André Santana

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Opinião

Mano Brown receberá título de doutor honoris causa de universidade da Bahia

No momento em que o Hip-Hop celebra 50 anos, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) aprova um feito inédito ao conceder o título de doutor honoris causa a Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown, líder do Racionais MC´s, considerado o mais influente grupo de rap do Brasil.

Criado no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, e formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, os Racionais completam 35 anos, contribuindo para a popularização da música rap e da cultura hip hop.

A reunião do Conselho Universitário que aprovou, por unanimidade, a honraria aconteceu na manhã desta quarta-feira (16). O parecer apresentado considera Brown "um indivíduo singular" e enumera o papel fundamental do rapper para a cultura brasileira, especialmente para os jovens, muitos deles fora do sistema de ensino formal, mas que encontram nas letras do rap conhecimentos sobre a realidade das periferias brasileiras e estímulos para enfrentar as desigualdades e retornarem aos estudos.

A concessão do título honoris causa (do latim, por causa da honra) é uma prática das universidades voltada a reconhecer o notório saber e as contribuições acadêmicas, humanísticas e sociais para a sociedade e em prol do desenvolvimento do país em diversas áreas.

A proposta de título a Mano Brown foi iniciativa da pró-reitoria de Extensão e Cultura da UFSB, considerando a importância do artista que transcende o hip hop e a música rap, sendo aclamado por sua autenticidade e por representar a voz dos moradores da periferia.

Nascido no próprio Capão Redondo, há 53 anos, Brown tem origens nordestinas, já que sua mãe, Dona Ana Soares, falecida em 2016, era natural de Riachão do Jacuípe, a 186 Km de Salvador e o avô materno da Chapada Diamantina.

Músicas de Mano Brown estimulam a autoestima e engajamento político

O doutor em Ciências Sociais, Richard Santos, pró-reitor de Extensão e Cultura da UFSB, foi um dos mais entusiastas da proposta: "Esse reconhecimento é totalmente merecido por Mano Brown, ao mesmo tempo, não é exclusivo, é algo que diz respeito à importância do hip-hop, ao seu legado e às possibilidades que antes não tínhamos nem em nossos sonhos", comentou.

Carioca, Richard Santos é um dos pioneiros da cultura hip hop no Brasil, conhecido como o rapper Big Richard, foi cantor e produtor musical, além de levar o rap para a televisão no final dos anos 1990 e início dos anos 2000.

Richard teve experiências em emissoras como MTV, Bandeirantes, Rede Record (série ´Turma do Gueto` e ´Domingo da gente`), Rede Globo (quadro ´Nós Na Fita` do ´Fantástico`) e, finalmente, como apresentador dos programas Paratodos e Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, tornando-se um dos raros negros a comandar atrações na televisão aberta.

"Uma titulação como essa não é algo único e individual. Não é para quem recebe, no caso o Pedro Paulo, Mano Brown, não é para quem reconhece a importância dele como artista e liderança. É algo que aponta para a importância do que o Hip Hop nos tem deixado de legado ao longo dos anos, a identidade das periferias e a possibilidade do sonho diante de tanta miséria e sufocamento", destacou Richard Santos, professor da UFSB e escritor.

DJ Branco comanda o programa de rádio Evolução Hip Hop há 16 anos: "Mano Brown sempre foi um professor"
DJ Branco comanda o programa de rádio Evolução Hip Hop há 16 anos: "Mano Brown sempre foi um professor" Imagem: Acervo pessoal

Responsável pelo programa Evolução Hip-Hop, apresentado há 16 anos na rádio Educadora FM da Bahia, Hamilton Oliveira, conhecido como DJ Branco, atua há 23 anos no movimento hip hop, difundindo a cultura e buscando a valorização deste movimento. Para a coluna, ele também comemorou o título que será concedido a Mano Brown.

"Já estava mais do que na hora de reconhecer a contribuição de Mano Brown no processo educativo de crianças, jovens e adultos das periferias. Brown sempre foi um professor, com ensinamentos a partir das suas letras. São músicas de resgate da autoestima, que provocam para a transformação social e para o engajamento político e que contribui para o empoderamento dos jovens", celebrou Dj Branco.

Para o DJ, muitos artistas brasileiros da periferia, não só do rap, mas de vários gêneros, superaram as estatistas da violência e das desigualdades, desenvolveram seu trabalho, se tornaram artistas reconhecidos em várias áreas, a partir das letras de Mano Brown.

"Além dos artistas, muitos pretos e pretas, que sofrem pelo racismo e pela falta de oportunidades foram estimulados aos estudos e ingressaram na universidade por conta das músicas dos Racionais. Eu posso dizer que só estou vivo hoje, graças à música rap, graças aos Racionais, graças a Mano Brown", concluiu DJ Branco, que fundou em 2021 a Casa do Hip Hop da Bahia, no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador.

Podcast mais ouvido do país

O parecer avaliado pelo Conselho Universitário destacou as contribuições de Brown para a educação brasileira, sejam por meio das suas músicas ou em projetos especiais como a série de PodCast Mano a Mano, no qual ele entrevista personalidades das artes e da política nacional, em diálogos simples e diretos sobre os problemas do país.

O podcast Mano a Mano se consagrou como a produção original d plataforma Spotify mais escutada no Brasil em 2022.

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"Quando a Universidade se propõe a conceder o título de doutor honoris causa ao cidadão que provoca o questionamento da identidade através da apropriação da pedagogia da mídia, ela trata de abordar uma política na educação que é parte desta história humana", destaca o documento, elaborado pelo professor doutor Francisco Nascimento, decano da UFSB.

Em caso de aceite do título, a entrega da honraria deve ocorrer em sessão solene no mês de novembro.

Hip Hop como Patrimônio Imaterial do Brasil

Geraldo Alckmin usa boné para comemorar 50 anos do Hip Hop:

No início do mês de agosto, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, publicou um vídeo usando um boné do hip hop e celebrando os 50 anos do movimento no mundo. Na oportunidade, Alckmin recebeu em seu gabinete integrantes da Construção Nacional do Hip Hop, que busca a aprovação de um decreto nacional para o reconhecimento e fomento da cultura hip hop no Brasil.

"A reunião com o vice-presidente reforçou o diálogo que tem sido feito desde o início deste ano com o governo federal, por meio de vários ministérios, como Cultura, Educação, Justiça e Direitos Humanos, em busca de políticas públicas que fortaleçam as ações de educação e cultura que o movimento hip hop desenvolve nas periferias do Brasil", explicou à coluna o DJ Branco.

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Ele informa que foi feito um dossiê, encaminhado ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), solicitando o reconhecimento do hip hop como patrimônio imaterial do Brasil.

Agora, com um doutor reconhecido pela academia, a cultura hip hop ganha mais um reforço para garantir o justo merecimento pelos serviços prestados à cultura e à sociedade brasileira.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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