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Chico Alves

"Não creio em guerra civil", diz general citado em nota de apoio a Heleno

18.mai.2019  General Paulo Chagas - Eduardo Militão/UOL
18.mai.2019 General Paulo Chagas Imagem: Eduardo Militão/UOL

Colunista do UOL

26/05/2020 04h00

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A nota intitulada "Alto lá, 'ministros' do stf", divulgada no domingo, 24, aumentou o nível de tensão no pais. O texto assinado por 86 coronéis e três generais do Exército teve o objetivo de demonstrar apoio ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que protestou contra a possibilidade de apreensão do celular do presidente Jair Bolsonaro. Foi também um desagravo ao general Paulo Chagas, cuja casa foi alvo no ano passado de busca e apreensão pela Polícia Federal, em investigação sobre fake news.

O texto reclama das decisões do Supremo Tribunal Federal que são baseadas em "ilegalidade e a desonestidade, praticadas por este bando de apadrinhados". Chama atenção para uma "crise institucional" que pode ter "desfecho imprevisível" e até desaguar em uma guerra civil.

Mesmo tendo sido defendido na nota divulgada domingo, Paulo Chagas discorda do seu tom. "Não vejo necessidade de intimidar a Suprema Corte", disse ele à coluna. O general tem críticas à conduta do STF mas também à postura do governo e do presidente Bolsonaro — a quem ele apoia.

Ficou perplexo com a reunião ministerial do dia 22 de abril. "Se estivesse no meio daquele tumulto todo, sairia de lá, entregaria meu chapéu. Ia dizer: sinto muito, mas não estou me sentindo bem aqui e estou fora", garante o general.

Nesta entrevista, Paulo Chagas reprova a participação de Bolsonaro em manifestações antidemocráticas, lamenta os rompantes do ocupante do Palácio do Planalto e diz que ninguém deve temer reação caso a Justiça condene um dos filhos do presidente que atualmente são investigados pela Polícia Federal.

Assim como Heleno e os signatários da nota, Chagas também se formou na Academia Militar das Agulhas Negras, na turma de 1971. Diz que ficou triste ao ver o presidente admitir que faz uso de um sistema "particular" de informações, que seria alimentado por policiais militares e civis do Rio de Janeiro. "Qualquer um que vai buscar informação protegida está cometendo um crime", diz ele.

UOL - O que achou da nota assinada por 86 coronéis e três generais em apoio ao general Heleno e em desagravo ao sr.

General Paulo Chagas - A intenção foi boa, mas a nota dá a impressão de que o Heleno está sob ataque, e não é isso. Deveriam ter interpretado a intenção do Heleno quando fez a nota, que é dar um alerta para a situação do país e, a partir daí, pacificar. A intenção do texto ( "Alto lá, 'ministros' do stf") é excelente, mas o Heleno não está precisando de apoio, o que está precisando de apoio é a intenção do Heleno de pacificar.

Não assinei o texto por duas razões: a primeira é porque fui citado e também porque não concordei com a maneira como foi redigido. Deveria ser em apoio à ideia de pacificação do Heleno, mas não nesse clima de "se houver briga nós vamos brigar junto". Não vejo dessa forma, não vejo necessidade de intimidar a Suprema Corte. Temos, sim, que mostrar para eles como cidadãos, já que não podemos falar pelo Exército, que o caminho é da harmonia, da pacificação. Não é brigando um com o outro que vamos achar solução.

Estamos numa crise institucional?

Nós estamos numa crise política, que poderá vir a se transformar numa crise institucional. O presidente está empenhado em evitar que isso aconteça. Chamou o Alcolumbre, chamou o Maia para conversar. Ele tem um bom relacionamento com o Toffoli. Então acho que tem todos os instrumentos para pacificar esse problema. O que deve ser evitado, e está na mão do Toffoli, são as decisões monocráticas dos ministros. Isso é o que está atrapalhando.

Os termos da nota do general Heleno também não são causadores de tensão? Diz que a decisão de Celso de Mello de enviar à PGR o pedido de apreensão do celular do presidente "é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia", como se o STF tivesse o objetivo de desestabilização.

É muito fácil confundir um alerta com ameaça. O texto é um tanto contraditório, tem esse trecho que dá a entender que é uma ação proposital do STF para desestabilizar, mas em outro trecho ele já alivia isso. É difícil redigir um alerta sem que haja a conotação de ameaça.

A nota do Heleno é um alerta à Suprema Corte sobre esse assunto do celular do presidente, no qual ele acha que estão exacerbando do poder deles. Não é conveniente que isso aconteça, está dando um alerta. Pode ser que tenha usado termos mais duros, mas a intenção eu aplaudo. Então acho que o texto da nota que veio depois deveria ser algo como "nós também achamos que deve haver uma pacificação, uma harmonização". Mas quando se coloca do lado do Heleno com a interpretação de que ele quer ir para a briga , está errado.

