RJ estima perda de até R$ 8 bilhões com crise, afirma presidente da Alerj
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Com diagnóstico positivo para covid-19, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado André Ceciliano (PT) está de quarentena em seu sítio. No dia em que soube o resultado do exame, ele falou à coluna sobre a necessidade de urgência na ajuda federal a governadores e prefeitos, para compensar as perdas com a desaceleração econômica causada pela pandemia.
Ceciliano estima que o isolamento social tenha como consequência para os cofres do governo fluminense perda de até R$ 8 bilhões na arrecadação. Apesar disso, é a favor de manter a estratégia, como orienta a Organização Mundial de Saúde.
"O dinheiro, a Casa da Moeda emite. A vida é um sopro divino, é Deus. Então a gente precisa salvar as vidas", defende.
O deputado cobra orientação única na política de combate federal à pandemia e avalia que o governo federal demorou a agir contra o coronavírus. "Infelizmente, o futuro vai nos cobrar isso", acredita Ceciliano.
"É muito ruim que o país não tenha uma política para nesse momento salvar municípios e estados", lamenta. Veja a seguir a entrevista:
UOL - Qual a importância da ajuda do governo federal aos estados e municípios nessa pandemia? Qual a situação do caixa do estado do Rio?
André Ceciliano - É sempre bom lembrarmos que mais de 55% da arrecadação que é feita nos municípios fica no governo federal. Se a União acha que pode ficar distante de estados e municípios nesse momento, não aportar recursos e não criar condições para que os estados possam passar por esse momento difícil, quem vai sofrer mais será o próprio governo federal.
Varia um pouquinho, mas de cada R$ 100 que se arrecada, 57%, 56% ficam com o governo federal. Então, ele precisa socorrer.
Esse PLP da Câmara (Projeto de Lei Complementar que estabelece a ajuda da União aos prefeitos e governadores) que agora foi para o Senado é fundamental, porque cria a possibilidade de não haver nesses quatro meses nenhuma perda de arrecadação em relação ao mês anterior. Governos estaduais e municipais não têm condição de emitir recursos, de emitir dinheiro na Casa da Moeda, não têm Banco Central. O governo federal tem as reservas internacionais, que são mais de R$ 350 bilhões.
A gente já viu isso no mundo inteiro, os próprios Estados Unidos em 1929, depois da Segunda Guerra também. Se o governo não financiar a construção civil, criar condições de injetar recursos mesmo, não vai.
O cidadão na ponta está passando necessidade. Tenho informação que na zona Sul do Rio o número de pedintes na rua aumentou exponencialmente. Sabemos que mais de 40% (dos trabalhadores) são informais e mais de 65% das famílias estão endividadas.
Então, o governo precisa criar a renda mínima de R$ 600, como foi feito, mas precisa também dar as condições para a pequena e microempresa e para os governos se manterem nos próximos 120 dias.
O projeto que tramita no Congresso prevê repassar R$ 41 bilhões a governadores e prefeitos sem contrapartida. O governo discorda do valor, mas a principal divergência é que a equipe econômica quer contrapartida, temendo uma possível "farra" com esses recursos. O que o sr. acha desse argumento?
A gente criou no imaginário popular que o recurso chega e é gasto sem nenhuma fiscalização. O Rio de Janeiro está aí para provar que isso não é verdade. Nós tivemos a calamidade na Região Serrana, em 2011, foram feitas obras emergenciais, dispensas de licitação e todos os que fizeram mau uso dos recursos estão hoje respondendo judicialmente.
Eu fui prefeito por duas vezes no município de Paracambi. Assumi em 2001, já sob a égide da lei de Responsabilidade Fiscal, que veio para melhorar as contas públicas. Então, temos o acompanhamento do Ministério Público, muito em cima, do Tribunal de Contas e da própria Câmara Municipal. Se houver mau uso do recurso, seguramente quem usar errado pagará no futuro pelo mau uso.
E quanto às contrapartidas?
Aqui no estado do Rio de Janeiro passamos dois anos difíceis, 2016 e 2017. O estado teve que assumir um compromisso, que foi a Lei de Recuperação Fiscal, na verdade é uma lei para a falência do ente público. Só o Rio de Janeiro aderiu, até o momento, a essa lei. Naquele instante foi fundamental para que o estado pudesse tomar empréstimo para botar em dia o salário do funcionário público.
Nós, aqui na Alerj, autorizamos a venda da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), uma das exigências. O estado fez um ajuste muito duro. Em 2019, a estimativa do rombo era de R$ 10 bilhões e ele ficou em torno de R$ 2 bilhões, R$ 3 bilhões. O estado começava a sair daquela crise.
Aí vem a pandemia, que faz com que a arrecadação do ICMS despenque. A gente tem notícia que teremos entre 35% e 40% somente da arrecadação. Pior, vem a crise do preço do barril de petróleo. O estado está estimando perder nos próximos 120 dias entre R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões.
Por isso, é fundamental que a União possa amparar os estados e municípios. Porque a arrecadação está na ponta, a arrecadação está no município. Se você cria as condicionantes para o pequeno e microempresário não demitir e as pessoas que não têm renda ou que estavam no trabalho informal passem a ter alguma renda, elas vão consumir. Isso é fundamental.
O governo federal continua resistindo a liberar mais recursos.
É fundamental que o governo garanta o mínimo para a saúde e alimentação dos brasileiros. Não culpo o presidente Bolsonaro, porque na campanha ele falava "eu não entendo de economia", "eu não entendo de saúde", tudo era o "posto Ipiranga". Mas em 2019 e também agora não vemos nenhuma política pública.
