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Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

E agora, Lula: o que fazer com militares que sequestraram debate público?

Presidente Lula em café da manhã com jornalistas na semana passada: "Forças Armadas não são poder moderador como pensam que são"  -  O Antagonista
Presidente Lula em café da manhã com jornalistas na semana passada: "Forças Armadas não são poder moderador como pensam que são" Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

17/01/2023 18h13

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O que será feito para reconstruir o sistema de saúde desmontado por um general em plena pandemia?

Quais são os planos de emergência para recuperar a educação pública, vítima da guerra cultural bolso-olavista?

Como combater a fome, gerar empregos, voltar a construir moradias populares e estancar a destruição da floresta amazônica e do cerrado?

Que medidas urgentes devem ser tomadas para tocar obras abandonadas por toda parte, deixando estradas intransitáveis e colocando em risco quem mora nas encostas?

Quando será implantado um novo plano de segurança pública para devolver a paz às metrópoles e aos subúrbios controlado pelas milícias e pelo crime organizado?

Tudo isto deveria estar sendo discutido como prioridade absoluta nestes primeiros dias do novo governo, mas o debate público foi sequestrado pela questão militar, que culminou na tentativa do golpe de Estado do 8 de Janeiro, o dia da infâmia. Só quem deve estar gostando disso é o ex-presidente homiziado nos Estados Unidos.

A cada dia, à medida que as investigações avançam e surgem novos vídeos da invasão aloprada dos Três Poderes, fica mais evidente o papel desempenhado por militares e policiais militares da ativa e da reserva no "putsch" fracassado que destruiu parte do nosso patrimônio artístico, cultural e da memória nacional.

Parece que todos os espaços foram ocupados de um dia para outro para responder a apenas uma singela pergunta: o que fazer agora com os militares?

As colunas de leitores e as áreas de comentários da imprensa estão coalhadas de manifestações contra as Forças Armadas, como se toda a corporação estivesse envolvida nos recentes acontecimentos, mas o problema é maior, mais profundo e mais antigo. O fato é que uns atuaram diretamente na organização golpista; outros foram coniventes ou se omitiram.

O país adiou por muito tempo uma discussão sobre o novo papel das Forças Armadas em tempos de paz num mundo cibernético conectado e globalizado.

Tem algum país ameaçando as nossas fronteiras? Não tem, desde o fim da Guerra do Paraguai. mas áreas imensas foram escancaradas para a entrada do crime organizado em territórios indígenas e reservas florestais, onde corre solto o contrabando, a pesca predatória, a exploração de metais preciosos e de madeiras nobres.

Urge, portanto, devolver os militares às suas funções originais determinadas na Constituição, a começar pela defesa da soberania nacional, da assistência a povos desprotegidos e nas catástrofes naturais cada vez mais frequentes.

Durante todo o falecido governo Bolsonaro, os militares foram trazidos para o centro da arena dos debates públicos sobre assuntos que nada têm a ver com a caserna, como o processo eleitoral, o funcionamento das urnas eletrônicas, o "código fonte" e as relações internacionais, enfraquecendo o poder civil, a ponto de se colocar em dúvida o respeito ao resultado das eleições em que foi derrotado o candidato preferencial dos militares ainda comandados, na prática, pelo onipresente general Eduardo Villas Boas.

É isto que está na raiz dos acampamentos admitidos e protegidos pelos militares na frente dos quarteis, que resolveram tomar o poder a força no dia 8 de janeiro. As sequelas podem ser graves e durar um período prolongado, até que todos os fardados coniventes nesta operação paramilitar sejam investigados, denunciados e punidos.

Ainda hoje, os principais ministros civis do governo tiveram que ocupar seu tempo em conversações com os comandantes militares para saber que providências foram tomadas neste sentido. Mas, pelo que se sabe até agora, eles apenas apresentaram novas demandas para reequipar as Forças Armadas e receber mais recursos do orçamento federal, um poço sem fundo que aumenta a cada ano.

Sem nenhuma guerra à vista, com tantas demandas para restaurar as políticas públicas e os projetos sociais abandonados pelo governo findo, certamente o país precisa agora de mais comida na mesa dos brasileiros, mais educação, moradias e saúde, do que de tanques, caças e submarinos. O custo dessas extravagâncias, sem falar nos soldos, aposentadorias, privilégios e mordomias, já é alto demais.

Vida que segue.