Marcha em Lisboa relembra luta pela independência africana e Amílcar Cabral
Há cem anos, no dia 12 de setembro, nascia em Guiné Bissau, Amílcar Cabral. Para relembrar seu legado, foi realizada em Lisboa, no dia 21 de agosto, a "Marxa Cabral", que reuniu centenas de pessoas e movimentos que relembraram as causas defendidas por ele e por outros revolucionários africanos que conduziram o processo de independência de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe, na década de 1970, diante da resistência do poder português em respeitar a autonomia desses povos.
Inspirada pelo pan-africanismo de Cabral, a Marxa reuniu pessoas de diferentes idades e nacionalidades, incluindo imigrantes africanos e seus descendentes nascidos em território português. Além de exposições, lançamentos e conferências para marcar esse centenário, os movimentos sociais portugueses, partidos políticos e organizações da luta contra o racismo, o fascismo e a xenofobia, também relembraram os 50 anos da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura salazarista em Portugal e restabeleceu a democracia.
Legado de Cabral inspira lutas contra violências atuais
Entre os presentes na marcha, uns que ainda guardam as memórias da opressão colonial, outros que vivenciam ainda hoje as violências racistas e xenofóbicas contemporâneas. Isso porque ainda há que se concluir tanto a autonomia, a cidadania e o desenvolvimento dos países africanos, sonhados por Cabral, mas também a consolidação da democracia e da igualdade entre os povos que alimentaram as aspirações dos revolucionários de 1974.
Os casos de racismo e xenofobia presentes no cotidiano de Portugal e evidenciados em crimes como o assassinato de Danijoy Pontes, 23, e Daniel Rodrigues, 37 anos, em 15 de setembro de 2021, em minutos de diferença, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, reafirmam a necessidade de permanente resistência.
Familiares acusam o Estado português, que passados três anos, continua sendo questionado sobre as circunstâncias das mortes e a decisão de arquivamento dos processos, ausência da Polícia Judiciária no inquérito e restrições de acesso às autópsias pelas famílias.
A denúncia do descaso institucional com a vida de Danijoy e Daniel foi feita por suas mães que, mais uma vez, choraram suas dores pela perda dos filhos, no dia 14 de setembro, em outra marcha também realizada nas ruas de Lisboa para denunciar a violência policial no país.
A marcha intitulada "E se fosse contigo?" foi organizada por vários movimentos antirracistas que protestaram contra a sentença dada pela Justiça portuguesa a Cláudia Simões, agredida por um policial, em 2020. Abordamos esse caso aqui na coluna.
25 de Abril nasceu em África
Nas palavras de ordem e nos depoimentos compartilhados durante a marcha deste 12 de setembro, foi destacada a liderança intelectual e estrategista de Cabral à frente do PAIGC, o Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde, criado por ele em 1956.
A resistência armada, mas também cultural, contra o regime colonial organizado pelo PAIGC e outros movimentos de libertação foi minando o poder da ditadura de Salazar, exigindo cada vez mais investimentos financeiros e humanos em uma guerra prolongada e onerosa, que prejudicou a economia de Portugal, além de ampliar o isolamento internacional e o descontentamento da população e das próprias Forças Armadas portuguesas. Este ambiente favoreceu o êxito do movimento democrático de 1974 e as consequentes independências dos países africanos.
Por isso, em uma das faixas erguidas pela juventude durante a Marxa Cabral estava escrito: "25 de Abril nasceu em África".
As lutas de independência em África, lideradas por figuras como Amílcar Cabral, não só enfraqueceram o poder colonial português, como também inspiraram setores progressistas dentro de Portugal a questionarem o regime.
O Movimento das Forças Armadas, que liderou o golpe de 1974, era formado em grande parte por militares que haviam lutado nas guerras coloniais e que se sentiam desiludidos e inconformados com os custos sociais e humanos com a guerra. A Revolução dos Cravos foi, assim, diretamente influenciada pelos movimentos anticolonialistas, resultando no fim da ditadura e no desmantelamento do império colonial português.
Amílcar Cabral, embora tenha sido assassinado em 1973, um ano antes da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, deixou um legado de resistência e autodeterminação que ecoou não apenas nas colônias africanas, mas também no próprio coração da metrópole portuguesa.
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