Não é de agora, na pandemia. Só se fala na cantilena das reformas. Ouvimos isso em 2016 e 2017, sobre a reforma trabalhista, que ia gerar empregos. Depois na reforma da Previdência, que o câmbio ia ficar pela metade, que ia vir investimentos de toda ordem, do mundo inteiro, e o que a gente viu foi uma fuga de capital. Vimos também que se retirou do mercado em 10 anos R$ 1 trilhão. Ninguém economiza esse valor sem tirar recursos do mercado.
Não há uma política do governo federal para estados e municípios, na área industrial, na área de habitação e mesmo na saúde. Vimos o Mais Médicos irem embora, as políticas de garantia de renda mínima, de minorias foram se perdendo ao longo de 2019.
É muito ruim que o país não tenha uma política para nesse momento salvar os municípios e os estados. Tem que injetar recursos, porque daqui a pouco os estados não terão condição de fazer pagamento dos salários dos funcionários. O que a gente viu até agora o governo federal mandar para os estados em relação à saúde?
Se falou em R$ 88 milhões para o estado do Rio de Janeiro. Isso é nada. Vou dar um exemplo: no ano de 2019, a Alerj economizou R$ 421 milhões, corresponde a 35% do nosso orçamento, que devolvemos ao Tesouro. Esse ano, em janeiro e fevereiro, economizamos R$ 100 milhões. Fizemos um compromisso com o governador para que esses recursos, que já devolvemos ao Tesouro, pudessem ser investidos na atenção básica do estado, com pelo menos R$ 1 milhão para cada município, para reforçar equipes de Saúde da Família, agentes comunitários e núcleos de referência para coronavírus, que sirva de porta da entrada para a doença.
A Alerj tem discutido os gastos do governo Witzel na contratação de insumos e serviços para combater a pandemia. Tem um contrato de R$ 835 milhões sob suspeita, um subsecretário que foi afastado, sumiço de informações do site do governo... Depois da publicação das denúncias, no blog do jornalista Ruben Berta, houve pedido de abertura de uma CPI. Como está a transparência do governo fluminense?
Nós votamos aqui o estado de calamidade no estado e criamos uma comissão de acompanhamento dos gastos. Estão nela os presidentes da Comissão de Constituição e Justiça, Comissão de Tributação, Comissão de Saúde, Comissão e Economia e a Comissão de Orçamento. Então, vamos ter cinco deputados fiscalizando esses recursos e contratos. O Ministério Público (MP) fez um grupo de acompanhamento, o Tribunal de Contas (TCE) também. A CPI é importante, mas mais importante é que os órgãos de fiscalização já estão em campo, fiscalizando.
A gente ouve as notícias e fica preocupado. Tenho conversado com as pessoas do governo, chamado a atenção, eles precisam vir a público e dar esclarecimentos. A Assembleia não está parada, através das comissões, e já notificou MP e TCE para que fiscalizem esses contratos.
Falo sempre com o governador que temos o compromisso de dar governabilidade ao Executivo, já que o Rio sofreu muito nos últimos anos e a gente não quer que aquele momento volte. Então, nós vamos fiscalizar. Com relação à CPI, também tem muita disputa política nessa questão. Mas, se for necessário, nós vamos fazê-la. Diante das providências tomadas, acho que não será necessário.
Como está a rede estadual de saúde para enfrentar esse pico da pandemia, que está previsto para a s próximas semanas?
Não é só o Rio de Janeiro, no mundo todo não tem ninguém preparado. Temos visto o número de óbitos nos Estados Unidos, na Europa. O que a gente precisa fazer é o achatamento da curva, fazer com que a curva se mantenha estável. Porque se for de uma vez só, impossível ter o aparato de hospitais preparados para atender. Esse achatamento é o que, ao longo de um período de 120 dias, vai fazer com que os hospitais, CTIs e UTIs tenham condições de atender os pacientes.
O isolamento social é indicado por especialistas de todo mundo para achatar essa curva. Uma das poucas autoridades contrárias a essa estratégia é o presidente Bolsonaro, que fala do custo econômico da desaceleração econômica. O que o sr. acha dessa questão?
Todos os especialistas dizem que o afastamento social é fundamental. Está provado no mundo inteiro que o que pode dar alguma resposta é o isolamento. Infelizmente, tem consequências. Mas o dinheiro, a Casa da Moeda emite. A vida é um sopro divino, de Deus. Então, a gente precisa salvar as vidas, fundamentalmente.
Vários prefeitos fluminenses receberam ofício do Comando Militar do Leste pedindo o levantamento do número de sepulturas disponíveis nessas cidades. A Alerj recebeu alguma informação sobre esse levantamento?
Não. A Assembleia tem acompanhado por vídeo de prefeitos, em especial do vídeo do prefeito de Três Rios. É muito preocupante, é uma política que a gente precisa ter uma voz única, uma determinação só. O sujeito fala em voltar a circulação, comércio, indústria, escola. O outro, do próprio governo, fala em isolamento. O outro já quer avaliar a possibilidade do número de enterros nos cemitérios. Tem muita "bateção de cabeça". É fundamental que tenha um comando único que dá a diretriz, porque essa coisa não é boa.
O mundo inteiro vem desde dezembro, quando o primeiro caso foi divulgado na China, enfrentando o problema. No Brasil começa em 26 de fevereiro. Nós perdemos, na minha opinião, duas semanas fundamentais. Aquele período que antecedeu o dia 15 de março.
Ficou muito claro que as autoridades do governo federal estavam meio retraídas, por conta da manifestação do dia 15, e vacilaram muito nos 15 dias que antecederam a manifestação quanto a medidas que já poderiam ter sido tomadas. Infelizmente, o futuro vai nos cobrar isso. Podem ter certeza que no futuro vão cobrar esse espaço de 15 dias que o governo federal vacilou em tomar medidas, justamente por causa das manifestações.
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