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Camilo Vannuchi

Padre Júlio Lancellotti ganha prêmio de Direitos Humanos

Retrato do padre Júlio Lancelotti durante distribuição de alimentos na Paróquia Sao Miguel Arcanjo, no bairro da Móoca - Ricardo Matsukawa/UOL
Retrato do padre Júlio Lancelotti durante distribuição de alimentos na Paróquia Sao Miguel Arcanjo, no bairro da Móoca Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

Colunista do UOL

10/12/2020 20h50

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Foram 15.598 indicações para Júlio Lancellotti, de um total de 16.643 sugestões recebidas pela Prefeitura de São Paulo entre outubro e novembro. Um recorde.

Aos 71 anos, o pároco da Igreja São Miguel Arcanjo, na Mooca, vai receber nesta sexta-feira (11) o 7º Prêmio de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns. O troféu - um pesado disco de aço com quase meio metro de diâmetro elaborado pela artista plástica Tomie Ohtake - será entregue em cerimônia restrita a convidados no auditório da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, às 15h, com transmissão ao vivo no Facebook e no YouTube da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), responsável pelo prêmio.

A homenagem vem em ótima hora. Coordenador da Pastoral do Povo da Rua, Padre Júlio tornou públicas as ameaças que têm recebido durante o trabalho pastoral. Em janeiro deste ano, três jovens em situação de rua relataram que policiais teriam afirmado a eles, em tom ameaçador, que "a hora do Padre Júlio vai chegar". O caso foi parar na Corregedoria da Polícia Militar. Em setembro, o próprio padre registrou um boletim de ocorrência depois de ter sido ameaçado, verbalmente, por um motoqueiro. E reclamou de uma suposta campanha de difamação promovida nas redes sociais pelo então candidato a prefeito Arthur do Val, o Mamãe Falei, que é membro do MBL e YouTuber. No Twitter, o político do Patriota o acusou de ser um "cafetão da miséria" e afirmou que "o que o Padre Lancellotti faz é DEPLORÁVEL", assim mesmo, com letras maiúsculas. "Vou DESMASCARAR esse Padre", postou, novamente em caixa alta. O tuíte de 15 de setembro teve mais de 2 mil curtidas e 1,7 mil comentários.

Poucos dias após registrar o boletim de ocorrência, em 10 de outubro, Padre Júlio atendeu ao telefone. Era uma chamada do Papa Francisco, que ligou para prestar solidariedade. Segundo um comunicado divulgado pela Arquidiocese de São Paulo, o Papa disse saber das dificuldades pelas quais Padre Júlio vem passando e pediu para ele não desanimar. "Façamos sempre como Jesus, estando junto dos mais pobres", Francisco teria recomendado.

Padre Júlio tem sido um incansável defensor das camadas mais vulneráveis da sociedade, sobretudo da população em situação de rua, dos dependentes químicos e dos transexuais em São Paulo. Sua atuação busca recuperar a dignidade e garantir os direitos fundamentais dessa gente - alimentação, saúde, moradia, integridade física e acompanhamento psicológico - para homens e mulheres há muito marginalizados por um sistema econômico perverso, que banaliza a exclusão, compactua com a fome e autoriza um abismo social cada vez mais severo.

A trajetória de Padre Júlio nos ensina que defender os vulneráveis não é sinônimo de dar esmola. É preciso promover direitos e difundi-los. Acima de tudo, não reproduzir ou condescender quando o Estado comete violações de direitos, seja na forma de violência física ou de agressões simbólicas. Vem daí a opção de Padre Júlio não apenas pelos pobres - em sinergia com a tradição católica enunciada no Concílio Ecumênico Vaticano II, na primeira metade dos anos 1960, e fortalecida pelos teólogos da libertação na década seguinte - mas especialmente pela comunidade LGBT e pelos adictos concentrados na região da Cracolândia.

Para Claudia Carletto, secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Padre Júlio é uma referência na área dos direitos humanos, "em especial na defesa dos direitos da população em situação de rua, que neste ano ficou ainda mais fragilizada por conta da pandemia". Margarida Genevois, ganhadora do prêmio no ano passado, considerou "fantástica" a escolha de Padre Júlio. Aos 97 anos, Margarida tem o hábito de assistir às missas de Padre Júlio, pela internet, todo domingo. "Para mim, ele é uma espécie de santo. Uma pessoa tão coerente, tão dedicada. Eu o admiro muito, o acho um cara formidável. Muito merecido".

A cerimônia de entrega do Prêmio de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns está marcada para as 15h desta sexta-feira, 11 de dezembro, juntamente com a entrega do 5º Prêmio de Direito à Memória e à Verdade Alceri Maria Gomes da Silva, que neste ano será conferido a Anivaldo Padilha. Duas menções honrosas serão dedicadas a Dodora Arantes e à ONG Central Única das Favelas (Cufa). O evento será transmitido ao vivo pelo YouTube da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e pela página da Secretaria no Facebook.