Quem deu partida nesse processo foi o PT. O PT entrou com um pedido porque queria que fosse investigado o telefone do presidente. Isso chegou no STF e caiu na mão do Celso de Mello. O Celso de Mello pegou e mandou para a PGR para ver se era o caso. Quem é que tem que decidir agora? A PGR, o procurador-geral. A própria nota do Heleno já estava extemporânea, porque quando ele se manifestou o Celso de Mello já tinha mandado para a PGR. Então ele tinha que ter-se dirigido à PGR. Essas coisas estão andando muito mais rápido do que a gente reage.

Pra mim, o Heleno não está querendo entrar em choque, ele está querendo evitar o choque.

A nota em favor do ministro Heleno e em desagravo ao sr. fala em risco de guerra civil. Qual a possibilidade de chegarmos a esse ponto?

Não sei qual a possibilidade de isso acontecer, mas para mim guerra civil tem que ter pelo menos duas facções. Tem que ter pelo menos um amigo e um inimigo ou então não vai ter guerra. Não há nenhum indício de que haja alguma facção se organizando para a guerra.

Quais as facções que poderiam ir à guerra nesse ambiente que está relatado no texto? Esquerda contra direita, situação contra oposição? O próprio Congresso está dividido. O presidente agora está conseguindo novos apoiadores, o Centrão está ficando do lado do presidente, ele está nomeando a turma do Centrão para algumas funções, o que caracteriza que ele está arrumando aliados. Então, estão se organizando para o debate e não para a guerra. O combate se dá dentro do Congresso.

Agora, quem é que está do lado de fora? Essa turma que sai em carreatas, passeatas, das quais eu participei de várias, de 2013 para cá. Não tenho participado agora porque a maioria das movimentações que eu vejo têm slogans que não falam aos meus princípios. Então não vou.

Esse pessoal que está fazendo carreatas está se preparando para guerra? Não. A turma da esquerda, do PT, está meio apagada. Não creio que se chegue a um ponto de guerra civil, antes disso, o bom senso das autoridades constituídas vai chegar à conclusão de que ninguém vai ganhar com isso. Pelo contrário, todos vão perder.

O grande ponto de tensão com o STF é, então, o excesso de decisões monocráticas?

Teve essa decisão do Celso de Mello, teve a suspensão da posse do diretor-geral da PF. Algo completamente desnecessário. Parece que estão cutucando a onça com vara curta. O calcanhar de Aquiles do governo é o temperamento do presidente. Então é ali que o cara vai. Fica cutucando ali para ver qual a reação. Essa foi a impressão que me deu a decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ainda bem que o presidente reagiu com serenidade, não teve nenhum problema.

Na posição que ele (o presidente Bolsonaro) está é obrigado a controlar o temperamento. "Ah, mas ele é assim mesmo". Não aceito essa ideia de que "ele é assim mesmo", porque a responsabilidade de mais alto mandatário do país faz com que o cargo esteja acima dele, aí tem que se controlar. Se não tem essa capacidade, arruma alguém que fique perto o tempo todo para te controlar ou então evite exposições.

Parece que essa animosidade vem do STF, mas desde o ano passado há manifestações de bolsonaristas pedindo fechamento do Supremo, ofendendo ministros a Corte, pedindo fechamento do Congresso. Várias, inclusive, com a participação do presidente.

Condeno a participação do presidente nessas manifestações. Ele diz que vai ao encontro do povo, que não interessa o que está na faixa. Com isso, ele está se arriscando à interpretação que qualquer um quer dar. A essência desse pessoal que prega o fechamento do STF e fechamento do Congresso é totalmente antidemocrática. Aí o cara vem dizer que está defendendo a democracia desse jeito? Não. Se tomou uma atitude como essa numa situação de crise absoluta, como foi 1964. Havia desordem, o motim invadiu as Forças Armadas.

Em nossos dias é diferente, a sociedade tem que ir para a rua para dizer o que quer, o que pensa. Teve uma manifestação aqui em Brasília quando estavam votando o habeas corpus do Lula, em que também fui para a rua para mostrar meu repúdio a essa possibilidade. Quando eu estava para subir no carro de som, chegou um cidadão e disse pra mim: "General, sobe aí e é só o senhor dizer 'vamos invadir o STF' e toda essa multidão sai daqui agora e vai lá quebrar tudo". Eu disse pra ele: se é isso que você quer que eu diga eu não vou nem subir no carro de som, jamais vou dizer uma coisa dessas. Isso seria a antidemocracia.

