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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Jornalismo ou entretenimento? Bordões e lacrações, vale tudo por audiência?

Ana Maria Braga chorou de rir com conselho "sincerão" no Mais Você: o exemplo mais bem sucedido na passagem do jornalismo para o entretenimento - Reprodução/Globoplay
Ana Maria Braga chorou de rir com conselho 'sincerão' no Mais Você: o exemplo mais bem sucedido na passagem do jornalismo para o entretenimento Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista do UOL

02/05/2023 12h30

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Faz algum tempo que venho refletindo sobre os rumos tomados pelo nosso ofício nos últimos tempos num país dividido ao meio, em que se acirra a luta por atenção, likes e audiência, em todas as plataformas, sem falar nas fake news das milícias digitais.

Neste vale tudo, repórteres estão dando lugar a influencers, especialistas, analistas, comentaristas e colunistas, que vão transformando o velho jornalismo em novo entretenimento e deixando a informação em segundo plano. Sai mais barato e rende mais dinheiro para profissionais e empresas em busca de publicidade, cada vez mais pulverizada na miríade de novas mídias.

O que se chama de "jornalismo profissional" para produzir "informação de qualidade", está saindo de moda, ou as palavras perderam seu sentido original.

Custa muito caro e não é garantia de audiência e faturamento. Reportagens investigativas, ou mesmo a simples cobertura rotineira "in loco" dos acontecimentos do dia, por vezes, criam problemas para as empresas, em conflito com seus interesses, além de exigir investimentos em recursos humanos, viagens, pesquisas, novos equipamentos e tecnologias, o que explica a crescente migração do jornalismo para o entretenimento.

Fica cada vez mais difícil separar uma área da outra - notícia, de opinião; análise, de fofoca; "furo" (informação exclusiva), de "barriga" (informação falsa).

O conteúdo duvidoso e o estilo ligeirinho dos "jornalistas" de redes sociais, em que só importa o título atraente, rapidamente foi incorporado pela imprensa tradicional, que hoje tem mais colunas do que a Grécia Antiga, carregando junto todo o estoque de bordões, lacrações e outras iscas de likes e audiência.

Consequência direta dessa transformação é a quantidade de fontes anônimas das matérias publicadas, sempre em "off", que infestam a imprensa falada e escrita, permitindo qualquer elucubração ou manipulação pelos seus autores, já que não podem ser desmentidos por quem não tem seu nome citado na matéria.

Desapareceu a diferenciação que havia entre a linguagem oral, mais livre, e os textos escritos, mais elaborados, até porque hoje proliferam os profissionais "multimídia", que atacam em todas as frentes: TV, rádio, jornal, internet, magistério, bulas de remédio, comerciais, mestres de cerimonia, e o que mais vier para faturar.

Na TV Globo e em algumas outras empesas, jornalistas ainda são proibidos de estrelar comerciais, mas imediatamente liberados quando passam para o entretenimento. Como não há mais uma linha divisória clara separando Estado (redação) e Igreja (departamento comercial), o consumidor fica vendido, literalmente, na história, sem saber com quem exatamente está falando.

Embora tenha pensado muito em tudo isso, não tenho ainda uma explicação para o fenômeno, um bom tema para estudos e pesquisas nas faculdades de comunicação social, que poderiam levar em conta essas mudanças na elaboração dos currículos. Por exemplo: quais os limites éticos e consequências para a sociedade com a passagem do jornalismo para o entretenimento? Que influencia isso terá na escolha de suas áreas de atuação pelos jornalistas do futuro? Vão querer ser Caco Barcelos ou Ana Maria Braga?

Anotei apenas alguns sinais dessa mudança. Partindo do principio de que circulação ou audiência vinham caindo porque a pauta do veículo tratava com muita seriedade assuntos considerados chatos e pesados, como violência nas escolas, garimpos clandestinos em terra indígenas, desigualdade social, papel dos militares em tempos de paz, as várias lutas por direitos, a volta do trabalho escravo em larga escala, a nova geopolítica mundial e outros problemas menores, não sei quem resolveu mudar o cardápio oferecido à freguesia.

Em nome de dar mais "leveza" à pauta, ganharam espaço curiosidades, aberrações, absurdos, tipos folclóricos, perversões e essas brincadeiras de quinta série que facilitam o uso de bordões e lacrações. Descobriram também que o noticiário era mal-humorado e, portanto, era preciso abrir espaço para brincadeiras e gracinhas, dando um respiro ao freguês.

Isso começou nas editorias de esportes e logo chegou a todas as outras. O problema é que nem todos os jornalistas passaram a ter talento para o humor de um dia para outro e o que se viu foi um festival de "private jokes" entre eles, que só eles entendem e acham engraçadas. Ficaram ainda mais chatos.

Ninguém sabe no que tudo isso vai dar, mas é bom prestar atenção.

Vida que segue.