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Chico Alves

Maia e Alcolumbre nunca estiveram tão distantes

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ) - Dida Sampaio/Estadão
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ) Imagem: Dida Sampaio/Estadão

Colunista do UOL

03/05/2020 10h01

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Desde que, em meados do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro resolveu atacar o Congresso por barrar medidas amalucadas que ele pretendia aprovar, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre formaram uma parceria para se defender. Com o tempo, no entanto, essa sinergia mudou. O presidente da Câmara foi ficando sozinho como alvo dos bolsonaristas e o chefão do Senado saiu dos holofotes.

Enquanto Maia usava de ironia para criticar as agressões do presidente da República e seus seguidores das redes sociais, Alcolumbre era econômico nas palavras ou se esquivava de responder. A diferença de estilos se aprofundou e hoje pode-se dizer que o presidente do Senado coloca em prática a estratégia do "cada um por si".

Essa separação se materializou no projeto de ajuda que destina R$ 125 bilhões a estados e municípios para enfrentar a pandemia, aprovado na noite de ontem pelos senadores. O texto é muito diferente do projeto encaminhado pela Câmara. A principal diretriz apontada pelos deputados, a recomposição das perdas tributárias de prefeitos e governadores, não foi seguida. O valor do auxílio também diminuiu substancialmente.

Na semana passada, Alcolumbre avisou a Maia que iria trabalhar em conjunto com o ministro da Economia e fazer mudanças importantes no projeto. A interação entre os dois parou por aí. Decididas as modificações, o presidente do Senado não mostrou ao presidente da Câmara o texto antes de submetê-lo a votação, como vinha fazendo.

"Isso me preocupou muito", admitiu à coluna a senadora Kátia Abreu (PP-TO), que defende que as duas Casas Legislativas atuem com independência, mas em harmonia.

Quem acompanhou a votação de ontem viu os elogios de alguns líderes partidários do Senado ao estilo "silencioso" de Alcolumbre para chegar ao texto do relatório, em contraposição à estratégia de Maia, que recebeu crítica aberta.

"No momento em que a fogueira da vaidade queimava e produzia o choque entre os presidentes da Câmara e da República, o presidente Davi acautelou-se. Com prudência, silenciou e passou a articular o entendimento", comentou o senador Álvaro Dias, líder do Podemos.

Antes, o líder do PSD, Otto Alencar, já tinha elogiado Alcolumbre pela capacidade de ficar calado diante da troca de farpas entre integrantes do Executivo e o presidente da Câmara dos Deputados. Segundo ele, foi isso que criou condições para a negociação com o governo federal. "Dos silêncios que eu vi, foi o mais inteligente de todos", destacou Alencar.

Houve outras menções à discrição do presidente do Senado, como a do líder do PROS, Temário Mota, que saudou Alcolumbre por se manter "silencioso na hora do grande barulho". Um dos "barulhentos" seria Rodrigo Maia.

Do lado da Câmara, deputados que ajudaram a confeccionar o texto enviado ao Senado criticam Alcolumbre por deixar Maia sozinho na defesa mais enfática do Congresso. Há também muitas reservas ao texto costurado com o governo. Deputados ironizam o fato de a capital do Amapá, estado de Alcolumbre, ter passado a ser a maior beneficiária de recursos na primeira versão do relatório do Senado.

Por tudo isso, o encaminhamento do projeto de ajuda a estados e municípios que chegará à Câmara amanhã poderá se tornar um divisor de águas para o relacionamento entre Maia e Alcolumbre. Se o texto não sofrer mudanças substanciais na Câmara, o presidente do Senado se colocará pela primeira vez como a voz predominante entre os dois.

Já se os deputados fizerem valer a ideia que prevaleceu no projeto aprovado antes, e modificarem o texto, a ajuda aos prefeitos e governadores, que sofrem com falta de recursos, vai demorar ainda mais, pois haveria uma nova votação no Senado.

Qualquer que seja o desfecho, é possível dizer que nesse momento Alcolumbre e Maia não falam a mesma língua.

O governo tem motivos para comemorar o entrosamento com o Senado, capitaneado pelo ministro Paulo Guedes. Não só porque vai desembolsar menos dinheiro para estados e municípios, mas principalmente, porque encontrou um caminho político para tentar esvaziar o status de primeiro-ministro informal, que Maia vinha tendo até aqui.