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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você passou no teste da farinha?

Colunista do UOL

17/11/2022 04h00

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Se você riu ao ler o título desta coluna, então você sabe do que estou falando. Se você tremeu de medo, ódio ou nojo, também.

Nesta quinta-feira (17), às 20h, e nesta sexta-feira (18), às 19h30, somente no Centro Cultural São Paulo, o Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade exibe o curta "O Teste da Farinha", do cineasta brasileiro radicado no Reino Unido Victor Fraga.

Classificada como documentário-ficção e incluída com outros quatro curtas na seção "Comedy Queers", a comédia documental de 19 minutos recorre às memórias de três depoentes, apresentados como testemunhas oculares da história, para denunciar uma suposta prática vexatória habitual nos anos de chumbo.

Conta-se que jovens recrutas, recém-convocados para o serviço militar, conviviam com uma ameaça permanente: submeter-se ao referido teste. Fato ou lenda, a prova de fogo consistiria em despir-se, quase sempre diante de outros recrutas, e sentar-se num monte de farinha previamente colocado num banco de madeira ou no chão do quartel.

Ainda conforme a crônica dos anos 1960 e 1970, concluída a sentada, cabia a um sargento periciar a forma exata do carimbo anal com a missão de lhe contar as pregas. Dependendo do número de ruguinhas —e, por extensão, da forma do vulcão esculpido em pó branco—, os recrutas eram divididos em dois grupos: os que, aparentemente, mantinham intacto o fiofó, e os que já haviam feito uso recreativo da porta dos fundos.

O teste da farinha atravessou a segunda metade do século passado entre o trauma e o chiste. Para muitos, violência de Estado, abuso de autoridade, homofobia recreativa, humilhação: E se me pegam? E se me faltam as tais pregas, mesmo sem nunca ter saído da linha nem feito uso dessas libertinagens? Ficar pelado, assim, na frente dos outros, submetido a algo tão invasivo? Para outros, humor, travessura, peraltice, piada.

Conhecido também como exame da goma de Pernambuco para cima, o teste da farinha já foi cantado em álbum de Chico Buarque. "Só tem saída, entrada neca", garantia Moreira da Silva na saudosa gravação.

Hoje, o teste da farinha caiu em desuso, se não como prática, pelo menos como figura de linguagem. Não faz muito tempo, o novelista Aguinaldo Silva comentou sobre o assunto numa rede social. "Ontem eu percebi o quanto sou antigo: foi quando falei durante uma reunião social do 'teste da farinha' e ninguém sabia o que era", escreveu.

Caiu em desuso, mas, segundo o documentário-ficção de Victor Fraga, corre o risco de voltar, reabilitado pelo clamor da mesma gente de bem que pede intervenção militar e invasão do STF. Provavelmente, essas pessoas acreditam que teste da farinha é liberdade de expressão, um aliado na luta anticomunista.

Ainda segundo o curta-deboche, quem pede a volta do teste é o próprio Bolsonaro, o presidente em fim de carreira que, com o perdão do trocadilho, está só o pó da rabiola. "Este filme é uma alegoria grotesca do Brasil de Bolsonaro", resumiu o diretor, em entrevista para o canal do Festival FIXE.

"O Teste da Farinha" é recomendável para maiores de 14 anos.