Topo

Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Renan articula traição do PSDB a grupo de Lira e atiça 'guerra' em Alagoas

Renan Calheiros e Arthur Lira - Arte/UOL
Renan Calheiros e Arthur Lira Imagem: Arte/UOL

Colunista do UOL

11/06/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A articulação do senador Renan Calheiros (MDB) para atrair o PSDB ao palanque da candidatura à reeleição do governador Paulo Dantas (MDB) e de seu filho ao Senado esquentou a guerra política em Alagoas entre emedebistas e o grupo liderado pelo deputado federal Arthur Lira (PP).

Apesar de não ser candidato, Renan está com foco total nas eleições alagoanas. Ele tirou licença neste mês —e até a eleição— do Senado para coordenar as articulações das candidaturas de Dantas e do ex-governador Renan Filho (MDB), que tentará a única vaga alagoana de senador, após renunciar ao cargo no Executivo estadual em abril.

Com a desistência do senador Fernando Collor (PTB) de tentar a reeleição, já que ele preferiu disputar o governo, Renan Filho é visto como amplo favorito à vaga.

Mas, para ter o apoio do PSDB, o grupo de Renan precisa fazer com que ele rompa um acordo pré-firmado para apoiar o principal candidato rival do grupo dos Calheiros, o senador Rodrigo Cunha (União Brasil), que é apoiado por Lira.

Dança das cadeiras

Segundo apurou a coluna, houve um acordo ainda no final do ano passado, que envolveu uma dança das cadeiras na janela partidária.

O candidato ao governo do grupo, Rodrigo Cunha, deixou o PSDB para se filiar ao União Brasil e comandar o partido de olho em um maior tempo de propaganda e verba do fundo partidário. Para isso, contou com articulação de Lira em Brasília.

Para não deixar o PSDB sem um candidato na chapa, ficou acordado que a deputada estadual Jó Pereira, então filiada ao MDB, deixaria o partido para se filiar ao PSDB e ser indicada como vice de Cunha. O nome dela já era dado como certo na chapa antes mesmo do acordo.

Jó é nome estratégico pela força política na zona da mata do estado, além de ser uma aliada antiga e pessoa de confiança de Cunha desde os tempos de Assembleia Legislativa. O nome dela teve o aval de Lira, primo da deputada.

A chapa de Cunha conta ainda com apoio do PSB, liderado em Alagoas pelo prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC. Outros partidos, como o PDT, também podem se somar à aliança.

A possível traição deixou Lira tão indignado que ele foi a suas redes sociais dizer que, se o acordo não fosse cumprido em Alagoas, o PSDB iria perder o apoio do União Brasil e do Progressistas em São Paulo, onde Rodrigo Garcia tenta a reeleição.

Sobre o imbróglio, Rodrigo Cunha disse que os Calheiros "jogam sujo contra a combativa e atuante deputada Jó Pereira" para impedi-la de ser candidata à vice ao seu lado. "Eles estão incomodados com o time que estamos formando para destroná-los do poder", afirma à coluna.

Ele diz ainda que tem um bom diálogo com o PSDB nacional e aposta que as conversas terão desfecho positivo. "Jó Pereira é amiga e companheira de batalhas desde a época em que fui deputado estadual. Estamos caminhando juntos, e não é de hoje. Nosso nome para vice-governadora é o de Jó Pereira", disse.

Senador Rodrigo Cunha, que será candidato ao governo com apoio de Arthur Lira  - Waldemir Barreto/Agência Senado  Fonte: Agência Senado - Waldemir Barreto/Agência Senado  Fonte: Agência Senado
Senador Rodrigo Cunha, que será candidato ao governo com apoio de Arthur Lira
Imagem: Waldemir Barreto/Agência Senado Fonte: Agência Senado

A coluna procurou o presidente do PSDB nacional, Bruno Araújo, mas ele não respondeu sobre o imbróglio.

Entrave tem nome e sobrenome

O entrave do PSDB ocorre porque o deputado federal Pedro Vilela (PSDB), sobrinho do ex-governador Teotonio Vilela Filho e que hoje detém o comando do partido no estado, ficou isolado na disputa proporcional e suas chances de conseguir renovar o mandato na Câmara são consideradas muito baixas.

"O Teotônio aceitou a proposta e, se depender dele e do Renan, o PSDB faz união com o MDB", afirma o cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

"Pedro Vilela se encaixa em um mandato como suplente, mas com chances reais de assumir como senador", completa.

A ideia de suplência é atraente e abre duas possibilidades de ele assumir: em caso de uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Renan Filho é cotado para assumir um ministério. Ele também é cotado para ser novamente candidato ao governo do estado em 2026, o que daria quatro anos de mandato a Vilela.

Caso tente a reeleição, Vilela vai enfrentar dificuldades especialmente porque a principal puxadora de votos do partido na eleição passada —a deputada federal Tereza Nelma— deixou o PSDB para se filiar ao PSD. Não há outro nome de peso hoje no partido para concorrer ao cargo.