Temos que manifestar o nosso desejo, não impor o nosso desejo. Até porque somos 210 milhões de habitantes. Em uma manifestação dessas são 3 mil. Esses 3 mil representam milhões de habitantes? Não. A não ser que façam,os um plebiscito para resolver isso.

O que o sr. achou da reunião ministerial do dia 22 de abril?

Aquilo para mim não poderia ser qualificado como uma reunião ministerial. Reunião de ministro é feita para planejar, debater, discutir, controlar o destino da nação. O governo é a gestão pública e deve dar a direção que o país vai seguir. Difícil conseguir isso no meio daquele tumulto, com aquela quantidade de palavrões. Isso depõe muito contra a imagem do governo.

Tenho dito e repetido que, como tenho feito críticas ao temperamento e atitudes do presidente, eu tenho que tomar cuidado para não parecer que sou contra o governo. Não. Eu não sou contra o governo. Sou contra a intempestividade do presidente.

Acho um absurdo que aquilo fosse uma reunião de ministério do governo brasileiro. Mas continuo confiando no governo. Quem disse os palavrões, quem exacerbou nas atitudes foi o presidente. Bolsonaro é antes de mais nada presidente da República. É preciso assumir uma responsabilidade, o cargo está acima da pessoa.

Na nota do ministro Heleno, ele defende institucionalidade, estabilidade e harmonia entre os poderes. Tudo o que não houve naquela reunião ministerial.

Aquilo foi a portas fechadas e jamais seria de conhecimento público, jamais seria transformado em manifesto. Só foi interpretado assim porque foi tornado público. Mas não era o objetivo daquela reunião. Então, cada um vai lá, faz o seu desabafo, diz o que acha. Uma grande fanfarronada, principalmente da parte do presidente.

Eu te digo, se eu sou convidado para ser ministro e estivesse lá no meio daquele tumulto todo, sairia de lá e entregaria meu chapéu. Ia dizer: sinto muito, mas não estou me sentindo bem aqui e estou fora.

Naquela reunião ministerial, o presidente Bolsonaro fala que tem um serviço de informação "particular". Na sexta-feira à noite, ele completou dizendo que soube de investigações em andamento através de policiais civis e militares do Rio de Janeiro. Como o sr. avalia essas declarações?

Vejo com muita tristeza. Mas não pode voltar atrás. Ele disse que tem um sistema pessoal de inteligência. Isso poderia ser dois ou três camaradas que ficam lendo jornal, conversando por WhatsApp com A, B ou C, para tirar uma conclusão e entregar ao presidente. Fazer coleta de dados em fontes abertas. Isso é legal.

Mas um sistema de inteligência que vai pegar o dados protegidos, isso é ilegal. Qualquer um que vai buscar a informação protegida está cometendo um crime, porque a pessoa estaria fazendo uma operação para penetrar onde não deve ir. Vejo com tristeza o presidente revelar isso.

Quando disse na reunião ministerial que tinha um serviço pessoal de inteligência, não me impressionou. Mas quando ele disse que recebe informações de policiais militares e civis das investigações que estão em curso, fica complicado. E não sou eu quem vai cobrar do presidente, mas ele será cobrado por isso, pela Suprema Corte, pelo Congresso. Porque isso não é possível, não deve ser assim.

Não sei se quis de alguma forma mostrar que ele tem mais poder do que realmente tem, se foi uma fanfarronada ou se isso é verdade. Agora ele vai ter que dizer, porque certamente será questionado. Mais um problema.

Na origem de vários problemas com o presidente estão investigações da Polícia Federal que envolvem seus filhos. Flavio Bolsonaro por causa da história da "rachadinha" com Queiroz, Carlos e Eduardo por causa das investigações do "gabinete do ódio". Nesse clima de tensão institucional, se houver condenação de algum deles pela Justiça devemos temer alguma reação?

Não pode temer nada. Tem que cumprir a lei. Faz o inquérito, faz a investigação, faz o julgamento, chega a conclusão, seja ela qual for, tem que ser cumprida. Se existe recurso, use o recurso. Quando chegar o momento em que não tem mais recurso vai vir a punição e pronto. Como militar, minha formação me diz que eu posso não concordar com a lei, mas tenho que cumprir a lei e está acabado.

O que o sr. acha que pode ser feito para se chegar a um distensionamento entre os poderes?

O que deve haver agora é o diálogo. O povo pode até ir para rua para mostrar que quer o entendimento entre os poderes, a harmonia entre os poderes.

Se esses poderes não se encontrarem, não trabalharem em harmonia, se achar que isso vai se encaminhar para uma ruptura, eu como soldado gostaria que as Forças Armadas, com o ministro da Defesa como porta-voz, viesse a desempenhar o papel de poder moderador, para conversar com os poderes e fazê-los ver a importância que tem a harmonia.