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Faltará investigar quem acobertou os mandantes do assassinato de Marielle

À medida em que as investigações da Polícia Federal avançam para chegar aos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, e para se saber qual foi, afinal, a motivação do crime, será preciso também descobrir quem, na polícia, no Judiciário e nos executivos federal e estadual do Rio de Janeiro, prevaricou para acobertar o caso durante cinco anos.

É muito tempo para que o inquérito andasse de lado ou para trás, passando de mãos em mãos, apenas por incúria e desídia das autoridades de segurança. Alguma força superior interessada na ocultação do bárbaro crime se moveu para que isso acontecesse de forma coordenada, para que não se chegasse aos verdadeiros mandantes. Os milicianos, por mais armados que tenham sido no governo anterior, não têm ainda esse poder todo.

A milícia, como sabemos, não mata por matar, de graça. Geralmente, age a serviço ou a mando de alguém para cumprir uma missão em troca de uma boa remuneração. Cobra para matar.

Por isso, acho bobagem se falar em crime de vingança cometido por milicianos apenas porque Marielle Franco combatia o crime organizado em seu mandato na Câmara Municipal, um papel que há anos vinha sendo liderado pelo ex-deputado federal Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur, com quem a vereadora trabalhava como assessora antes de ser eleita, e que seria um alvo mais óbvio.

Trata-se, claramente, de crime político, cometido em pleno ano eleitoral, em que a vereadora poderia sair candidata ao Senado. A quem interessava tirar do caminho essa adversária que desfrutava de alta e crescente popularidade? Essa é uma pergunta que me faço desde o início das investigações e que os investigadores da Polícia Federal poderiam fazer agora.

Muita gente graúda da segurança pública e da política fluminense na época certamente sabia quem poderia ter interesse nesse crime que mobilizou o país e chocou o mundo e, se não sabe, certamente sabe quem poderia saber.

No comando da intervenção federal na segurança do Rio, estava o general Braga Netto, depois chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro. No Ministério da Justiça, pontificava o ex-juiz Sergio Moro, que poderia ter mobilizado a Polícia Federal a pedido do interventor. Seria importante saber por que isso não aconteceu.

Quem também deveria ser ouvido é o ex-governador cassado Wilson Witzel, que tem muita coisa para contar, como mostrou a coluna de hoje do colega Chico Alves.

A tragédia de Marielle agora tem tudo para se tornar um caso emblemático, divisor de águas entre a punição exemplar de todos os envolvidos, de cima a baixo, e a velha impunidade que protege os poderosos. Mas é preciso ir até o fim, até o fundo do poço dos podres poderes que retardam a pacificação do país e são uma constante ameaça à democracia. A hora é agora.

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Se em apenas seis meses a investigação da Polícia Federal, agora sob o comando do ministro da Justiça Flávio Dino, já avançou mais do que seus antecessores em quatro anos e meio, é porque os autores intelectuais e materiais do crime tinham certeza da impunidade garantida nas instâncias superiores, acreditando no crime perfeito que não deixou vestígios.

Sabemos agora que vestígios havia, e não eram poucos, deixados ao longo da preparação e da execução do duplo assassinato. Uma vez encarcerados os mandantes, chegará a vez de quem os acobertou.

Vida que segue.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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