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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ataque até do PCC: invasões a Terras Indígenas triplicam sob Bolsonaro

Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em setembro de 2021 - Verônica Holanda/Cimi
Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em setembro de 2021 Imagem: Verônica Holanda/Cimi

Colunista do UOL

17/08/2022 15h30Atualizada em 17/08/2022 18h55

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As invasões, os danos e a exploração ilegal de TIs (Terras Indígenas) pelo país triplicaram em apenas três anos e alcançaram 305 ocorrências em 2021, atingindo pelo menos 226 territórios de 22 estados brasileiros.

Em muitos casos, os relatos apontam a presença de homens armados e até do PCC (Primeiro Comando da Capital) nesses locais, ameaçando os povos originários.

O dado vem do relatório "Violência contra os Povos Indígenas do Brasil - Dados de 2021", divulgado nesta tarde pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade da Igreja Católica ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

O número de casos vem crescendo ao longo dos últimos anos, já que órgãos de proteção têm abandonado a fiscalização dessas áreas. Em 2018, ano antes da posse de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência, foram contabilizados 109 casos.

Casos por ano:

  • 2021 - 305
  • 2020 - 263
  • 2019 - 256
  • 2018 - 109
  • 2017 - 96
  • 2016 - 59

Ao todo, em 2021, os registros somaram 1.294 casos de violência contra o patrimônio dos povos indígenas, divididos assim:

  • Omissão e morosidade na regularização de terras - 871 casos
  • Invasões, exploração ilegal de recursos e danos - 305 casos
  • Conflitos relativos a direitos territoriais - 118 casos

Além de mais casos e terras afetadas pela ação ilegal de garimpeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e grileiros, entre outros, "os invasores intensificaram sua presença e a truculência de suas ações nos territórios indígenas", aponta o Cimi.

Segundo o relatório, foram 355 casos contra pessoas indígenas em 2021 —maior número registrado desde 2013, quando o método de contagem dos casos foi alterado. Ou seja, em média houve quase um caso por dia catalogado no país no ano passado.

Casos de violência foram divididos da seguinte forma:

  • Assassinatos - 176
  • Ameaças várias - 39
  • Abuso de poder - 33
  • Lesões corporais dolosas - 21
  • Racismo e discriminação étnico cultural - 21
  • Homicídio culposo - 20
  • Ameaça de morte - 19
  • Violência sexual - 14
  • Tentativa de assassinato - 12

Casos chamam atenção

Entre tantos casos, dois chamaram a atenção do Cimi e são destacados no relatório.

No Pará, garimpeiros armados que atuam ilegalmente na TI Munduruku atacaram a sede de uma associação de mulheres indígenas, tentaram impedir o deslocamento de líderes do povo para manifestações em Brasília, fizeram ameaças de morte e chegaram a queimar a casa de uma liderança, em represália a seu posicionamento contra a mineração no território.

Casa de Leusa Munduruku incendiada após um ataque - Cimi - Cimi
Casa de Leusa Munduruku incendiada após um ataque
Imagem: Cimi

Na TI Yanomami, onde é estimada a presença de mais de 20 mil garimpeiros, os invasores passaram a realizar ataques armados sistemáticos contra as comunidades indígenas, espalhando um clima de terror e provocando mortes, inclusive de criança, diz o relatório.

Um dos ataques citados ocorreu no dia 10 de maio contra a comunidade Palimiú. "Lideranças relataram que o ataque foi feito por invasores ligados à facção criminosa originada em São Paulo e conhecida como PCC, que domina o tráfico de drogas em Roraima e estaria operando em garimpos ilegais de ouro dentro da TI."

Os indígenas foram surpreendidos pelo ataque e relataram que foi diferente de tudo o que já haviam vivenciado na região; segundo os relatos, os garimpeiros estavam de preto e alguns estariam, inclusive, vestindo roupas com a inscrição 'polícia'."
Relatório do Cimi

Principais motivos das invasão:

  • Extração ilegal de madeira e outros recursos naturais - 58
  • Caça e/ou pesca ilegais - 57
  • Invasão possessória de fazendeiros e/ou posseiros - 52
  • Desmatamento - 48
  • Garimpo ou mineração - 44
  • Grilagem e/ou loteamento de terras - 33
  • Agropecuária - 27
  • Incêndios ou queimadas - 24
Desmatamento de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, Rondônia - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace
Desmatamento de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, Rondônia
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Outros dados

O momento no país, como a coluna já relatou, é de total paralisia dos processos de demarcações de Terras Indígenas. A não regularização, por sinal, é uma das promessas cumpridas pelo presidente Jair Bolsonaro, que disse ainda na campanha eleitoral de 2018 que não iria demarcar terras em seu governo.

São essas regularizações que ajudam a reduzir a tensão no campo, já que, uma vez demarcada, a área se torna de posse intransferível dos indígenas.

No relatório, o Cimi traz uma atualização das demandas territoriais indígenas, identificando que, das 1.393 terras indígenas no Brasil, 871 (62,5%) seguem com pendências para sua regularização. "Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos indígenas que não contam com nenhuma providência do Estado para dar início ao processo de demarcação", cita o texto.

A consequência dessa postura foi o aumento, pelo sexto ano consecutivo, dos casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio."
Relatório do Cimi

Sobrevoo regista áreas de garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em abril de 2021 - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace
Sobrevoo registra áreas de garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em abril de 2021
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Para o Cimi, o contexto geral de ataques aos territórios, lideranças e comunidades indígenas "está relacionado a uma série de medidas do Poder Executivo que favoreceram a exploração e a apropriação privada de terras indígenas e à atuação do governo federal e de sua base aliada para aprovar leis voltadas a desmontar a proteção constitucional aos povos indígenas e seus territórios".

Segundo o conselho, medidas como a Instrução Normativa 09, publicada pela Funai (Fundação Nacional do Índio) ainda em 2020, facilitaram a invasão. Essa medida liberou a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas.

Também citam a Instrução Normativa Conjunta da Funai e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) que, já em 2021, passou a permitir a exploração econômica de terras indígenas por associações e organizações de "composição mista" entre indígenas e não indígenas.

Esse conjunto de ações deu aos invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais nas terras indígenas. Garimpos desenvolveram ampla infraestrutura, invasores ampliaram o desmatamento de áreas de floresta para a abertura de pastos e o plantio de monoculturas, e caçadores, pescadores e madeireiros intensificaram suas incursões aos territórios."
Relatório do Cimi

A coluna encaminhou pedido à Funai para que comente as observações do relatório, mas ela ainda não se pronunciou.