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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Quadro fixo de servidores da Funai na Amazônia cai pela metade em 9 anos

Colunista do UOL

09/06/2022 04h00

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O número de servidores do quadro fixo da Funai (Fundação Nacional do Índio) na Amazônia caiu à quase metade ao longo de nove anos, o que, na avaliação de indigenistas ouvidos pelo UOL, fez o órgão responsável pela proteção dos povos indígenas perder força. A Funai reconhece a carência e diz que o órgão tem adotado a contratação de servidores temporários para suprir o déficit.

Em janeiro de 2013, o quadro efetivo tinha 1.360 integrantes na Amazônia Legal —área que inclui os sete estados do Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), Mato Grosso e Maranhão. Em janeiro deste ano, o número havia caído para 689.

Além dos servidores do quadro efetivo, o número de cargos sem vínculo ou cedido por outros órgãos também caiu no mesmo período, de 238 para 149.

Considerando todo o país, em 2013 a Funai tinha 2.505 servidores efetivos. Em janeiro deste ano, são 1.437. O local de lotação dos demais servidores que não atuam na Amazônia Legal não foi informado pelo órgão.

Para suprir a carência de servidores, o órgão informou que vedou transferências de áreas mais carentes. "Isso restringiu a saída de servidores da Amazônia Legal para outras unidades melhor providas de força de trabalho", afirma o órgão.

Há seis anos sem concurso público, a Funai informou também que solicitou a realização de uma nova seleção, mas que depende de autorização do Ministério da Economia —negada nos últimos três anos. Já se antecipando a uma possível negativa do ministério, um outro pedido de concurso foi feito para 2023, para ocupação dos 1.071 cargos vagos.

O déficit de servidores estimado para este ano é de 1.043 em todo país.

Procurado, o Ministério da Economia respondeu que não comenta demandas relacionadas à autorização para contratação de pessoal encaminhadas pelos órgãos. "As autorizações, quando realizadas, são publicadas no Diário Oficial da União e no portal do Ministério da Economia", diz o órgão.

Equipe insuficiente

O quadro de servidores da Funai está muito aquém da quantidade necessária aos trabalhos na Amazônia, segundo Leonardo Lenin Santos, secretário do Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato). Sem contratar novos servidores, o órgão foi vendo os mais antigos foram se aposentando, sem reposição, afirma o secretário.

"Em termos de área, falamos de 13% do território brasileiro para esses servidores fazerem proteção, vigilância, fiscalização territorial e todas as outras atividades de promoção de direito desses indígenas, de autonomia etc.", diz.

"Mesmo que todos eles fossem empregados na proteção do território, sobretudo em região de fronteira, seria insuficiente", completa. Segundo Lenin, sem contratar novos servidores, o órgão foi vendo os mais antigos foram se aposentando, sem reposição.

Acampamentos de garimpeiros na Terra Indi?gena Yanomami - Bruno Kelly/HAY  - Bruno Kelly/HAY
Acampamentos de garimpeiros na Terra Indi?gena Yanomami
Imagem: Bruno Kelly/HAY

Para Luis Ventura, secretário-adjunto do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), órgão vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), existe um processo de fragilização da atuação e um desmonte da Funai "evidentes" nos últimos anos. "Isso ocorre em diversos aspectos, a redução no quadro de servidores é só um desses elementos", afirma.

Ele cita ainda que, desde o início do governo de Jair Bolsonaro, além de menos servidores, os que estão em atividade sofrem com medidas internas que dificultaram o trabalho, reduzindo deslocamentos e ações operacionais.

"O órgão desautorizou, por exemplo, ações em terras que estavam ainda no processo de demarcação. Faz parte de uma política desse governo desprezar terras que estão em processo", afirma.

"Sem dúvida estamos assistindo o maior desmonte de políticas indígenas desde a redemocratização.
Luis Ventura, secretário-adjunto do Cimi

Segundo relatos ouvidos de outros indigenistas, a Funai tem dificultado o trabalho dos agentes em terras indígenas, dificultando as fiscalizações a invasores e a proteção aos indígenas. "As pessoas que têm afinidades com a causa são removidas. Nós estamos falando do estado que peca em tudo de curto, médio e longo prazos", afirma Yura Marubo, assessor jurídico da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari).

O UOL revelou ontem que, em 2019, a Justiça condenou a União a reforçar as bases de proteção a indígenas do Vale do Javari, justamente o local onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips estão desaparecidos desde domingo (5).

Terra no Vale do Javari, alvo de diversos tipos de ataque - Funai - Funai
Terra no Vale do Javari, alvo de diversos tipos de ataque
Imagem: Funai

Temporários e busca em outros órgãos

Ao citar a contratação de servidores temporários como forma de tentar suprir o déficit, a Funai afirmou que, em setembro de 2021 contratou 776 pessoas para atuar nas Coordenações de Frentes de Proteção Etnoambiental e Coordenações Regionais da Amazônia Legal. Após o fim dos seis meses previstos, houve prorrogação do contrato de 640 servidores "para atender à necessidade temporária de atuação em barreiras sanitárias e postos de controle de acesso, para prevenção da covid-19 em Terras Indígenas".

Os servidores temporários, informa o órgão, ocupam funções de chefe, supervisor e agentes de proteção etnoambiental. "Eles fazem um monitoramento em mais de 30 áreas que contam com a presença de indígenas isolados e de recente contato".

A Funai diz ainda que tem realizado "diversos processos seletivos para recrutar servidores de outros órgãos visando compor a força de trabalho da instituição".

Bases queimadas durante operação contra garimpeiros em 2017, no Vale do Javari - Funai - Funai
Bases queimadas durante operação contra garimpeiros em 2017, no Vale do Javari
Imagem: Funai