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Carolina Brígido

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Gilmar Mendes decidiu garantir o Bolsa Família no último dia do STF

Decisão de Gilmar Mendes dissocia programas sociais do teto de gastos - Reprodução - Carlos Moura/SCO/STF
Decisão de Gilmar Mendes dissocia programas sociais do teto de gastos Imagem: Reprodução - Carlos Moura/SCO/STF

Colunista do UOL

19/12/2022 09h54Atualizada em 19/12/2022 10h29

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A autorização de Gilmar Mendes para o Bolsa Família furar o teto de gastos reacende uma questão: por que o último dia de funcionamento do STF (Supremo Tribunal Federal) costuma vir recheado de decisões polêmicas? Mendes tomou a decisão já no fim da noite de domingo. A partir de terça-feira (20), a Corte entra em recesso. As atividades serão retomadas em fevereiro de 2023.

A decisão de Mendes não abre brecha para ser derrubada até lá. Ele não encaminhou o caso para referendo do plenário físico ou virtual, que encerram a movimentação hoje. Até fevereiro, portanto, a autorização de Mendes permanecerá válida. Ou seja: garante que Luiz Inácio Lula da Silva cumpra uma de suas principais promessas de campanha logo no início do governo.

A partir de fevereiro, Mendes poderá enviar o caso para referendo em plenário, mas não tem a obrigação de fazer isso. Se fizer, existe chance de a ordem ser mantida pela maioria, caso a jurisprudência da Corte sejam obedecida.

No fim de 2021, por dez votos a zero, o plenário manteve a decisão que obrigou o governo federal a implementar, a partir deste ano, o pagamento do programa de renda básica de cidadania, ainda que houvesse restrições fiscais ou da legislação eleitoral. O benefício deveria ser pago a brasileiros em situação de extrema pobreza e pobreza, com renda per capita inferior a R$ 89 e R$ 178, respectivamente.

Ainda segundo a decisão do ano passado, os valores deveriam estar previstos no orçamento do ano seguinte, o que poderia viabilizar a ampliação do Auxílio Brasil em ano eleitoral. A decisão de 2021 foi tomada a partir de uma ação apresentada pela DPU (Defensoria Pública da União) em abril de 2020.

Agora vem a parte intrigante: diante do impasse do governo Lula na negociação com o Congresso Nacional para abrir espaço no orçamento e garantir o pagamento dos R$ 600 do Bolsa Família, a Rede Solidariedade entrou com um pedido no STF para viabilizar a autorização de crédito suplementar. Esse pedido foi feito na mesma ação que gerou a decisão de 2021.

Embora sejam assuntos conexos, o contexto de ambas as decisões é absolutamente diferente. Ao fazer esse pedido justamente na ação em que Gilmar Mendes era relator, a Rede acabou escolhendo qual ministro tomaria a decisão. Se entrasse com outra ação no Supremo, como seria o caminho mais tradicional, o caso poderia ser sorteado para qualquer outro ministro - e, dessa forma, o partido correria o risco de ser derrotado.

Desde que o governo começou a negociar a abertura de espaço no orçamento para garantir o Bolsa Família, Gilmar Mendes tem dito a interlocutores que existia a possibilidade de abertura de crédito suplementar para pagar o benefício. Ele vinha citando a jurisprudência de 2021 sobre a renda básica da cidadania para sustentar a tese. A Rede não ignorou os sinais e resolveu tentar pelo caminho mais garantido.

A decisão de Mendes tira do governo Lula o peso da negociação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para conseguir cumprir uma promessa de campanha. Nesta segunda-feira (19), outra decisão deve influenciar nas conversas entre o governo eleito e o Congresso: o plenário decidirá se o orçamento secreto será ou não derrubado.

Quando assumiu a presidência do STF, em setembro, Rosa Weber tinha o objetivo de tirar a Corte dos holofotes. Enquanto a Corte for demandada pelo mundo político, a ministra não conseguirá ver a meta cumprida.