Carlos Madeiro

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João Campos repete o pai Eduardo e atrai até rivais por reeleição no Recife

Em 2010, quando tinha apenas 16 anos, João Campos (PSB) assistia às conversas do pai Eduardo Campos com políticos, no terraço de sua casa. Os encontros levaram Eduardo a construir um arco de alianças que o ajudaram na reeleição ao governo de Pernambuco com 82,8% dos votos válidos já no primeiro turno —a maior vitória entre os governadores do país naquele ano.

Agora em 2024, prefeito do Recife e também mirando a reeleição, João reúne 12 partidos de vários campos para sua chapa, repetindo o pai, que morreu em um acidente aéreo em Santos (SP), há dez anos. Neste domingo (4), o PSB realiza a convenção que ratifica a frente ampla.

João conseguiu trazer de volta o PT, após 12 anos de rompimento com o partido no Recife —causado por Eduardo (leia mais abaixo). Também atraiu antigos rivais, que agora apoiam publicamente sua candidatura. "Meu pai é minha grande referência na política, acho que aprendi com ele", diz João ao UOL.

Marília Arraes em vídeo no Instagram de João Campos, ex-rival político
Marília Arraes em vídeo no Instagram de João Campos, ex-rival político Imagem: Reprodução

O caso mais marcante é o da aproximação de sua prima Marília Arraes (Solidariedade), com quem teve um segundo turno acirrado e com muita troca de farpas há quatro anos. Já eleito, João jurou não indicar para a prefeitura nomes do PT, partido de Marília na época.

Agora, Marília não só declarou apoio como foi ao evento de anúncio do vice, Victor Marques (PCdoB), e gravou um vídeo para o Instagram do prefeito falando que o momento atual é histórico, uma união iniciada em 2022 para eleger Lula.

'Aprendizado'

João tinha 20 anos quando o pai morreu, mas diz que teve tempo de aprender artimanhas com ele.

Ele era um construtor de frentes. Era uma pessoa com crenças e fiel aos princípios do campo político, mas capaz de fazer essas frentes mais amplas para ter governabilidade e representatividade. Ele fez isso muito bem no segundo mandato.
João Campos

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Embora jovem, diz que chegou a conviver e ver o pai atuar no ambiente político.

Meu pai era um animal político permanente, fazia reuniões ali no terraço de casa, nos horários livres. Vi isso de perto, então tive uma baita escola. Ele não só pregava unidade, mas materializava isso.
João Campos

Se por um lado aliados veem as semelhanças como algo positivo, por outro, também é ponto de ataque de opositores.

Candidato a prefeito contra João, Daniel Coelho (PSD) afirma que a família Campos está no poder no Recife e em Pernambuco "há 64 anos." A afirmação se deve ao fato de que o bisavô de João, Miguel Arraes, foi prefeito do Recife entre 1960-1963 e desde então o PSB tem governado a cidade em boa parte do tempo,.

Quando a família Campos/Arraes, quando chegou ao poder, Recife era a terceira capital do Brasil do ponto de vista social e econômico, e hoje ostenta o título de segunda capital com mais miséria e com mais pobreza de todo o Brasil.
Daniel Coelho, durante sabatina do UOL/Folha

16-08-2014 - João (à direita) ergue braço durante chegada do caixão com corpo do pai ao Recife
16-08-2014 - João (à direita) ergue braço durante chegada do caixão com corpo do pai ao Recife Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
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'Diferença é só física'

Quem acompanhou os dois diz que são semelhantes. "Diferença entre eles, só física: João parece mais com a mãe", diz Tadeu Alencar (PSB), ex-deputado federal que foi secretário durante todo o período do governo Eduardo.

À época em que era governador, Eduardo tinha alta aprovação e apoio de Lula. Repetia-se muito que não havia oposição, que ela teria sido "esmagada" politicamente por ele.

A versão é contestada por Tadeu. "Históricos adversários compuseram com ele não pelos seus belos olhos, mas porque ele prestigiava as pessoas e mantinha fidelidade aos que o acompanharam a vida toda. Eles têm a mesma capacidade de juntar uma matriz política consistente com uma capacidade de gestão extraordinária, "diz.

Outro ponto que lembra os dois, diz, é a capacidade de comunicação e diálogo com políticos.

Eduardo conversava fácil com a elite financeira e política do país, mas também com sertanejos, quilombolas e indígenas. Vejo algo semelhante, potencializado pela rede social: João faz o que Eduardo fez ao seu tempo e ao seu modo, mas com efeito semelhante.
Tadeu Alencar

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A forma como lida ativamente nas redes sociais, por sinal, se tornou alvo da oposição, que chama João rotineiramente de "prefeito de Tik Tok."

