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Carnaval 2022: defesa da retomada ignora condições desumanas de trabalho
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Ainda sem confirmação pelo poder público, a realização do Carnaval de Salvador em 2022 ainda segue indefinida. No debate, defensores da festa se apoiam na diminuição dos números de vítimas da pandemia e exploram os números da economia gerada pela festa.
Chegam a afirmar que o trabalho realizado nos dias de Carnaval garante renda para as famílias se sustentarem por mais seis meses do ano.
Só se for para as cervejarias, os donos dos grandes blocos, dos camarotes badalados, dos hotéis de luxo ou de quem agencia as estrelas da música.
Esta não é a realidade de uma massa de trabalhadores formada por cordeiros, catadores de latinha, vendedores ambulantes e centenas de artistas que sustentam a realização da festa em troca de baixa remuneração.
Nos argumentos não constam que os lucros gerados pelo Carnaval resultam da exploração de uma mão de obra pouco remunerada e do trabalho informal daqueles que necessitam se submeter a péssimas condições para garantir um mínimo de renda.
Nos debates sobre o Carnaval da retomada, nada se fala de como alterar essa realidade de desigualdade que, com a pandemia e o aumento do desemprego e da miséria, só tende a piorar a situação dos trabalhadores da folia.
Essas pessoas estarão ainda mais vulneráveis à exploração e à insegurança, em um ambiente que, mesmo com vacinação, ainda será de risco.
Rio e São Paulo já se preparam para o Carnaval
Com elevado percentual da população vacinada e diminuição dos casos de covid-19, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro já se prepararam para a realização do Carnaval 2022.
A prefeitura de São Paulo anunciou esta semana a empresa de cerveja que investirá R$ 23 milhões como patrocinadora oficial do Carnaval de rua. As escolas de samba nas duas cidades já anunciam seus temas e sambas-enredo.
Enquanto isso, a folia em Salvador segue sem confirmação oficial por parte dos poderes públicos. Nem prefeitura, que gerencia o Carnaval, nem o governo da Bahia, importante financiador da infraestrutura da festa, garantem a realização do Carnaval na cidade em fevereiro de 2022.
O governador Rui Costa (PT) disse à imprensa, esta semana, que não aceitará ultimato para antecipar o anúncio da festa. O gestor pretende aguardar a situação dos números da pandemia pelo menos até dezembro.
A pressão tem sido grande por uma posição do governo.
Em reunião nesta quinta (11), o Conselho Municipal do Carnaval de Salvador decidiu pela realização da festa. Para os integrantes do Conselho, que representam segmentos carnavalescos, o anúncio precisa ser feito logo para que patrocinadores, turistas e foliões possam se programar.
No início da semana, uma comissão formada na Câmara de Vereadores de Salvador para o acompanhamento da retomada de eventos na cidade já havia aprovado um relatório com recomendações para que o Carnaval aconteça, de fato, na capital baiana.
A comissão cobra que o anúncio por parte do poder público seja realizado até esta segunda-feira (15), pois restariam apenas cem dias para o Carnaval previsto para começar em 23 de fevereiro de 2022.
Festa é marcada por muita desigualdade
Os argumentos a favor estão na importância da economia movimentada pela festa, que atrai visitantes do mundo inteiro, aquecendo o turismo e o setor de serviços e gerando ocupações temporárias.
Quem conhece de perto o Carnaval de Salvador sabe que o que ele tem de grandioso em espetáculo de música, alegria e diversão tem de desigualdades.
A festa é um momento importante para perceber o quanto a cidade de Salvador consegue manter a lógica de produzir prazer e lucro para alguns pela exploração da mão de obra precarizada de uma massa populacional pobre e necessitada de alguma renda para sobreviver.
O valor que se ganha para trabalhar no Carnaval pode ter alguma relevância para as famílias pobres, mas passa longe dos exageros colocados por quem exige a realização da festa a qualquer custo.
Até para o meio artístico, que tem no Carnaval uma importante vitrine de visibilidade para carreiras de músicos, dançarinos e cantores, a situação é bem difícil. Distantes dos elevados cachês concentrados em alguns nomes midiáticos, há músicos que esperam por meses para receberem pelas apresentações feitas na festa.
Ainda tem as entidades carnavalescas de matriz africana, como os afoxés, blocos afro e do segmento do samba, que só conseguem realizar o desfile com o fomento do poder público, já que as grandes marcas patrocinadoras, em geral, não se interessem pela temática destas agremiações.
A situação é ainda pior para os cordeiros, que seguram as cordas para garantir a segurança dos foliões que compram o abadá dos blocos e podem desfilar em um espaço reservado, separado pelas cordas.
Além das péssimas condições de trabalho, somente com muita fiscalização dos órgãos públicos, os cordeiros conseguem receber água e lanches dignos e equipamentos mínimos de segurança, como luvas e protetores para os ouvidos que ficam muito próximos aos trios elétricos, por longo período.
A renda dos cordeiros está muito longe dos argumentos de quem defende a festa.
A diária média de um cordeiro varia entre R$ 50 e R$ 70 para trabalhar por 6 ou mais horas no desfile. Digamos que um cordeiro consiga atuar nos sete dias de festa. Ao final, o valor será em torno de R$ 490.
Como imaginar que essa renda, já pensada em números altos para a média geral, pode sustentar uma família por meses?
Folia da retomada não deveria ser de volta ao normal
No caso dos vendedores ambulantes a situação degradante começa semanas antes da folia, quando precisam se submeter a longas filas para conseguir a licença da prefeitura.
Todos os anos, a imprensa local registra o drama de famílias inteiras que passam dias guardando o lugar na fila de atendimento do órgão que autoriza a comercialização de bebidas e alimentos.
Depois são outros dias já nos circuitos da festa, sem condições mínimas de higienização, alimentação e de sono. Tudo isso para vender as latinhas de cerveja da marca oficial e exclusiva negociada com a prefeitura.
Retirando os gastos na compra dos produtos, gelo e o mínimo que precisam para se alimentar nos dias de folia, como pensar em altos lucros.
Tem é que torcer para que sua mercadoria não seja perdida em tumultos gerados por brigas e pela ação policial. É de cortar o coração a cena de ambulantes que têm seu isopor quebrado e os produtos espalhados na multidão.
São situações que não despertam a sensibilidade dos grupos que exploram a festa porque estas ocupações no Carnaval, para a maioria populacional pobre, segue a lógica vivenciada o ano inteiro nas relações de trabalho ainda coloniais e escravocratas.
No Carnaval 2022, a necessidade dos desempregados pela pandemia será ainda maior, gerando um contingente de mão de obra disposta a aceitar as condições desumanas do mercado da folia.
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