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OPINIÃO

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Lula precisa falar menos e esquecer Bolsonaro: agora é bola pra frente

Lula chora ao falar da fome em discurso no gabinete de transição em Brasília - 10.nov.2022 - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Lula chora ao falar da fome em discurso no gabinete de transição em Brasília Imagem: 10.nov.2022 - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

11/11/2022 11h50

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O rebuliço que deu quinta-feira nos nossos sensíveis mercados por conta de declarações de Lula sobre o balanço necessário entre política fiscal e política social deve servir de alerta para o presidente eleito: a campanha acabou, os palanques foram desmontados, o golpe flopou e o Brasil já respira outros ares mais limpos. Agora, tem que ser bola pra frente, vida nova, nada de ficar olhando no retrovisor.

Lula sabe que há uma enorme diferença entre discurso de candidato e discurso de presidente.

Daqui para frente, tem que valorizar mais e pesar melhor cada palavra dita que, queira ou não, pode interferir no humor dos mercados e afetar a vida de todos os governados.

Não tem mais cabimento o presidente eleito fazer vários discursos por dia e conceder entrevistas a cada evento da agenda, até porque a voz dele não aguenta, já anda falhando.

No mesmo dia, pisou no tomate e voltou a falar do adversário derrotado nas urnas - o que ganha ele com isso? - ao dizer que o presidente ainda em exercício precisa pedir desculpas aos militares por ter desmoralizado as Forças Armadas, arrastando-as para o processo eleitoral.

Além disso, toda generalização é perigosa. Não dá para falar "os militares", como se fosse uma entidade única, e não uma corporação formada por mais de 400 mil homens e mulheres, com diferentes funções e responsabilidades. Os generais palacianos fardados ou de pijama vivem uma realidade bem diferente do oficial de infantaria que está montando guarda num quartel de fronteira na Amazônia. Bolsonaro agora é um problema da Justiça.

Durante quase quatro anos, o onipresente ex-capitão pautou o noticiário e as conversas nas mesas de bar e nos almoços de domingo da família, provocando muitos conflitos com parentes e amigos. É hora de virar a página. Pelo menos a metade do Brasil que deu a vitória a Lula não quer mais nem ouvir nele e está bem satisfeita com o seu sumiço depois das eleições.

O Brasil democrático está ávido por ver novas caras no cenário político, novas ideias e novas propostas para tirar o país do atoleiro e sinalizar dias melhores para que cada um de nós possa planejar novamente sua vida, e voltar a ter esperança.

Ninguém melhor do que Lula tem condições de fazer isso, mas todo cuidado é pouco porque o outro lado não está morto. Por mais que fale, o presidente eleito não vai mudar a cabeça dos donos do mercado nem daqueles militares bolsonaristas que ainda procuram comunistas debaixo da cama.

Para esses, tanto faz se estão destruindo a Amazônia, a educação e a saúde, para garantir o "teto de gastos". transformando o país num pária internacional, enquanto 33 milhões de brasileiros vão dormir com fome todos os dias. Ao contrário de Lula, isso não os faz chorar. Só lhes importa o lucro fácil ou a aposentadoria gorda, a geladeira carregada de picanha e salmão, o paiol abastecido de trabucos, viagra e cerveja.

Queira Lula ou não, temos mesmo dois Brasis, como mostram os resultados da eleição e as manifestações dos alucinados que bloqueiam estradas e sitiam quarteis, cantando o Hino Nacional para um pneu e fazendo saudações nazistas, nos dias seguintes ao resultado das urnas.

Mais dia, menos dia, Lula terá que se reunir com os comandantes militares, que agora soltam notas, umas atrás das outras, para selar um acordo de paz e discutir o novo papel reservado às Forças Armadas numa democracia em tempos de paz.

O problema de mirar em vários alvos ao mesmo tempo é que a mídia sempre vai escolher aquele mais polêmico para fazer suas manchetes. Por isso, é preciso calibrar bem os temas e as palavras. Lembro-me de uma viagem que fizemos ao Acre, no segundo mês do primeiro governo, para anunciar um pacote de obras e benfeitorias para a região.

Mas nada disso saiu em destaque nos jornais do dia seguinte porque, no meio do discurso, Lula fez algumas críticas a FHC, seu antecessor, que foram para as manchetes, como se todas fossem feitas pela mesma pessoa.

É nesse terreno movediço que o presidente eleito precisa se mover para cumprir suas promessas de campanha com o povo pobre, as mulheres, os negros, os nordestinos e os indígenas que o elegeram. Disso ele nunca abrirá mão.

Vida que segue.