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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O voto útil e o voto envergonhado decidirão a eleição

Os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) - Ricardo Stuckert e Alan Santos/PR
Os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Ricardo Stuckert e Alan Santos/PR

Colunista do UOL

22/09/2022 04h00

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Com exceção de Ciro Gomes, que se diz convencido de que estará no segundo turno, estamos todos mais ou menos cientes de que apenas dois candidatos seguem na disputa presidencial. A dez dias do pleito, o que se comenta no elevador ou no balcão da padaria, o que se discute nos grupos de WhatsApp ou no corredor da faculdade, é se a fatura estará liquidada no próximo dia 2 ou se teremos um segundo round entre Lula e Bolsonaro.

Nesta reta final, cada movimento no xadrez político pode causar alterações importantes nas pesquisas de intenção de voto e, como uma bola de neve, pressionar o eleitorado para um lado ou para o outro. Na mais recente pesquisa DataFolha, divulgada na semana passada, Lula tinha 45% e Bolsonaro tinha 33% das intenções de voto. Uma nova rodada está prevista para esta quinta-feira (22).

A viagem de Bolsonaro a Londres, o riso rasgado ao cumprimentar o novo rei, a fotografia ao lado da primeira-dama junto ao livro de condolências em homenagem à rainha, os argumentos apresentados durante seu discurso na ONU, tudo isso é levado em consideração pelo eleitor para consolidar sua escolha, a favor ou contra o presidente.

Da mesma forma, declarações de voto feitas por famosos, decisões do TSE para retirar sites e posts do ar, participações em entrevistas e debates, trocas de acusações entre os adversários e os reflexos de medidas econômicas como a queda nos preços da gasolina e o depósito do Auxílio Brasil nas contas dos cidadãos têm o condão de contribuir para aumentar ou reduzir a confiança neste ou naquele candidato.

Sem desmerecer todos esses aspectos, é importante ter em mente que, na atual conjuntura, diante de um processo sucessório em que os líderes das pesquisas são velhos conhecidos dos eleitores, nenhum fator pesa tanto quanto o chamado voto útil, aquele que se dá de olho no resultado, muitas vezes diante da opção deliberada por abdicar do candidato de preferência para fortalecer uma segunda opção, "menos pior", e evitar a vitória daquele por quem se tem a maior rejeição. Ou seja: quando se vota em alguém para impedir que outro vença.

Às portas da última semana antes da eleição, é muito provável que milhares de votos desembarquem da terceira via, essa ideia que não deu certo, como os planos infalíveis do Cebolinha, e se acomodem de forma a beneficiar Lula ou Bolsonaro, conforme os ânimos, os humores e as preferências do cidadão "nem-nem", macambúzio e desorientado, que ainda nutria alguma esperança de eleger seu candidato de estimação.

Não à toa, os institutos de pesquisa têm se debruçado sobre esse tema. Segundo a mais recente rodada feita pela Genial/Quaest e divulgada nesta quarta-feira (21), por exemplo, 83% dos eleitores de Lula e 81% dos eleitores de Bolsonaro estão certos de suas escolhas, ou seja, não vêm chance de mudar até o dia 2. Entre os eleitores do Ciro, no entanto, esse percentual cai para 47%. Entre os que se dizem propensos a votar em Simone Tebet, apenas 44% estão convictos.

Esses números são eloquentes. Em outras palavras, indicam que mais da metade de seus eleitores pode virar a casaca, trocar de time, mudar de lado. As campanhas de Lula e Bolsonaro se agarram nessa hipótese e investem no "vira voto", principalmente a de Lula, maior beneficiário da migração de última hora. Hoje, o objetivo de Bolsonaro é garantir que haja segundo turno, o que será alcançado da mesma forma se os adversários minoritários mantiverem os pontos percentuais indicados nas pesquisas.

