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Com Censo atrasado, uma a cada 10 cidades tem mais eleitores que moradores
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Eleitores de 572 municípios do país devem ir às urnas em outubro em cidades com mais votantes do que habitantes. A coluna cruzou os dados da população projetada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2021, que são os números mais recentes, com os de eleitores do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A análise aponta que uma a cada dez cidades do Brasil tem mais eleitores do que moradores.
Há casos em que a quantidade de eleitores supera em até quase quatro vezes a população, como em Severiano Melo (RN), a líder em disparidade em termos proporcionais: o município tem 1.743 habitantes e 6.669 eleitores, o que dá 282% mais votantes do que moradores.
Comuns, casos como o da cidade potiguar já aconteceram em outros anos e, segundo especialistas, são reflexo da falta de um Censo demográfico.
E por que isso é um problema?
A defasagem na contagem da população cria distorções em um dado que norteia políticas públicas e o envio de recursos federais e estaduais às prefeituras.
Os dados do IBGE são publicados anualmente em Diário Oficial e servem como base para a transferência dos recursos do FPE e FPM (fundos de participação de estados e municípios), para uso como no programa Auxílio Brasil e em políticas de educação e saúde.
Com dois anos de atraso, o Censo 2022 começou a fazer entrevistas somente neste mês e vai até outubro. A meta é visitar os 75 milhões de lares brasileiros. Os resultados preliminares da contagem devem sair até o final deste ano, mas números mais detalhados serão divulgados a partir de 2023.
Entre os anos sem um Censo, o IBGE faz anualmente projeções, mas elas podem ser falhas, especialmente se for longo o período sem um recenseamento.
Segundo o instituto, as estimativas têm como método as tendências observadas de mortalidade, fecundidade e migração em nível nacional e regional.
Entretanto, podem não captar, por exemplo, migrações fora da curva ou as mortes excessivas causadas pela pandemia de covid.
A diminuição ou aumento da população usam os números entre os dois últimos Censos. Com isso, uma eventual falha pode repercutir por mais de uma década.
Cidades entram na Justiça
A defasagem dos dados se mostra em outros bancos de dados públicos além do TSE. É o caso de beneficiários de programas de transferência de renda, de alunos matriculados em escolas ou pessoas atendidas pelo sistema de saúde.
Costumeiramente, as prefeituras mais afetadas pelas projeções do IBGE reclamam dos dados. Isso ocorreu, por exemplo, em Campos Novos (GO), que "perdeu" mais da metade da população entre 2011 e 2019.
"O município tinha uma população de 5.020 pessoas em 2010 e, na última estimativa de 2019, a cidade perdeu habitantes, caindo para 2.141 pessoas", diz a prefeitura em nota publicada na página oficial.
"Os dados do órgão federal são conflitantes com as estatísticas do município, já que não representam a realidade da cidade, haja vista que Campos Verdes atualmente possui mais de 5.000 habitantes, conforme dados da prefeitura, além de possuir 2.075 residências no cadastro dos serviços de IPTU, de energia e do serviço de fornecimento de água", aponta ainda o município.
Em Japurá (AM), por exemplo, 1.212 famílias recebem o Auxílio Brasil. Como cada família tem em média 3,5 pessoas, só aí passaríamos de 4.000 moradores, enquanto para o IBGE o município tem 1.755 habitantes.
Marcelo Batista, secretário de Planejamento da cidade, afirma que a prefeitura que conseguiu, no início do ano, uma decisão liminar da Justiça para que o valor do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) fosse elevado e a cidade se enquadrasse no valor similar àquelas que têm de 10 mil a 13 mil moradores.
Na última eleição, em 2020, Japurá teve 3.908 votantes. "Hoje temos sem dúvida mais de 10 mil moradores, em 33 comunidades do município. Só matriculados, temos 4.022 alunos. A sorte é que a gente trabalha para reverter isso, temos uma equipe técnica para captar recursos, senão estaríamos mal", diz o secretário.
Para ele, no Censo de 2010, áreas mais remotas da cidade na Amazônia não teriam sido visitadas, o que gerou essa suposta queda da população em uma década —e a consequente projeção de declínio da população.
Batista conta que o município chegou a ter problemas, inicialmente, com o envio de vacinas contra a covid, porque foi levada em conta a população estimada pelo IBGE. "Na primeira leva, tivemos essa dificuldade, precisamos apresentar os dados de produção das nossas unidades de saúde. O mesmo acontece em relação aos repasses a nossas unidades e hospital. A gente sempre esbarra nessa questão", relata.
O epidemiologista Antônio Lima Neto, que é gerente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de Fortaleza e professor da Unifor (Universidade de Fortaleza), afirma que a falta de dados precisos é um problema antigo das gestões municipais e afeta o planejamento e execução de políticas públicas da saúde.
"Já tentamos muitas vezes discutir iniciativas de saúde pública por bairro, mas nunca temos a certeza de que estaríamos atendendo a população de maneira equânime, principalmente aquelas populações mais marginalizadas", diz.
Para tentar ajudar a prefeitura entender o processo, em 2015 Fortaleza fez um Censo próprio, que contabilizou 840 assentamentos precários, onde viviam 1 milhão de pessoas.
"Se você olhar isso no microcosmo, vê que os que chegaram nesses últimos 12 anos às grandes cidades se agruparam nas periferias. São indivíduos que ocupam espaços irreconhecíveis pela gestão pública, e você não consegue oferecer uma atenção à saúde de qualidade", diz.
Nos pequenos municípios, isso ocorre da mesma forma: pequenas variações populacionais não capturadas pelas estimativas do IBGE podem gerar uma perda de financiamento importante, que não são superadas pelo cadastro realizado pelo programa de saúde da família."
Antônio Lima Neto, epidemiologista
Censo 2022 atrasado
Se não bastasse o intervalo de dez em dez anos ser longo, o Censo foi adiado várias vezes desde 2020 (quando deveria ter sido feito) por alegação de falta de recursos, gerando ainda mais prejuízos às políticas públicas e repasses aos municípios que necessitam de dados atualizados.
Roberto do Carmo, presidente da ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais), professor e pesquisador do Departamento de Demografia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), explica que, apesar de as projeções serem a melhor forma para se aproximar da realidade, só o Censo traz informações concretas sobre volume e distribuição da população.
"Elas são fundamentais para fazer políticas públicas. A questão da quantidade é importante, mas a distribuição espacial e as características das pessoas são importantes também", diz.
Carmo explica que, no caso de cidades com mais eleitores do que habitantes, a demora no Censo causa ainda mais dificuldades para se perceber migratórios, por exemplo. "Se você demora para corrigir essa curva [com um Censo], vai trabalhando com uma tendência de mais de 20 anos atrás", cita.
Outro ponto considerado são os eleitores que moram em um lugar, mas têm o domicílio eleitoral em outro. "Às vezes a pessoa se muda, mas não transfere isso."
Ele afirma que, na ausência de boas estimativas, os bancos de dados alternativos, como os do TSE, ajudam a entender o processo, mas não podem servir como base geral. "O número de eleitores inclui só pessoas com mais de 16 anos. O atendimento do SUS, que é uma informação boa, pode ser inflado por pessoas que vem de outra cidade por atendimento", explica, demonstrando a importância do Censo.
"Em cidades pequenas, também é comum a migração por emprego. Esses processos podem variar na década. Serra Pelada (PA) foi um exemplo. Em 1980, ela não existia, foi de 0 a 100 [mil] rapidamente, e terminou a década com 10 mil. Ou seja, o Censo de 1980 não pegou e o de 1991 só refletiu o final desse movimento."
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