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Carolina Brígido

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dois Supremos: como a reação aos atos terroristas uniu e dividiu a Corte

Os ministros do STF Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados ao STF por Jair Bolsonaro - Fellipe Sampaio/SCO/STF
Os ministros do STF Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados ao STF por Jair Bolsonaro Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Colunista do UOL

12/01/2023 12h47

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Desde domingo, quando terroristas invadiram e quebraram tudo nas sedes dos Três Poderes, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) tiveram uma reação unânime. Para eles, não há dúvida de que os responsáveis pelos atos devem ser investigados e punidos de forma severa. Que foi uma tentativa de ameaça à democracia. Que é necessário criar formas para impedir novos atentados.

O ministro Alexandre de Moraes, que tem concentrado o combate aos atos antidemocráticos por meio de inquéritos do STF desde o início do governo Jair Bolsonaro, tomou novamente a dianteira. Afastou do cargo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e mandou prender o ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres, antigo ministro da Justiça de Bolsonaro, e Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da Polícia Milita local.

Ministros do STF consultados reservadamente pela coluna disseram que Moraes não conversou com eles antes de tomar as medidas. Ele teria apenas avisado, depois que tomou as decisões, que pautaria o tema para a apreciação dos colegas no plenário virtual. Como de costume, a maioria do STF concordou com as decisões tomadas por Moraes. Mas, dessa vez, o placar foi diferente.

Kassio Nunes Marques e André Mendonça, nomeados por Bolsonaro, divergiram. Nunes Marques explicou que Torres estava de férias e, portanto, não poderia ser acusado de ter cometido crimes ligados aos atentados em Brasília. Mendonça argumentou que os fatos são graves. No entanto, prender seria uma reação exagerada, porque Torres foi exonerado do cargo.

Alternativamente, Mendonça sugeriu a adoção de medidas cautelares contra o ex-secretário de Segurança - como proibição de manter contato com os outros investigados e a entrega do passaporte para que não deixe o país.

A decisão de Moraes de afastar Ibaneis é heterodoxa. Foi tomada sem o pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), como manda a legislação. Embora os integrantes do STF aplaudam o fato de um ministro ter tomado a frente no combate aos atos antidemocráticos, a forma como isso tem sido feito gera alguma dissonância.

Os argumentos apresentados nos votos de Mendonça e Nunes Marques refletem mais o repúdio aos métodos de Moraes do que um bolsonarismo cego. Segundo uma fonte do Supremo, Moraes inaugurou no Supremo um "garantismo seletivo", em que as garantias fundamentais dos investigados são aplicadas para algumas pessoas em detrimento de outras.

No STF, nem todos os ministros que concordaram com as medidas adotadas por Moraes concordam com a forma heterodoxa de atuação que ele vem adotando. Porém, não apoiar as decisões tomadas pelo ministro agora é uma forma de compactuar com extremismos - razão pela qual os votos de Nunes Marques e Mendonça foram criticados pela opinião pública.

Com a derrota de Bolsonaro nas urnas, ministros do STF esperavam que o bolsonarismo recuasse. E que, a médio prazo, poderia se pensar em encerrar os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, que estão nas mãos de Moraes, para distensionar o ambiente político.

Depois dos atentados de domingo, é pouco provável que esse enredo seja levado adiante. A expectativa é que Moraes siga tomando decisões enérgicas contra atos extremistas e continue sendo legitimado pela Corte - ainda que com dissonâncias internas.