Entidades denunciam funcionários de aeroporto por racismo religioso
Entidades religiosas divulgaram um vídeo nesta terça (10) em que denunciam funcionários do Aeroporto Internacional de Fortaleza Pinto Martins por racismo religioso contra a servidora pública aposentada Lindinalva Barbosa, 61. Empresa que administra aeroporto nega.
O que aconteceu
Em um vídeo publicado por entidades de defesa dos direitos das religiões de matriz africana, Lindinalva, que é ativista do movimento negro e egbomi (reverência dada às pessoas com mais tempo de iniciação religiosa e obrigações realizadas) no Terreiro do Cobre, em Salvador (BA), aparece sendo questionada e barrada por funcionários do aeroporto de embarcar no avião de retorno à Salvador.
Segundo a religiosa e pessoas que acompanharam a abordagem no local, tudo se deu porque, minutos antes, ela se negou a retirar o turbante que usava após passar pelo sistema de raio-x do aeroporto, que não detectou nada de anormal.
Ao ser requisitado que retirasse o turbante após o raio-x, a religiosa conta que explicou aos funcionários do local que não retiraria o torso (turbante) porque este integra sua indumentária religiosa e expressa seu vínculo cultural às heranças afro-brasileiras.
"Eu disse que não tiraria, pois tinha direito de usar minhas indumentárias", conta Lindinalva, que disse que já teria feito a viagem de ida, utilizando o torso sem nenhum constrangimento.
Para passar no raio-x, ela chegou a retirar sua conta religiosa, a pedido dos funcionários, e depositá-las na bandeja por conter objetos de metal e sementes.
Ao negar retirar o turbante, Lindinalva conta que outra funcionária utilizou um aparelho de sensor pelo seu corpo e cabeça, não sendo nada detectado novamente. Com isso, Lindinalva seguiu em direção ao portão de embarque, sendo novamente barrada antes do embarque, como mostra o vídeo publicado pelas entidades, gravado por uma pessoa que acompanhou a abordagem.
Aeroporto afirma que agentes seguiram as normas de segurança
A coluna procurou a Fraport Brasil, empresa que administra o aeroporto de Fortaleza. A empresa foi questionada se o procedimento dos funcionários em insistir para a retirada do turbante, mesmo após a passagem pelo raio-x não detectar nenhum problema, está correto. Também foi questionada se há alguma orientação ou formação para os funcionários na abordagem a pessoas que utilizam indumentárias religiosas durante as viagens.
Em nota, a Fraport Brasil, respondeu que "a partir do relato recebido, analisamos as imagens das câmeras de segurança, sendo constatado que os procedimentos adotados pelos Agentes de Proteção da Aviação Civil (APACs), seguiram estritamente a normativa que regulamenta o procedimento de inspeção dos aeroportos no Brasil - DAVSEC 02-2016 revisão, editada pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil)".
Lindinalva Barbosa registrou um Boletim de Ocorrência na Delegacia Eletrônica da Polícia Civil do Estado do Ceará e recebeu orientações da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/BA (Ordem dos Advogados do Brasil, seção Bahia).
Entre os procedimentos necessários estão: solicitar a preservação das imagens das câmeras de segurança e a sua disponibilização no âmbito da investigação (extrajudicial e judicialmente, se necessário); pedir a identificação dos funcionários envolvidos; juntar as imagens, áudios e vídeos produzidos; requerer retratação do Aeroporto e implantação de campanhas educativas e políticas de formação dos funcionários e terceirizados (MP/DPE); além de um processo cível indenizatório.
Ela informou à coluna que realizará denúncia em outros locais, como o Ministério Público, a Defensoria Pública e a delegacia especializada no combate à intolerância religiosa e discriminação racial.
Entidades emitiram nota e publicaram vídeo da abordagem
O Coletivo Ofá Omi, que convidou Lindinalva Barbosa ao Ceará para participar da roda de conversa "Resistência de Terreiro: Nosso Passos Vem de Longe", no dia 7, manifestou repúdio ao que consideraram um ato de intolerância religiosa.
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Quero receberNa nota, a entidade reforça que "racismo religioso é crime, sendo uma prática que expressa profunda violência e ódio contra os povos de terreiro quando manifestam seu pertencimento e sua identidade religiosa em espaços públicos. É fundamental denunciar esse grave delito que constrange, ameaça e vulnerabiliza os povos de terreiro e suas comunidades".
A nota é assinada por representantes de entidades sociais do Ceará como o Movimento Negro Unificado, o Coletivo Nacional de Juventude Enegrecer, a Rede de Mulheres Negras do Ceará e a Articulação Nacional de Quilombos - ANQ, além dos terreiros Ilê Axé Ofá Omi, de Fortaleza; Ilê Axé Igbara T´Ogum, de Lauro de Freitas; e Ilê Axé Focanjifa, de Salvador, entre outros.
"Espero, sobretudo, que a justiça seja feita porque nós, povos de terreiros, estamos cansados e cansadas de lidar com o racismo religioso, que afeta nossos corpos, nossas mentes, nossos corações e, sobretudo, nosso direito a existir, nosso direito a praticar as nossas religiões, a usar as nossas indumentárias, a usar as referências culturais que nós temos e gostamos de usar", destacou Lindinalva Barbosa.
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