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Carolina Brígido

REPORTAGEM

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Ministros do STJ criticam Humberto Martins por fazer campanha ao STF

O presidente do STJ, ministro Humberto Martins - Rafael Luz/STJ
O presidente do STJ, ministro Humberto Martins Imagem: Rafael Luz/STJ

Colunista do UOL

28/04/2021 04h00

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Ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) estão incomodados com a campanha que o presidente da Corte, Humberto Martins, anda fazendo para a vaga que será aberta em julho no STF (Supremo Tribunal Federal). Em caráter reservado, um ministro disse à coluna que o colega "começou a rodar bolsinha e ficou ruim". Esse mesmo ministro diz que Martins está tentando agradar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com decisões judiciais. É de Bolsonaro a tarefa de escolher quem vai substituir Marco Aurélio Mello no Supremo.

"A caneta do presidente do STJ não tem visibilidade, mas faz muita coisa. Ele tem atendido o governo em questões de privatizações. Dizem no tribunal que ele está fazendo o que é necessário para poder agradar e se viabilizar", revelou o ministro, que preferiu não ser identificado.

De fato, decisões do STJ não costumam repercutir tanto quanto as do STF. Mas, recentemente, o Palácio do Planalto ficou satisfeito com a caneta de Martins. Em janeiro, o presidente do STJ atendeu a um pedido da União para suspender decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) que havia obrigado o governo federal a divulgar direito de resposta nas redes sociais a partir de uma postagem da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República).

O órgão homenageou, em maio do ano passado, militares combatentes na Guerrilha do Araguaia, com destaque para o tenente-coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió. O militar é apontado como torturador de militantes de esquerda durante a ditadura.

Questionado pela coluna sobre o comentário dos colegas, Martins respondeu por meio da assessoria de imprensa: "Em primeiro lugar, não existe campanha para o Supremo Tribunal Federal. O ministro Humberto Martins é presidente do STJ e do CJF (Conselho da Justiça Federal) e desempenha suas atribuições na presidência com base na Constituição, nas leis e na jurisprudência", diz a nota.

"A sua eleição para o STJ e o CJF foi por aclamação dos demais ministros da Corte e a gestão tem sido participativa e agregadora, embasada em um plano de gestão elaborado em conjunto com a FGV (Fundação Getúlio Vargas). A escolha para o STF é uma prerrogativa do presidente da República, segundo os parâmetros fixados na Constituição", conclui o texto.

Martins liberou bares

No início de abril, Martins autorizou o funcionamento das atividades consideradas não essenciais em Brasília - como bares, restaurantes e shoppings. Fez isso ao revogar uma decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) que determinava medidas restritivas para conter a pandemia do novo coronavírus na capital federal. Com isso, agradou Bolsonaro, que critica abertamente as restrições ao funcionamento no comércio durante a pandemia.

Martins também tem dado sinal positivo para os planos de privatização do governo. Em março, o ministro derrubou liminar do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) que suspendia o leilão de privatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica. Em dezembro, Martins já tinha derrubado liminar do TJ-DF (Tribunal de Justiça do Distrito Federal) que suspendia a privatização da CEB (Companhia Energética de Brasília).

Deus e Bíblia

Outro ministro do STJ observou, em conversa com a coluna, que Martins tem citado mais a Bíblia e Deus publicamente. Para esse ministro, é uma estratégia para se firmar como "terrivelmente evangélico" - uma característica que Bolsonaro declarou que levaria em conta para escolher ministros do STF. "Ele deu uma guinada no comportamento. Toda hora é Bíblia, é Deus. Ele quer fortalecer essa imagem de evangélico", avaliou o ministro.

Na segunda-feira (26), Martins atendeu a um pedido do governo do Distrito Federal para liberar a retomada da construção do Museu da Bíblia em Brasília. As obras tinham sido paralisadas por ordem da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. Para o ministro, a decisão representava uma interferência indevida na execução da política cultural local.

Para o presidente do STJ, não há problema o poder público construir um museu sobre a Bíblia em um Estado laico. Ele ressaltou que a obra não privilegia uma religião em detrimento de outras. "Deve-se estimular a existência de museus que tratem das mais diversas manifestações religiosas brasileiras", anotou.

No mês passado, quando o STJ completou um ano do trabalho à distância, Martins fez um discurso sobre a produtividade da Corte no período. Aproveitou para pedir proteção divina. "Assim que vencida a pandemia, com misericórdia divina e no tempo de Deus, é igualmente fundamental que o STJ possa voltar a receber presencialmente os ministros, servidores, advogados e cidadãos, sempre com segurança e cuidado no futuro processo de normalização", disse.

Também em março, em um evento da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em homenagem ao jurista Paulo Bonavides, Martins falou sobre a influência dos textos bíblicos e do cristianismo no direito constitucional. "Nessa quadra histórica, em que os povos ocidentais e orientais se aproximam como nunca, a consciência de nossa identidade, de origem bíblica, há de ser ressaltada e vista como benigno instrumento de convivência", declarou.

Um dos ministros do STJ consultados pela coluna acusou Martins de agir politicamente para compensar suposta falta de preparo jurídico. "Ele não tem tanta expressão, não é um jurista. Então é complicado, ele vai nessa coisa da política", analisou.

Segundo a Constituição, as indicações para o STF são calcadas em notável saber jurídico e reputação ilibada. Com critérios tão subjetivos, a atuação política dos candidatos costuma funcionar.