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Chico Alves

Deputado que barrou liberação de munição: "Bolsonaro cria milícia política"

Deputado Ivan Valente  - Lúcio Bernardo Jr / Câmara dos Deputados
Deputado Ivan Valente Imagem: Lúcio Bernardo Jr / Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

12/06/2020 08h53

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A 25ª Vara Cível Federal de São Paulo atendeu a um pedido do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e suspendeu a portaria do presidente Jair Bolsonaro que em abril aumentou o limite para compra de munição. Na decisão liminar, o juiz argumentou que a determinação do governo sofria de um vício que a torna nula: o general Eugênio Pacelli, que participou da elaboração do parecer técnico, já tinha passado para reserva quando fez o trabalho.

Além disso, o juiz deixou claro que a portaria fere o Estatuto do Desarmamento.

Em entrevista à coluna, o deputado psolista liga essa iniciativa do presidente Jair Bolsonaro à fala na reunião ministerial de 22 de abril, em que deixou clara sua intenção de armar a população. "Eu acho que temos que ser explícitos: ele está propondo a formação de milícias políticas armadas", alerta Valente.

O parlamentar recorda as frases ditas pelo presidente: "o povo de arma é garantia para não vir um fdp para impor uma ditadura aqui", "quero odo mundo armado", "o povo armado jamais será escravizado". Ele diz que não se pode minimizar essa ameaça, que na sua interpretação configura crime de responsabilidade.

Critica também outra portaria, que dificulta o controle de armamentos e cartuchos. "Quando ele não quer rastrear armas e munições, quem se beneficia são milícias e crime organizado", alerta.

UOL - O que o sr. argumentou ao juiz da 25ª Vara?

Ivan Valente - Nessa portaria 1634, ele expande o número de armamentos possíveis, em uma média que é a seguinte: de 200 munições anuais, para 550 mensais. Uma expansão brutal do armamento. Mas houve uma grande falha. O general Eugêncio Pacelli, que era o comandante responsável por esse tipo de controle de armas, tinha entrado na reserva no dia 31 de março. No dia 14 de abril o consultaram, só que não poderia mais fazer isso, porque não era titular do Comando de Logística do Exército.

O juiz pegou essa questão de cara. Escreveu que quem está exonerado não pode assinar portaria. Pacelli recebeu um telefonema direto do advogado do ministro da Defesa, dizendo que precisavam do parecer urgente. O juiz desmontou isso e deu a liminar. Só que foi mais longe. Escreveu na decisão que a portaria desrespeitava o Estatuto do Desarmamento. Ou seja: além da decisão técnica, se posicionou quanto ao mérito.


UOL - Qual a motivação do presidente para afrouxar dessa forma o controle sobre armamentos?

Isso está explicitado na reunião do dia 22 de abril, quando o Bolsonaro soltou frases como "o povo de arma é garantia para não vir um fdp para impor uma ditadura aqui", "eu quero todo mundo armado", "o povo armado jamais será escravizado". São frases dele na reunião. Depois completou pedindo ao ministro Moro e ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que assinassem a portaria. E a portaria foi assinada no dia seguinte.

Logo no início da gestão, Bolsonaro lançou oito decretos, todos aumentando o número de armas, a qualidade das armas. Alguns depois foram revogados.

UOL - Isso quer dizer que o interesse do presidente em liberar armas é político?

Certamente. O grande argumento da bancada da bala no Congresso Nacional pára liberar armamentos era a defesa pessoal e a defesa da propriedade. Agora, pela fala do Bolsonaro, é outra coisa. Eu acho que temos que ser explícitos: ele está propondo a formação de milícias políticas armadas.

Daqui a pouco vamos ver uma guerra civil, é isso que ele está propondo. Naquela fala dele de que o povo armado não será escravizado, trata de matar prefeitos e governadores. Ele queria dar um recado.

Quando Bolsonaro não quer rastrear armas e munições, quem se beneficia são milícias e crime organizado. No caso do assassinato da Marielle Franco e tantos outros crimes, a questão do rastreamento se dá pelos cartuchos e pelas armas. Pelos lotes, que a Polícia Federal foi atrás. Agora, sem rastreamento, não tem como localizar.

Ao soltar essa portaria e ao revogar as medidas de rastreamento, ao editar essa medida de expansão desordenada de armas e munições e agora, ao liberar fábricas estrangeiras, como a Sig Sauer, por meio do filho lobista (refere-se ao deputado Eduardo Bolsonaro) está cometendo crime de responsabilidade. Cabe uma indagação no STF.

UOL - O presidente frequentemente se dirige aos caçadores, atiradores e colecionadores de armas. Qual a atuação política desses grupos?

Eles têm uma tremenda influência na bancada da bala, no Congresso Nacional. Bolsonaro e família têm uma ligação enorme com eles. Quando revogou decretos no dia 17 de abril, o tuíte do presidente foi direcionado ao CACs. Eduardo Bolsonaro retuitou.

Esses clubes não são dedicados ao esporte, não. É gente que tem identidade política ideológica. Pode se transformar em milícia armada. Algo muito perigoso para a democracia brasileira e para vida de todos os que resistem a essa onda arbitrária do bolsonarismo.

Acho que a gente precisa chamar a atenção particularmente do Exército, porque Bolsonaro está desmoralizando as Forças Armadas, revogando portarias e atropelando generais. Essa decisão judicial de hoje confirma isso.

UOL - O sr. acredita que as instituições e as autoridades já atentaram para a gravidade dessa questão?

Na minha opinião, ainda não. Mas a fala do Bolsonaro no dia 22 de abril acendeu uma luz amarela ou vermelha. Acho que a gente não deve minimizar a gravidade dos atos e declarações de Bolsonaro e dos bolsonaristas. Eles começaram com milícia digital e podem chegar a milícia armada. Aliás, o presidente foi eleito com essa simbologia, a mão atirando. Eles querem massificar essa ideia das armas.

Vamos lembrar que o bolsonarismo tem apoio de setores policiais e das milícias que existem no Rio de Janeiro, inclusive trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro, como Queiroz (Fabrício Queiroz, ex-PM que era assessor de Flávio e teria participado do esquema de rachadinha na Alerj) e Adriano Nóbrega (capitão acusado de chefiar uma milícia, que acabou morto pela polícia na Bahia). É uma coisa muito ostensiva.