A transferência de uma quantidade significativa de votos para Lula, por sua vez, pode forçar uma vitória no primeiro turno. Daí a pressão que vem ganhando corpo nas redes e nas ruas. "Por que deixar para amanhã o que se pode fazer hoje?", argumentam os apoiadores do ex-presidente, de olho principalmente nos eleitores de Ciro. Se esse movimento terá sucesso, apenas as próximas pesquisas - e as urnas - poderão dizer.

Há, no entanto, uma segunda categoria de voto, menos comentada do que o voto útil, que também poderá influenciar a campanha na reta final. Trata-se do voto envergonhado, uma modalidade que acomete aqueles que não declaram sua preferência nem mesmo para o instituto de pesquisa, mas crava nas urnas na hora agá. As razões desse tipo de voto são menos claras e evidentes do que as que movem o voto útil. Mas estão lá, guardadas com discrição, contribuindo em alguma medida para movimentar os índices nos últimos dias.

É este o caso, hoje, de quem vê tantas notícias negativas relacionadas a Bolsonaro, tantas denúncias de movimentação suspeita de dinheiro, como no caso das rachadinhas e da compra de 51 imóveis pela sua família, pagos parcialmente em dinheiro vivo, ou mesmo as reiteradas declarações públicas eivadas de ignorância e preconceito, em tom jocoso ou perverso, e mesmo assim está convencido de que o presidente é o melhor candidato, pelo menos em comparação com Lula. O bolsonarista envergonhado não alardeia sua preferência em público, não está disposto a debater ou justificar seu voto, não encara o ônus de ser chamado de gado, bolsomínion, racista, misógino ou fascista.

Já o lulista envergonhado, em geral, orbita em ambientes regidos pelo entusiasmo com o atual governo e pela ode ao mito. Ou prefere não ser lembrado da prisão, das condenações em mais de uma instância, do tríplex no Guarujá, do sítio em Atibaia, da devassa provocada pela Lava Jato, de casos mais antigos, como o escândalo do mensalão ou o alardeado fracasso da quarta gestão petista, varrida de Brasília com requintes de intolerância e ilegalidade. O lulista enrustido prefere ficar na miúda, discreto. Quando o chefe cobra apoio ao Bolsonaro, o lulista enrustido faz cara de paisagem e acena positivamente com a cabeça. "É claro, meu patrão. Deus acima de todos".

Nos anos 1980 e 1990, o voto envergonhado costumava dar um empurrãozinho de última hora nas candidaturas petistas. Havia uma resistência generalizada a declarar o voto no operário barbudo e nos demais candidatos de um partido de esquerda no qual se reuniam sindicalistas, artistas e ex-presos políticos. Preconceito semelhante sofriam as candidatas mulheres. Luiza Erundina, então no PT, era a quarta colocada segundo as pesquisas até as vésperas da eleição que a tornou a primeira prefeita de São Paulo, em 1988. Dez anos depois, o segundo turno para governador do estado foi disputado entre os candidatos Mário Covas, do PSDB, e Paulo Maluf, do PDS, após uma intensa campanha pelo voto útil no primeiro, sob a justificativa de afastar o risco de vitória do segundo. Concluída a apuração, observou-se que Marta Suplicy, a candidata do PT, terminara a corrida menos de meio ponto atrás de Covas. Beneficiado pelo voto útil, ele totalizou 22,95% dos votos enquanto ela, beneficiada pelo voto envergonhado, somou 22,51%, um resultado que não havia sido previsto por nenhum instituto.

Hoje, após quase um decênio de criminalização do PT, uma onda que começou em 2013 com as jornadas de junho e se intensificou a partir do ano seguinte com o "não vai ter copa", a Lava Jato e o questionamento do resultado das urnas, é provável que ainda haja um volume significativo de votos envergonhados no PT. Resta saber, após quase quatro anos do pior governo que o Brasil já teve, se esses votos represados superam os votos envergonhados em Jair Bolsonaro.

Colocados lado a lado na balança, votos úteis e envergonhados definirão o resultado da disputa. E o que faremos da vida nas quatro semanas seguintes.