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OPINIÃO

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De Caetés a Pequim, caravanas de Lula completam 30 anos da primeira viagem

20.jul.2022 - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou a réplica da casa em que ele viveu em Caetés (PE), durante a campanha no ano passado - Divulgação/Imprensa Lula
20.jul.2022 - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou a réplica da casa em que ele viveu em Caetés (PE), durante a campanha no ano passado Imagem: Divulgação/Imprensa Lula

Colunista do UOL

12/04/2023 11h57Atualizada em 12/04/2023 13h04

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Às 12h30 do dia 23 de abril de 1993, uma sexta-feira de muito calor, a comitiva de Lula, então ainda pré-candidato, chegava em voo comercial ao Recife (PE), para a primeira das já históricas Caravanas da Cidadania, que o acabariam levando à Presidência da República uma década depois, em 2003.

E as caravanas, pelo Brasil e pelo mundo, nunca mais pararam. Só mudaram as comitivas e os objetivos. Hoje, por exemplo, o presidente inicia mais uma viagem à China. Viajar muito e conversar com todo mundo, desde a criação do PT, tornou-se importante no modo Lula de fazer política.

Faz 30 anos. De lá para cá, de Caetés (PE), onde nasceu, a Pequim, o fundador do PT já cruzou o país de ponta a ponta um sem-número de vezes, com boa parte das viagens sendo feitas de ônibus, À frente da tropa que o hoje presidente, pela terceira vez, chamava de "nosso Exército Brancaleone", estava o decano dos assessores de Lula, Vander Bueno do Prado, que o acompanha desde a campanha derrotada para governador de São Paulo, no longínquo ano de 1982.

No aeroporto, Lula foi recepcionado pelo então prefeito do Recife, Jarbas Vasconcelos, do antigo PMDB, adversário do PT naquela disputa eleitoral. Eles eram bons amigos desde a Constituinte de 1988.

O encontro caloroso dos dois deu a primeira pista de que, desta vez, como repetiria no ano passado, Lula pretendia fazer uma campanha suprapartidária, depois de perder para Fernando Collor de Mello a eleição de 1989 — a primeira pelo voto direto após o fim da ditadura militar.

A ideia, apresentada por mim ao então candidato, mas não aprovada pelo partido na campanha anterior, era refazer por terra o trajeto percorrido num caminhão pau-de-arara por Lula, a mãe e irmãos, quando ele tinha 7 anos, em 1953, para fugir da seca e da fome, e encontrar o pai, que tinha partido de lá antes.

De Caetés, antigo distrito de Garanhuns, eles levaram 13 dias naquela época para chegar a Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá, onde o pai já vivia com outra mulher, o primeiro grande trauma da sua vida.

Desta vez, a viagem duraria quase o dobro do tempo, 24 dias, parando no caminho, em 48 cidades, a maioria das quais nunca tinha visto de perto um candidato a presidente.

O objetivo era exatamente esse: ouvir as demandas dos brasileiros destes municípios dos fundões do país, saber como eles vivem e o que esperam do poder público, para incorporar ao programa de governo da Frente Brasil Popular formada em torno do petista.

Quem se lembrou da data comemorativa foi minha amiga Luciana Fragato, a guardiã da memória das caravanas, mulher de Vander e secretária de Lula no Instituto da Cidadania (por ele criado entre uma campanha e outra, para elaborar políticas públicas), em mensagem que enviou ao professor José Graziano da Silva, então assessor econômico e mais tarde ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA), no primeiro mandato.

Graziano, que participou de todas as caravanas da campanha de 1994, levaria esta experiência para o governo, em 2003, e depois para a FAO, órgão da ONU para Agricultura e combate à fome, onde exerceu o cargo de diretor-geral de 2012 a 2019. Ele lembra:

De alguma maneira, aquelas caravanas significaram a descentralização da atividade política convencional. Criamos um novo método para elaborar nossos projetos, levando técnicos, acadêmicos e políticos do partido para conhecer a vida real do povo daquelas pequenas cidades do interior. Nossas propostas foram elaboradas de baixo para cima, partindo de experiências bem-sucedidas da agricultura familiar para reproduzi-las pelo país inteiro. O Projeto Fome Zero nasceu assim".

Antes de iniciar a viagem inaugural, que atravessou o Brasil de norte a sul em 1993, Lula comandou um debate na sede da Sudene, no Recife, sobre o tema "O Nordeste tem futuro", que contou com a participação de Cássio Cunha Lima, superintendente da instituição criada por Celso Furtado no governo de João Goulart, e de Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, bispo de Afogados da Ingazeira e então vice-presidente da CNBB.

Em Garanhuns, reuniu-se com prefeito, vereadores e lideranças populares, e participou da abertura das "Garanheta", uma festa popular, o roteiro-padrão que se repetiria por todos os lugares percorridos na caravana. No dia seguinte, a comitiva foi a Caetés visitar a casa de pau-a-pique onde Lula nasceu, no sitio Vargem Comprida (ver foto), e à noite ele foi a um jantar com familiares que ainda viviam lá. Foi servido um belo bode assado na brasa, acompanhado de farinha de mandioca torrada e macaxeira cozida.

Na segunda-feira, 24 de abril, finalmente os dois ônibus fretados da São Geraldo (um para a comitiva, outro para a imprensa, que pagou suas despesas) pegaram a estrada em direção a Canapi, já em Alagoas (156 km de asfalto e 13 km de terra), uma viagem que levou três horas e meia, e foi interrompida no meio do caminho por flagelados de Águas Belas, que fecharam a estradas para pedir água e comida — uma cenário do Brasil real com o qual cruzaríamos várias vezes ao longo do trajeto até chegar a São Paulo.

Do ônibus da imprensa, desceu o jornalista Zuenir Ventura, hoje imortal da Academia Brasileira de Letras, que deixou a comitiva partir para ficar ali mesmo e fazer uma belíssima reportagem sobre as condições de vida (e morte severina) daquele povo nos grotões do país, publicada no extinto Jornal do Brasil.

Canapi era a cidade natal da ex-primeira dama Rosane Collor, mas Lula foi recebido lá como um filho da terra, com muitas festa e rojões, e os moradores correndo atrás dos ônibus, desde a entrada do município até o palanque, uma cena que também se repetiria nos dias seguintes. Depois, a caravana ainda parou em Água Branca e Xingó, onde Lula se encontrou com trabalhadores e representantes de entidades no Clube Pajuçara, antes de estacionarem os ônibus em frente a um hotel, às 10 da noite, para jantar e dormir.

Essa seria a nossa rotina nos 23 dias seguintes, até chegarmos, no dia 16 de maio, um domingo, às 15h30, a Vicente de Carvalho, no Guarujá, onde terminou a caravana pioneira.

*

Dez anos depois, no dia 1º de janeiro de 2003, o filho de Caetés subiria pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, e não pararia mais de viajar, só que agora pelo mundo. Mas certamente ele nunca irá esquecer desta primeira caravana, onde a longa jornada começou.

Vida que segue.