No Rio, governantes colaboram para aumentar o sofrimento com a pandemia
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Quando os primeiros registros de infecção por coronavirus surgiram no Rio de Janeiro, o governador fluminense e o prefeito da capital pareciam surpreendentemente dispostos a fazer as coisas certas. Wilson Witzel logo determinou o fechamento do comércio e a interrupção de aulas, entre outras medidas para viabilizar o isolamento social. Embora relutante, Marcelo Crivella fez o mesmo.
Witzel apresentou um plano que previa a instalação de nove hospitais de campanha, com novos leitos e respiradores. Crivella mostrou sua estratégia, também prometendo a abertura de leitos e a compra de equipamentos. O governo federal, que tem seis unidades de saúde no estado, também faria sua parte.
Mais de um mês depois, vê-se hoje que o tal planejamento não passou de um amontoado de números e metas que não se concretizaram. O Rio tem atualmente mais de 1.100 pessoas na fila de espera por uma vaga de internação. Com 17 mil infectados e 1.714 mortos pela covid-19, registra a maior taxa de letalidade do país.
Médicos e enfermeiros reclamam da falta de equipamentos para fazer seu trabalho em segurança. Pacientes de covid morrem em cadeiras nos corredores de algumas unidades por falta de leitos equipados e profissionais de saúde. O colapso está à vista de todos.
O caos que resulta em tanto sofrimento foi construído por todas as instâncias de poder: municipal, estadual e federal. São muitos os ingredientes dessa receita trágica: negligência, cálculos enganosos, sucateamento da estrutura de saúde e, claro, corrupção.
O escândalo da compra de respiradores pelo governo estadual em empresas que não tinham sede ou funcionários levou à prisão o ex-subsecretário de Saúde, Gabriel Neves, e o superintendente de Logística da secretaria de Saúde, Gustavo Borges da Silva. Dos mil equipamentos adquiridas com dispensa de licitação e parte do pagamento adiantado, somente 52 foram entregues. Os respiradores não atendem às especificações.
O secretário estadual de Saúde se defendeu dizendo que as compras estão sendo investigadas e que não tinha como evitar o ocorrido, já que "todas as documentações apresentadas e checadas estão de acordo".
Para o Ministério Público, no entanto, "agentes públicos que ocupam posições decisivas e sensíveis na Secretaria de Saúde do Estado" atuavam no "direcionamento de contratações emergenciais".
Como resultado da falta de respiradores, dos nove hospitais de campanha prometidos por Witzel até 30 de abril, somente três estão funcionando e, mesmo assim, com capacidade reduzida.
Na rede sob responsabilidade do prefeito Marcelo Crivella a situação também é crítica. A começar pela unidade que seria referência para tratamento da covid-19, o Hospital Ronaldo Gazolla. Profissionais de saúde denunciam a falta de medicamentos e equipamentos em bom estado.
Médicos e enfermeiros, que já não são muitos, foram deslocados da unidade de referência para atender no hospital de campanha do Riocentro. Muitos reclamam que estão com salários e benefícios atrasados.
Para completar, houve falta de luz no Ronaldo Gazolla na semana passada e o gerador não teria funcionado adequadamente, segundo denunciam os servidores da unidade. Isso teria causado a morte de dois pacientes, um rapaz de 24 anos e uma senhora de 59 anos.
O diretor do hospital, Luiz Fernando Gandara, divulgou nota dizendo que não há relação entre a queda de energia e as mortes mencionadas. "Os equipamentos que estavam em uso pelos pacientes - respiradores, monitores e bombas infusoras - continuaram funcionando com suas baterias próprias", garante.
Como se a confusão já não fosse grande o bastante, a secretária municipal de Saúde, Ana Beatriz Busch, está demissionária. O motivo seria interferência política de Crivella em sua pasta.
A rede sob responsabilidade do Ministério da Saúde também dá sua contribuição à bagunça. O Hospital de Bonsucesso, que é federal, deveria ser referência para tratamento do coronavírus, mas de 240 leitos disponíveis apenas 35 funcionavam na sexta-feira.
Outra unidade da rede, o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, que seria usada como unidade de retaguarda, tem 313 leitos instalados, mas, destes, 186 leitos estão desocupados, 25 com respiradores.
A barbeiragem de todos esses governantes tem como pano de fundo a queda no investimento ocorrido nos últimos anos na rede de saúde, o que acarretou a diminuição no quadro de servidores — que hoje fazem muita falta — e menos recursos para compra de insumos.
Toda a angústia de médicos, enfermeiros e pacientes acontece justamente no estado que tem a maior rede pública de hospitais em todo o país — o que torna bastante questionável a necessidade de instalar unidades de campanha.
Não pode haver maior prova de fracasso dos gestores dessas três esferas de governo na luta contra a pandemia no Rio.
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