Se [o governo] estivesse bom, eu ia apoiar. Conheço Eduardo e João há mais de 30 anos. João aprendeu a pescar comigo. Esse é prefeito de Tik Tok e de Instagram, a pessoa que andar na idade vai ver o que estou falando.
Gilson Machado (PL), durante sabatina do UOL/Folha

João refaz aliança que pai rompeu

Curiosamente, PT e PSB eram aliados na Prefeitura do Recife até que, em 2012, Eduardo decidiu que o PSB deveria romper com o PT, alegando que o governo de João da Costa (PT) era mal avaliado.

De nada adiantou o PT mudar o candidato —Humberto Costa assumiu a vaga, tirando João da Costa da disputa pela reeleição. Geraldo Julio (PSB), indicado por Eduardo e desconhecido do grande público, foi eleito ainda em primeiro turno. Daniel Coelho, à época no PSDB, ficou em segundo.

Naquela eleição, Humberto Costa —hoje aliado de João— fez duros ataques a Eduardo, acusando-o de usar "a máquina o tempo todo" para eleger Geraldo Júlio.

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Desde aquela eleição, o PSB governa o Recife, sempre disputando eleições contra o PT. O pleito de 2020 ficou marcado pelas trocas de farpas dos primos, inclusive com críticas de petistas (que eram aliados do PSB em nível estadual) à propaganda antipetista feita na campanha de João.

Ex-prefeito do Recife, Geraldo Julio, e o ex-governador Eduardo Campos
Ex-prefeito do Recife, Geraldo Julio, e o ex-governador Eduardo Campos Imagem: Reprodução/Facebook

Estratégias semelhantes

Quem analisa a política pernambucana também enxerga semelhanças.

Em 2010, formou-se uma ampla coalizão de partidos e movimentos sociais, incluindo partidos de esquerda, centristas e alguns de direita, criando um bloco eleitoralmente poderoso, cuja diversidade ideológica era absorvida pela liderança forte de Eduardo. As táticas políticas de Eduardo e, agora, de João Campos têm muitas semelhanças.
Arthur Leandro, cientista político e professor da UFPE

Arthur lembra, porém, que o contexto político de 2024 é bem mais fragmentado e polarizado do que o de 2010, o que torna bem mais dura a tarefa de aglutinar partidos.

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Eduardo operou em um cenário de maior estabilidade econômica e alianças políticas consolidadas, enquanto João enfrenta desafios econômicos e um eleitorado mais exigente.

Em meio aos dois, diz, uma figura aparece: a mãe do prefeito, Renata Campos, que hoje é auditora do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e não atua mais em partidos.

Ela é uma liderança discreta, mas muito respeitada dentro e fora do PSB, que desempenha um papel significativo nas eleições de 2024 e na carreira política de seu filho. Como figura respeitada e querida em Pernambuco, sua presença em eventos de campanha serve como um elo emocional, unificando diversos apoios.
Arthur Leandro

18.ago.2014 - Renata Campos, viúva de Eduardo Campos com os filhos de encontro com lideranças no Recife
18.ago.2014 - Renata Campos, viúva de Eduardo Campos com os filhos de encontro com lideranças no Recife Imagem: Beto Macário/UOL

Caminho para disputar a Presidência?

Eduardo, quando morreu, era candidato à Presidência e aparecia na terceira colocação nas pesquisas. Embora tivesse poucas chances de vencer naquela disputa, analistas viam a entrada dele como uma estratégia para se cacifar para 2018.

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À ocasião, Eduardo pregava a necessidade de encerrar a polarização —na época, entre PT e PSDB— e falava em uma nova política, que excluiria nomes antigos do cenário nacional. O destino tirou Eduardo do horizonte da política, mas deixou para João Campos um possível caminho.

Agora, bem avaliado pela população, ele é visto como um político capaz de alçar voos maiores. Primeiramente, é apontado como um nome forte para disputar o governo do estado em 2026 —possibilidade que não descartou durante sabatina do UOL e da Folha.

João Campos está tentando isolar a governadora Raquel Lyra [PSDB]. E está fazendo isso através do lulismo, para não dar margem para que Lula seja neutro na eleição de 2026. Ele aposta tudo no lulismo
Adriano Oliveira, professor da UFPE e fundador da Cenário Inteligência

No caso do Recife, Raquel tem como candidato o ex-secretário Daniel Coelho (PSD), que aparece com 7% das intenções de voto, numericamente na segunda colocação. João, segundo o Datafolha, lidera com 75% das intenções de voto.

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