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André Santana

REPORTAGEM

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Cabeleireira vai à Justiça por uso indevido de imagem em campanha de Tebet

Negra Jhô, cabeleireira especialista em estética afro - Divulgação
Negra Jhô, cabeleireira especialista em estética afro Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/09/2022 04h00

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A cabeleireira baiana Valdemira Telma de Jesus Sacramento, conhecida como Negra Jhô, utilizou suas redes sociais para denunciar o que acusa ser uso indevido da sua imagem na propaganda eleitoral de TV da candidata à Presidência da República Simone Tebet (MDB).

"Eu nem sabia quem era essa criatura, quando diversas pessoas me informaram que a minha imagem estava passando no programa eleitoral. Nunca autorizei e nem sei quem é essa mulher", disse à coluna Negra Jhô, que é proprietária de um dos mais famosos salões de beleza, voltado à estética afro, localizado no Pelourinho, centro histórico de Salvador.

O empreendimento, especializado em tranças e turbantes, é frequentado por moradores de Salvador, artistas e turistas que visitam a cidade. O cantor Saulo, um dos clientes de Negra Jhô, chegou a compor e gravar uma música em homenagem à cabeleireira.

Negra Jhô é uma figura presente nas atividades culturais da cidade, a exemplo dos desfiles dos blocos afro Olodum e Didá --ela é destaque na ala de dança.

"As pessoas sabem da minha atuação, do meu posicionamento político a favor da minha comunidade negra e nada ali naquela propaganda me representa. Eu sou uma pessoa pública, mas ninguém é proprietário da minha imagem. Eu sou uma negra alforriada", reclama.

Nota publicada por Negra Jhô em seu perfil no Instagram, neste sábado, 10 - Instagram - Instagram
Nota publicada por Negra Jhô em seu perfil no Instagram, neste sábado, 10
Imagem: Instagram


A advogada da cabeleireira, Helenice Santos, informou à coluna que já protocolou ação na 5° Vara Cível e Comercial de Salvador, cobrando indenização por uso indevido de imagem e pedindo liminar para impedir a veiculação imediata da campanha.

"A imagem de Negra Jhô vinculada à campanha é como se ela estivesse apoiando a candidata. Negra Jhô tem uma trajetória representativa das mulheres negras e a candidata não desenvolve nenhuma ação neste segmento e nem buscou nenhum diálogo com ela, que não autorizou nenhum uso da sua imagem", disse a advogada.

Campanha diz ter comprado imagem em plataforma internacional

Procurada, a assessoria de imprensa da campanha de Tebet respondeu por nota que a imagem de Negra Jhô foi adquirida na plataforma Shutterstocks, um banco de imagens internacional.

"A imagem, em vídeo e foto, fica disponível, pode ser selecionada em sistema de busca por palavra-chave e foi licenciada rigorosamente dentro das normais legais", afirma a nota.

"Mesmo diante disso, em razão e respeito às posições políticas da detentora, nossa campanha não mais fará uso da mesma", completa a assessoria de Tebet.

Demonstrando muito aborrecimento, Negra Jhô confirma que não autorizou a comercialização da sua imagem por nenhuma agência ou plataforma. "Nunca vendi minha imagem para agência nenhuma", reitera.

"Eu sou uma mulher negra, mãe solteira, crio meus filhos e meus netos com o meu trabalho, sem ajuda de ninguém e ela nem sabe o que é isso. Eu não sou negra apenas de quatro em quatro anos."

Imagem de Negra Jhô usada por campanha no banco da Shutterstock - Shutterstock - Shutterstock
Imagem de Negra Jhô usada por campanha no banco da Shutterstock
Imagem: Shutterstock

A campanha de Tebet tem apostado na sensibilização do voto feminino, que será decisivo nesta eleição.

"Essa candidata não sabe nada da minha vida. São quase três anos de pandemia, com muitas dificuldades, passando necessidades e ninguém me procurou para saber como eu estava, a não ser as organizações sociais e culturais como o Olodum e a Didá", reclama Jhô.

O post, publicado na manhã deste sábado (10) no perfil da empresária, já conta com dezenas de comentários e compartilhamentos de apoio à Negra Jhô.

Imagem é direito garantido pela Constituição

Rodrigo Moraes, advogado e professor de Direito da Universidade Federal da Bahia, explica que a imagem é um direito fundamental protegido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso 10, e também pelo Código Civil.

Ele salienta que é preciso conhecer os termos do contrato entre a plataforma de imagem e a campanha de Tebet, que pode ter sido induzida ao erro.

"O banco de imagem pode ter recolhido a imagem sem autorização ou mesmo com uma autorização com cláusulas abusivas ou injustas, o que chamamos de contrato leonino." Mesmo assim, afirma o especialista, cabe à cabeleireira que se sentiu prejudicada buscar a Justiça.

"No caso dela, além do prejuízo patrimonial à sua imagem, há também um dano à sua honra, já que ela é publicamente vinculada a outra posição política, o que pode levar sua figura pública ao descrédito ou dubiedade de posicionamento", complementa o advogado.

Zambelli foi condenada por uso indevido de música

Rodrigo Moraes é autor do livro Direitos Morais do Autor (2008). Ele orienta que, nesses casos, o mais prudente às candidaturas é, além da autorização por parte da agência ou plataforma que detém o direito de imagem, buscar também a autorização da própria pessoa, evitando conflitos.

"O mesmo ocorre no uso de músicas em propagandas. Além da editora, o sensato é que o próprio compositor expresse a autorização."

Rodrigo Moraes é o advogado que representa o cantor e compositor baiano Manno Góes no processo contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) pelo uso indevido da música Milla, em um vídeo a favor de Jair Bolsonaro (PL), publicado em 2021. Em maio, a parlamentar foi condenada pela Justiça baiana a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais ao artista.

Esse transtorno à candidatura de Tebet teria sido evitado se a candidata, seu partido ou sua equipe de campanha conhecesse minimamente personalidades importantes que preservam a cultura negra e as heranças africanas no Brasil.

Negra Jhô é uma das mais importantes representantes de uma comunidade que, mesmo sendo maioria no Brasil, é desconhecida aos olhos e atenções dos políticos brasileiros. A provocação na Justiça talvez sirva de aprendizagem para que as campanhas utilizem reais apoiadores.