Em postagem após os ataques de Lira, Vilela cobrou a reciprocidade de um acordo e foi retrucado pelo presidente da Câmara.

Mais troca de farpas

Renan confirmou à coluna que o MDB convidou ao PSDB a indicar o suplente do senador na chapa, mas também deu outra opção: indicar o candidato a vice-governador de Paulo Dantas.

O senador voltou a atacar Lira ao dizer que ele "tomou" o União Brasil dos deputados estaduais, que esperavam vaga na legenda, e que por isso, "o MDB filiou 17 deputados na última janela partidária".

"Ele combinou secretamente de o Rodrigo Cunha ir ao União Brasil no último dia da filiação. Também filiou a deputada Jó, que era secretária do MDB, no último dia, levando-a para um PSDB esvaziado", diz.

Questionado se o PSDB desembarcar da candidatura de Rodrigo seria uma traição, Calheiros rebateu. "Traição foi [Arthur Lira] ter levado Rodrigo do PSDB para o União, sorrateiramente anunciado no último dia. Ele agora já ameaçou [retirar apoio em SP], falou mal do Pedro e do Teotonio", afirma.

Para Calheiros, o PSDB "sempre foi aliado do MDB" em Alagoas e tem identidade com o partido. "Estávamos juntos duas vezes [na eleição] do Teotonio Vilela para o governo do estado. Em 2002, apoiamos José Serra à Presidência, e Alagoas foi o único estado em que ele ganhou nos dois turnos do Lula", conta. Na verdade, na reeleição de Teotonio, em 2010, Calheiros apoiou a candidatura de Ronaldo Lessa (PDT).

Também em conversa com a coluna, Lira rebateu ao senador Renan Calheiros, a quem diz ser "acostumado a trair os amigos e tentar jogá-los ao ostracismo".

"Os Renans passaram 15 anos falando mal do PSDB em Alagoas. Chamaram os governos do PSDB de atraso, que receberam uma herança maldita etc. E o PSDB foi oposição durante os oito anos da gestão Renan Filho. Essa foi uma das razões que fez a deputada Jó Pereira aceitar o convite do PSDB para ingressar no partido", assegura.

Sobre a ida de Rodrigo Cunha para o União Brasil, ele diz que foi algo conversado entre Progressistas, PSDB, PSB, além de outros partidos.

"Todos têm um histórico nos últimos 15 anos de oposição ao calheirismo, por tudo que eles representam. Portanto, estranho é o senador Renan querer posar de grande amigo do PSDB depois de tudo que falou contra o partido", finaliza.

Após a publicação da reportagem, Pedro Vilela divulgou uma nota afirmando que "não há qualquer traição por parte do PSDB de Alagoas".

"Existe sim, uma insatisfação por parte do PSDB, como também do Cidadania, acerca da condução política feita pelo pré candidato a governador do União Brasil, Senador Rodrigo Cunha. Em especial, em relação ao compromisso assumido de consolidação de uma chapa visando a eleição de pelo menos um deputado federal através da federação PSDB/Cidadania", diz.

O deputado federal alega ainda que o compromisso foi "feito com o testemunho do Presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, tendo em vista o interesse do Senador Rodrigo Cunha em ter o partido como aliado em seu projeto eleitoral de 2022, mesmo tendo deixado o PSDB no último dia do prazo legal, para ingressar no União Brasil".

"O momento é de diálogo interno entre os membros do PSDB e do Cidadania para reflexão sobre qual o melhor caminho para Alagoas e aquele que mais respeita a federação", finaliza Pedro Vilela.

Arthur Lira e Renan Calheiros trocam farpas - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Arthur Lira e Renan Calheiros trocam farpas por liderança política alagoana
Imagem: Arte/ UOL

Questão virou nacional

Ranulfo Paranhos diz que Arthur Lira decidiu usar força em Brasília e nacionalizou a eleição em Alagoas justamente para tentar reverter a traição por meio de uma atuação do PSDB nacional.

"Essa é a rodada [eleição estadual] de estreia do Arthur Lira como 'grande líder' nacional. Ele não quer perder no estado dele, mas Renan está interessado em minar a força de Arthur em Alagoas", diz.

A disputa é uma prévia de 2026, já que Renan e Arthur têm um duelo pré-marcado daqui a quatro anos, quando Lira prometeu disputar uma cadeira ao Senado (no mesmo ano em que Calheiros pai tentará renovar seu mandato).

No caso da deputada Jó Pereira, o cientista político diz que a saída dela do MDB para o PSDB ocorreu somente pela garantia de que seria candidata como vice na chapa de Cunha. Agora, ela pode enfrentar dificuldades.

"Como ela não tem força no partido, fica impedida de ser lançada vice e consequentemente estraga os planos de Arthur Lira de ter sua prima na chapa. Se isso ocorrer, Jó fica até em dificuldade em se eleger deputada estadual", finaliza.

A coluna também procurou Jó Pereira, mas ela não quis dar entrevistas.