos os trabalhadores são ainda mais violentas nos corpos de trabalhadores negros e negras e LGBTs. Portanto, estes sabem muito bem a urgência de se reparar essa carga excessiva de trabalho de herança escravocrata.

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A ideia de que apenas um dia é suficiente para o trabalhador descansar, cuidar da sua saúde física e mental, dar atenção às relações familiares e ao lazer só encontra respaldo na mesma concepção que legitimou a escravidão.

"A escala 6x1 é uma marca de continuidade da ideia de que o trabalhador é um cidadão de segunda classe, muito próximo ao escravizado e para quem o direito à vida, à saúde, ao lazer etc é um efeito colateral do direito feito para proteger os donos das propriedades", afirma Paulo de Jesus, doutor em história e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

O historiador explica que o direito ao ócio, como motor da criatividade, é visto como um problema, um crime. "Na prática, o que se advoga é que já se faz muito pelo trabalhador, oferecendo uma vaga de emprego", completa.

Uma das bandeiras do movimento Vida Além do Trabalho é a ideia de que o trabalhador é mais do que seu exercício laboral. Ao contrário disso, as jornadas excessivas provocam fadiga extrema, prejudicam as relações sociais e afetivas, geram mais riscos a acidentes de trabalho e comprometem aquilo que mais se cobra dos trabalhadores: a produtividade.

Ou seja, o contrário dos que acusam a redução da jornada como uma ameaça ao trabalho e à dignidade do ser humano.

"A mesma mentalidade escravista que dizia que sem a escravidão os africanos viveriam na barbárie, pois eram selvagem, além de outras tantas falácias racistas", lembra Paulo de Jesus.

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"Em 1888, todo o mundo já havia acabado com a escravidão e, no Brasil, se utilizava como premissa a falta de alternativa para sustentar a economia. A mão de obra livre já havia provado ser a alternativa ao escravismo como fator de acumulação"
Paulo de Jesus, historiador

Além de impulsionar a geração de mais emprego, o fim da escala 6x1 trará mais qualidade de vida para a classe trabalhadora, que terá mais tempo para o necessário descanso. E também para estabelecer outras prioridades para além do trabalho, que pode ser estar mais perto da sua família, dos seus amigos, ou, inclusive, consumir mais opções de lazer, arte e cultura, que, afinal, também movimentam a economia, gerando mais emprego e renda.

Ou seja, é possível a roda da economia girar sem esmagar os corpos dos trabalhadores e sem sacrificar suas vidas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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