As heranças da escravidão ainda sustentam as elites políticas do Brasil
É muito comum ouvir de brasileiros em visita a igrejas, castelos e palácios da Europa que aquela riqueza foi resultado da exploração dos recursos do Brasil e do trabalho forçado de pessoas escravizadas.
Quanto a isso, não restam dúvidas. O que muitos não associam é que o processo de colonização e de escravidão também gerou no Brasil uma elite econômica que ainda hoje vive os privilégios herdados das suas famílias escravocratas, constituindo também o poder político impregnado nas instituições que conduzem o país.
O pior é que esses herdeiros do colonialismo ainda tentam manter relações de poder e acumulação de dinheiro por meio de práticas semelhantes aos seus antepassados, a exemplo dos trabalhadores ainda mantidos em situações análogas à escravidão.
Uma recente reportagem da Agência Pública sobre o legado escravocrata na política brasileira mostrou que poderosos políticos, como senadores, governadores e até ex-presidentes, pertencem a famílias que historicamente estiveram envolvidas de forma direta com a escravidão.
O veículo também destacou as recentes ocorrências de trabalho escravo denunciadas em propriedades de alguns desses mesmos políticos, confirmando o empenho dessas famílias em manter seus patrimônios a partir da mais cruel forma de exploração do trabalho humano.
Escravizadores se adaptaram às instituições democráticas
Muitas das famílias que lideram a política e os negócios no Brasil hoje têm suas origens diretamente ligadas à escravidão. Eles foram responsáveis pela formação de grandes latifúndios, especialmente no Norte e no Centro-Oeste do país, onde a produção agrícola, como a cana-de-açúcar, o café e o algodão, era mantida pelo trabalho escravo em grande escala.
O mais impactante é como esses grupos buscam manter e ampliar sua influência ao longo dos séculos, não apenas no setor econômico, mas também nas instituições políticas e nos governos. O domínio dessas famílias e a permanências dessas práticas são um reflexo claro da maneira como o país nunca rompeu completamente com os alicerces do sistema escravocrata.
Esses grupos de poder se adaptaram aos novos tempos, integrando-se às estruturas republicanas, militares, empresarias e, mais recentemente, ao sistema democrático, criando uma rede de relações que garantiu sua permanência e influência em diversas áreas de decisão.
Muitos desses nomes continuam em cargas de alta relevância, incluindo os mais altos postos da política nacional, reforçando a ideia de que o Brasil nunca teve, de fato, uma ruptura profunda com os princípios do colonialismo.
O especial Escravizadores, da Agência Pública, traz o levantamento de que metade dos presidentes brasileiros desde o fim da ditadura, quase metade dos atuais governadores dos estados e um quinto dos senadores em exercício, têm antepassados diretos que teriam pessoas escravizadas, utilizaram mão de obra escravizada ou atuaram para conter revoltas de pessoas negras e pobres durante o Brasil colonial e no Império.
Direitos trabalhistas atacados por herdeiros da escravidão
O protagonismo das elites brasileiras na exploração escravocrata e toda herança ainda preservada por essas famílias ajudam a entender a dificuldade de avançar no país ações efetivas de combate ao racismo e também de respeito aos direitos dos trabalhadores.
Dominando as decisões sobre as leis, os representantes dessas famílias se empenham em legislar à favor dos seus próprios patrimônios ou de outras famílias também beneficiadas diretamente pelo passado colonial. Já há uma farta pesquisa histórica a comprovar como a escravidão é fator estrutural de formação das elites econômicas do Brasil e podemos ver agora como esse poder penetra no sistema político.
Os exemplos que confirmam a resistência dessas famílias em alterar as bases coloniais baseadas na escravização são inúmeros como a demora em proteger da exploração as trabalhadoras domésticas que, somente há dez anos, tiveram efetivamente seus direitos igualados aos dos demais trabalhadores brasileiros.
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Quero receberSomente com a PEC das Empregadas Domésticas, aprovada em 2013 e regulamentada dois anos depois, foram asseguradas garantias básicas como a jornada máxima de trabalho, descanso, seguro desemprego, obrigatoriedade do recolhimento do FGTS por parte do empregador, entre outros direitos.
Reforma trabalhista e jornada 6x1 prejudicam trabalhadores
Já a Reforma Trabalhista de 2017, proposta e aprovada por esse sistema político dominado por representantes das famílias escravocratas, agravou a precarização e insegurança dos trabalhadores brasileiros. Ao flexibilizar as relações trabalhistas, na justificativa de gerar mais emprego, as novas leis permitiram o aumento das terceirizações, da ausência de vínculos e responsabilidade dos empregadores e a informalidade.
Uma das consequências da reforma trabalhista que reforça as práticas de exploração foi a falsa ideia de autonomia do trabalhador nas negociações, como se os descentes dos escravizados estivessem em igualdade de diálogos com os patrões na hora de exigir seus direitos. Na prática, houve um enfraquecimento das entidades de classe e aumento das vulnerabilidades dos trabalhadores e das dificuldades para acesso à justiça.
O debate atual sobre a redução da jornada de trabalho e a campanha pelo fim da jornada 6x1 (seis dias de trabalho e apenas um de descanso) escancararam a persistência do pensamento escravocrata de desprezo pelo trabalhador em detrimento à proteção do patrimônio construído à base da exploração.
Como escrevi aqui na coluna, resistir à redução da jornada de trabalho é apego a esse passado de escravidão ao qual diversos políticos, de diferentes formações partidárias, e suas fortunas estão intimamente vinculados.
Mais de um século após o fim do regime de escravidão, além de eliminar o racismo legitimado por esse sistema produtivo, é preciso romper com os ciclos de dominação e exploração que se retroalimentam nas relações entre os poderes políticos e econômicos, que definem as escolhas nos processos eleitorais, nas criações e alterações de leis, nas prioridades das políticas e investimentos públicos e que tanto compromete a democracia.
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