Bolsonaro vira alvo em samba da Mangueira; carnavalesco vê folia "engajada"
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Resumo da notícia
- Mangueira e Portela preparam enredos com críticas a Bolsonaro
- Carnavalesco trata de política pelo 3º ano seguido na Sapucaí
- Mangueira já cantou sobre Marcelo Crivella e Marielle Franco
- Segundo Leandro Vieira, escolas de samba são de direita
No samba-enredo de 2020, escolhido na madrugada de ontem, a Mangueira, que vai fazer na Sapucaí uma crítica ao avanço do conservadorismo no Brasil, deixa claro qual personagem político terá como alvo no próximo desfile no Carnaval carioca: o presidente Jair Bolsonaro.
Sob o tema "A Verdade Vos Fará Livre", a verde e rosa pretende mostrar como o cristianismo foi apropriado por um discurso intolerante que nada tem a ver com sua origem.
A letra criada por Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo vai direto ao ponto: "Favela, pega a visão/Não tem futuro sem partilha/Nem Messias de arma na mão".
Além da menção ao presidente, o samba fala ainda dos desempregados, mistura catolicismo a religiões de matriz afro e condena os "profetas da intolerância".
Política e samba juntos na avenida
A crônica política sempre teve espaço nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, mas ganhou novo formato no ano passado.
A inovação veio da Mangueira do carnavalesco Leandro Vieira, que passou a nomear opressores e oprimidos. Em 2018, uma alegoria retratava o prefeito Marcelo Crivella como Judas a ser malhado. Este ano, ao mostrar a luta dos heróis populares do Brasil, a agremiação exaltou a vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros.
Portela
Não bastasse a crítica da Mangueira, outra escola de samba de grande torcida deve incomodar Bolsonaro.
Em enredo que defende a resistência dos povos indígenas, a Portela vai desfilar com uma composição cuja letra diz: "Índio pede paz mas é de guerra/ Nossa aldeia é sem partido ou facção/Não tem bispo e nem se curva a capitão". O tema foi definido na última sexta (11).
Em entrevista ao UOL, Leandro Vieira, que nos últimos três anos se dedicou à crônica política no Carnaval, diz o que esperar do desfile da Mangueira e se coloca abertamente contra o conservadorismo que ganha espaço no Brasil:
UOL - Por que você resolveu fazer uma crítica política mais direta em seus enredos?
Leandro Vieira - Comecei com essa linha na Mangueira, quando anunciamos para 2018 um enredo combativo e de embate frontal com essa questão política. "Com Dinheiro ou Sem Dinheiro, Eu Brinco" era um claro confronto entre o Carnaval, as escolas de samba e o conservadorismo. Não era apenas um Carnaval contra o prefeito, mas contra o conservadorismo, traduzido na figura do prefeito do Rio de Janeiro, que é um cara extremamente conservador, com essa mistura explosiva de política e religião.
Em 2019, mantive esse caminho, em 2020 eu vou continuar nessa trilha. O Brasil da última década correlacionou a questão política com a questão partidária e isso virou uma pasta ruim. Por isso, hoje gosto mais da ideia de dizer que faço um Carnaval mais engajado que político.
Como Jair Bolsonaro entra no enredo do desfile de 2020?
Desde 2018 percebia sintomas do avanço do pensamento conservador. O que tenho feito desde então é, através do Carnaval e da arte que eu produzo, mostrar opções contrárias ao conservadorismo. Naquele ano, o prefeito representava a chegada da ideologia evangélica à gestão municipal da capital cultural do país.
Em 2019, houve esse avanço da ideologia da ultradireita, que reduz e minimiza as questões indígenas, a participação popular, a discussão do racismo. Fiz um enredo que combateu isso, entrando de sola no Escola Sem Partido.
Em 2020, sigo combatendo o conservadorismo, a partir de uma figura que os conservadores levaram para sua trincheira: Jesus Cristo. Discuto o sequestro da narrativa cristã, que tornou Jesus a figura principal da direita brasileira de hoje. Os valores cristãos foram deturpados pela direita atual. Temos hoje uma figura importante que é o presidente da República, que vai na Marcha Para Jesus e se permite ser fotografado fazendo arminha com a mão. Então, eu proponho uma narrativa de Jesus contra essa hegemonia que distorce os valores cristãos.
Acha que o Carnaval é um bom espaço para mensagens políticas?
A matéria do meu trabalho é o Carnaval. Não quero encher o meu desfile de academicismo. Eu quero fazer arte engajada de alto nível, levantar os mais diversos debates, tanto na academia quanto na padaria. Mas busco sempre manter o meu desfile num nível popular de discussão.
Para mim, o importante é que aquilo que eu proponho seja debatido nos bares e becos do Morro da Mangueira. Que bom que a academia debate meu Carnaval, mas melhor ainda é saber que pessoas do Morro da Mangueira tomaram conhecimento da Luiza Mahin (ex-escrava de origem africana que atuou em levantes na Bahia no início do século 19), por exemplo, através de um samba enredo que eu propus.
Afinal, as favelas cariocas votaram no Bolsonaro, ajudaram a eleger o Bolsonaro. Então, quero falar para essa gente. Outra coisa: as comunidades cariocas vivem o avanço das igrejas evangélicas. Há uma perseguição a doutrinas religiosas de matriz afro. É preciso dar a essa gente nos botequins, nas rodas de conversa, uma perspectiva contra-hegemônica. O que eu busco fazer é isso, vestindo as pessoas para brincar. Se tem uma coisa que eu gosto é fazer com que as pessoas cantem aquilo que muitas vezes é discutido com uma seriedade rasa.
Acredita que possamos ter também enredos mais ligados à direita?
Escola de samba já é de direita, infelizmente. As agremiações foram fundadas por pessoas à margem da sociedade, mas, a partir do momento que as escolas passaram a receber apoio governamental, começaram a funcionar como órgãos oficiais. Isso vem desde Getúlio Vargas, que transformou as escolas em símbolos e os enredos passaram a exaltar vultos nacionais. Aí começaram a dialogar de forma oficial com o Estado, assim viraram conservadoras.
Apenas em desfiles específicos algumas escolas se colocaram à esquerda, como a Vila Isabel em 88, que defendeu a negritude e cantou contra o Apartheid, ou a Mangueira, cuja letra do samba dizia "pergunte ao criador, quem pintou essa aquarela/ Livres do açoite da senzala/Presos na miséria da favela". Teve o Fernando Pamplona, carnavalesco que desde a década de 60 abordou a temática do oprimido. Mas são apenas alguns momentos. Historicamente, as escolas sempre exaltaram figuras como a Princesa Isabel, Duque de Caxias e Marechal Deodoro.
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