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Chico Alves

"Crentefobia", a nova lenda depois da terra plana

Culto evangélico - Reprodução/Arquivo pessoal
Culto evangélico Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

Colunista do UOL

23/02/2020 19h53

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A primeira vez que a palavrinha apareceu na imprensa foi há seis anos, quando uma vereadora do PSC de Curitiba teve rejeitada proposta para premiar na Câmara Municipal quem prestasse bons serviços aos evangélicos. Como os católicos tinham essa prerrogativa, ela reclamou de discriminação e usou o neologismo: "crentefobia".

Depois do artigo do economista Pedro Fernando Nery, no Estado de S. Paulo, publicado no início do mês, uma reportagem da Folha de S. Paulo traz hoje a tal palavra de volta ao debate. O Twitter, que é muito chegado a uma treta, foi à loucura.

As principais reclamações das vítimas da tal "crentefobia" são de associação automática da fé religiosa a ideias retrógradas, no campo dos costumes, e a ideais bolsonaristas, no que diz respeito a política.

É claro que Petra Costa exagerou ao falar de "ondas de evangélicos" contra negros, gays e feministas. Mas com os líderes neopentecostais jogando toda a sua visibilidade e peso político na eleição e na sustentação de Jair Bolsonaro, como dissociar os seguidores de Edir Macedo, Silas Malafaia, RR Soares e Waldemiro Santiago de tudo o que se passa no Brasil?

Mesmo denominações evangélicas tradicionais politizaram seu discurso e sofrem com a desconfiança de setores progressistas.

Julgar a parte pelo todo não é o mais justo. Certamente haverá quem vá aos templos de Macedo, Malafaia, RR Soares e cia. e não seja reacionário.

Mas também não é justo julgar o todo pela parte. Se há progressistas entre os neopentecostais, a marca que os líderes dessas igrejas imprimem às suas religiões varia entre o conservador e o reacionário. Não se trata de preconceito: basta uma rápida checada no noticiário para ver as pautas da bancada evangélica no Congresso. Ou uma olhada nas pregações transmitidas pela TV.

É preciso lembrar ainda que nem sempre as "elites intelectuais" da esquerda (principais alvos da acusação da tal "crentefobia") mantiveram os evangélicos à distância. Macedo, Malafaia e outros líderes neopentecostais apoiaram o PT nos dois governos de Lula. O líder da Universal foi parceiro de Dilma no primeiro mandato e só desembarcou na reta final do impeachment, como conta o excelente livro "O Reino", do jornalista Gilberto Nascimento.

Ao dar tom partidário às suas pregações, os bispos atraem para si e seus seguidores simpatia e antipatia. Nesse momento, eles se contrapõem à esquerda e vice-versa. A vida é assim.

Outro ponto importante é que o neologismo "crentefobia" denota que há opressão e violência contra os "crentes". Afinal, vivemos uma época em que o mesmo sufixo, que originalmente identifica medo ou aversão, é usado nas palavras homofobia e transfobia, que designam a segregação cujas vítimas são agredidas e assassinadas país afora.

Não me consta que "crentes" sofram agressões pela fé que professam. Ao contrário, líderes neopentecostais muitas vezes incitam abertamente o ódio contra religiões diferentes, em especial as de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. Mesmo antes das atuais invasões e depredações a terreiros, empreendidas pelos chamados "bandidos de Jesus" (traficantes que se autoproclamam evangélicos), os adeptos das religiões afro já eram estigmatizadas por alguns bispos e pastores como adoradores do demônio.

Rótulos verdadeiramente preconceituosos como esse continuam a ser disseminados em infindáveis horas de programação de TV e rádio que têm pastores como proprietários.

Diante disso, é preciso perguntar: quem são os opressores, afinal?