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Carolina Brígido

REPORTAGEM

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"A OAB é extremamente racista e machista", diz advogada negra

Lázara Carvalho, candidata a vice-presidente da OAB - Divulgação
Lázara Carvalho, candidata a vice-presidente da OAB Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

20/11/2021 04h00

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A advogada Lázara Carvalho apresentou à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo denúncia contra três das cinco chapas que concorrem à eleição para o comando da entidade, agendada para o dia 25. Segundo ela, foi desobedecida a regra de reserva de 30% de cotas para pessoas negras nas campanhas.

Candidata a vice em uma das chapas, Lázara conta que todo advogado negro já sofreu preconceito no exercício da profissão. Para ela, a OAB não faz muito esforço para combater a prática. "A OAB replica o que acontece na sociedade", diz ela. "Sabemos que a população negra é a que menos acesso tem a educação, saúde e emprego."

A coluna conversou com Lázara. Veja os principais trechos da entrevista:

Houve fraude à política de cotas na campanha da OAB-SP?

Infelizmente, temos pessoas que querem se apropriar de políticas públicas de inclusão que não são direcionadas a elas. Quando tem reserva de cotas raciais em universidades, pessoas brancas começam a se declarar pardas ou pretas. Na OAB não é diferente. Foram incluídos nas cotas candidatos que, fenotipicamente, não são pessoas pretas ou pardas. Vendo que o processo já estava viciado, decidimos impugnar as chapas e pedir uma banca de heteroindentificação para moralizar o processo e garantir a lisura.

Essa banca foi instalada?

Os candidatos tiveram o desplante de dizer que exigir uma verificação para candidatos para cotas seria antidemocrático, que deveria ser feita a pura e simples autodeclaração. Existem candidatas que se autodeclararam brancas para concorrer a vereadora no ano passado e, neste ano, essas mesmas mulheres se declaram pardas.

Por que a senhora acha que isso aconteceu nas eleições da OAB?

A advocacia negra é muito precarizada no sistema da OAB. Muitos candidatos estavam despreparados para inserir candidatos e candidatas negras em suas chapas.

A política de cotas da OAB é uma forma eficaz de enfrentar o racismo?

O Conselho Federal decidiu que 30% das chapas seriam para negros e negras, entre todos os cargos, inclusive de diretoria. Mas depois foi permitido que esses 30% fossem diluídos em toda a chapa. Isso abriu brecha para negros e negras serem incluídos em cargos de suplência, sem garantia de acesso às posições de comando. É uma forma de empurrar a necessidade de enfrentar o racismo na OAB para o futuro.

Como esse racismo se manifesta no dia a dia?

Começa com essa tentativa de não dar espaço a advogados negros e negras. Se você não tem espaço para concorrer numa eleição, imagina na advocacia. Quando temos um grupo masculino branco hétero cis tomando decisões, não são levadas em conta as questões dos gays, das mulheres e dos negros. Não se vê um advogado negro como sócio de grande escritório. A maior parte de advogados negros no Brasil trabalha de forma autônoma ou em pequenos escritórios, atendendo em espações compartilhados, utilizando às vezes as dependências da OAB, porque não tem politicas na OAB para que esses profissionais avancem na advocacia.

A OAB é racista?

A OAB é extremamente racista e machista. Em 90 anos da OAB-SP, nunca tivemos presidente mulher, nem tivemos uma pessoa negra na diretoria. Tivemos o Benedito Galvão, que foi presidente interino por três meses e logo foi substituído por um homem branco. A OAB replica o que acontece na sociedade. Sabemos que a população negra é a que menos acesso tem a educação, saúde e emprego. Na OAB não é diferente. As advogadas e advogados negros são ainda os profissionais do Direito mais precarizados.

A senhora pessoalmente já sofreu preconceito racial no exercício da profissão?

Se você perguntar para qualquer advogado negro, vai ouvir um relato parecido. É muito comum que advogados não negros entrem no fórum e não precisem mostrar carteira da Ordem. Nós advogados negros somos sempre parados e perguntados sobre o que desejamos. Já entrei na sala de audiência e um assistente do juiz disse que eu não podia entrar com meu marido. Meu cliente também era negro. Eu tive que explicar que era advogada e ele, meu cliente.

Algum juiz já discriminou a senhora por ser negra?

Eu uso tranças no cabelo. Um juiz perguntou: "Doutora, como a senhora faz audiência com esse cabelo?" Expliquei que fazia a audiência com a minha oratória e com a minha competência. Daí perguntei de volta: "E o senhor, como faz audiência sendo careca?" Todo mundo riu, ficou um clima mais descontraído. Mas para mim foi muito violento.